Após obter desconto de R$17 bilhões em acordo de reparação por rompimento, lucro da Vale cresce mais de 3000% no início de 2021Projeto Manuelzão

Após obter desconto de R$17 bilhões em acordo de reparação por rompimento, lucro da Vale cresce mais de 3000% no início de 2021

06/05/2021

Valores exorbitantes foram alcançados somente nos três primeiros meses deste ano; enquanto isso, pessoas atingidas por rompimentos de barragens da mineradora em Brumadinho e Mariana seguem sem garantias básicas

Resultados financeiros da Vale a partir de 2017. Imagem: Divulgação Vale

Enquanto as pessoas atingidas pelos rompimentos de barragens da Vale em Mariana e Brumadinho perecem em uma luta diária para terem seu direito à reparação integral assegurado, a maior mineradora do país segue quebrando recordes de lucratividade em seus balanços financeiros. Em 2020, um ano após o rompimento no Córrego do Feijão, a Vale superou os bancos com folga e foi a empresa brasileira que mais distribuiu dividendos aos seus acionistas, R$ 18,7 bilhões ao todo. Já no balanço do primeiro trimestre de 2021, a mineradora registrou lucro líquido de R$ 30,5 bilhões, superando em mais de 3.000% os ganhos de R$ 984 milhões do mesmo período do ano passado.

Além dos opulentos rendimentos, a Vale também obteve um generoso desconto em suas despesas previstas para os próximos anos. Em fevereiro de 2021, a mineradora selou um acordo com o Governo de Minas Gerais e instituições de Justiça sobre a reparação dos danos causados pelo rompimento ocorrido em Brumadinho, em 2019. Inicialmente, governo e instituições de Justiça pediram R$ 54,7 bilhões, sendo R$ 26,7 bilhões referentes aos danos materiais, e R$ 28 bilhões, aos danos morais coletivos. Após a Vale chegar a propor menos da metade do valor pedido – R$ 24 bilhões -, as partes fecharam o acordo em R$ 37 bilhões.

O montante definido foi 32% menor que o valor inicial, calculado com base em estudos elaborados pela Fundação João Pinheiro. Além do desconto, pesa contra o acordo a não participação das pessoas atingidas, que foram excluídas das negociações dos termos. O “acordão” foi abordado na página 20 da Revista Manuelzão 88.

Os balanços financeiros positivos da Vale em 2020 e no início de 2021 contrastam com a disposição da mineradora para reparar os danos materiais e sociais dos rastros de destruição deixados nas bacias dos rios Doce e Paraopeba, que impactaram a vida de quase 1 milhão de pessoas. Em Mariana, por exemplo, mais de cinco anos após o rompimento no distrito de Bento Rodrigues, atingidos não foram nem mesmo reassentados.

O lucro da Vale no primeiro trimestre deste ano, anunciado no início da última semana, superou o lucro de R$ 26,7 bilhões de todo o ano de 2020, “atenuado” pelos impactos do rompimento de Brumadinho. De acordo com a mineradora, o resultado foi motivado pelo aumento na produção do minério de ferro e pelo avanço no preço da commodity no mercado estrangeiro, que atingiu seu preço mais alto nos últimos 13 anos.

Resultados financeiros da Vale a partir de 2017. Imagem: Divulgação Vale

Os ganhos da Vale nos últimos quatro anos, acrescido do resultado no primeiro trimestre de 2021, chegaram a R$ 93,77 bilhões.

Distribuição de dividendos recorde em 2020

Os acionistas da Vale parecem não ter sentido os impactos financeiros de um ano marcado por uma pandemia sem precedentes na história recente. Do lucro de R$ 26,7 bilhões da empresa em 2020, o Conselho de Administração aprovou o repasse de R$18,7 bilhões, ou mais de 60% do valor, para seus acionistas. Com isso, a Vale liderou com folga a distribuição de dividendos entre as empresas brasileiras, seguida pelos bancos Itaú e Santander, que distribuíram R$ 12 bilhões e R$ 10,2 bilhões, respectivamente. O levantamento foi feito pela empresa de análises financeiras Economatica com 246 companhias.

O número da Vale ficou bem acima da média do mercado. Atualmente, a maioria das empresas adota o valor mínimo de 25% do lucro líquido a ser distribuído aos acionistas. Essa mesma benevolência, contudo, não caracteriza o tratamento dado às pessoas e regiões atingidas pela marcha desgovernada de seu progresso.

“Atualmente as pessoas querem pagar menos pelas ações da Vale, fato relacionado aos rompimentos de barragens em 2015 e 2019, e aos processos judiciais que se desencadearam a partir daí. Todos trazem muita insegurança jurídica e imprevisibilidade financeira para a empresa. O acordo judicial foi muito importante para a Vale nesse sentido”, comenta a economista do Instituto Guaicuy Camila Alvarenga. “E então, para se tornar mais atrativa aos acionistas, a Vale vem tentando aumentar a remuneração que paga a eles, tentando se aproximar dos valores de capitalização de mercado das concorrentes, as anglo-australianas BHP Billiton e Rio Tinto”, avalia.

A contradição

Para a economista do Instituto Guaicuy Júlia de Carvalho, é bastante contraditório que a Vale tenha conseguido um desconto de R$ 17 bilhões no acordo de reparação, enquanto distribuiu R$ 18 bilhões aos seus acionistas em 2020. “É algo que sempre vemos quando estão envolvidas as grandes mineradoras e o Estado. Em acordos como esse, vemos como o Estado está completamente refém das migalhas oferecidas pelo setor minerário, setor que apresenta altíssimas margens de lucro em função de danos sociais e ambientais para a população”, afirma Júlia.

“Esse ‘desconto’ de quase R$17 bilhões no pedido feito inicialmente revela a fraqueza do Estado de Minas Gerais em fazer frente ao modelo destrutivo no qual a Vale opera em Minas Gerais, modelo que mata pessoas, rios, destrói sonhos e espalha o medo com a lama invisível que assombra as comunidades que vivem abaixo das barragens de rejeitos. Pelo contrário, o Estado é permissivo com esse modelo e ainda se aproveita dele, usando as migalhas oferecidas pela mineradora para projetos eleitoreiros, como o Rodoanel”, completa.

O “acordão” foi abordado na página 20 da Revista Manuelzão 88.

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