Audiência na Câmara sublinha riscos de mineração na Serra do Curral à segurança hídrica da Grande BH - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Audiência na Câmara sublinha riscos de mineração na Serra do Curral à segurança hídrica da Grande BH

30/06/2022

Projeto da Tamisa ameaça adutora da Copasa que, em caso de rompimento, pode deixar 2 milhões de pessoas sem água

A Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara Municipal de Belo Horizonte realizou nesta quarta-feira, 29, uma audiência pública para debater os riscos à segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em virtude do empreendimento minerário da Tamisa na Serra do Curral. Foram tratados os riscos à adutora Taquaril do sistema Rio das Velhas da Copasa, responsável pelo abastecimento de cerca de 70% da capital e 40% da RMBH, em um de seus trechos próximos à área do projeto. 

De acordo com a vereadora Duda Salabert (PDT), responsável por solicitar a audiência, caso a adutora seja impactada, a capital pode ficar sem abastecimento de água por cerca de dez anos. Em uma situação de risco, a mineradora Tamisa não possui nenhum plano de contingência para impedir que os danos se alastrem e prejudiquem a região. 

Morador de Sabará e coordenador do movimento Eu Rejeito Barragens, Renato Mattarelli Carli alertou: “O Rio das Velhas, apesar de toda a carga de poluição, ainda é responsável pelo abastecimento de inúmeras cidades à jusante e que dele dependem. É o caso de sete lagoas e outras do seu entorno. Esse projeto da Tamisa e de outras mineradoras é criminoso, e traz insegurança hídrica, muito perigo e ameaça ao meio ambiente e à vida humana. Não só na nossa região metropolitana de Belo Horizonte, como também para todos os territórios que moram abaixo da Serra do Curral”.

A representante da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Ana Carolina Almeida, declarou que a Tamisa “se compromete a fazer estudos adicionais e se compromete também a fazer eventuais reforços que sejam necessários. Mas não há dentro do processo de licenciamento ambiental nenhuma previsão, porque não existe na norma nenhuma previsão, para que seja estabelecido um plano de contingência para o caso da adutora, uma vez que a própria Copasa concordou e anuiu com o processo“. 

A fala foi muito criticada pelos participantes da reunião, que questionaram veementemente a falta de um plano.

“É inaceitável, do ponto de vista de um mínimo de segurança, para abastecermos uma metrópole como BH, que a gente insira um grau de insegurança adicional. Hoje a insegurança já é enorme por causa da problemática das barragens de rejeito que existem na bacia. Nós vamos inserir mais um motivo de segurança e reduzir ainda mais o nível de resiliência do sistema? Absolutamente não. Isso é inaceitável do ponto de vista do executivo municipal”, questionou Ricardo Aroeira, diretor de gestão de águas urbanas e secretário-executivo do Conselho Municipal de Saneamento da Prefeitura de Belo Horizonte.

A Tamisa, a mineradora Vale e a Copasa foram convidadas a prestar esclarecimentos, no entanto não houve presença de nenhum representante das empresas. 

Estudos contradizem Tamisa e órgãos estaduais

De acordo com as informações apresentadas pela Tamisa no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), tido como base para a solicitação da audiência pública, os impactos serão causados por tráfego diário de caminhões para transporte de minério sobre a adutora de água, além dos riscos com as explosões nas regiões próximas e a construção de bacias de sedimento acima da adutora. Em caso de rompimento da adutora, 2 milhões de pessoas ficariam sem acesso à água. 

Esses efeitos, presentes no EIA, foram negados por Leandro Amorim, representante da Tamisa na audiência pública das Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 5 de maio. No entanto, na audiência desta quarta, os participantes ressaltaram os dados do EIA e ainda trouxeram comparativos com a situação da Mineração Vallourec, que não suportou as chuvas de janeiro e inundou a BR-040. 

“A RMBH vive uma situação particular que não é vivida em nenhum outro lugar do Brasil. Nenhum outro lugar é tão povoado e tem tantos processos de mineração como acontece aqui. Então, se não for BH, governo de MG, a tomarem providências com outros poderes legislativos pressionando, nós vamos viver sim a falta de água. Nós já estamos vivendo, e ela vai se agravar de uma forma absurda”, afirmou a vereadora Bella Gonçalves. 

“A Serra do Curral é nossa identidade, ela é nossa paisagem, um espaço fundamental para a cultura de MG. Mas mais do que isso, a Serra hoje carrega 70% da água que vem para BH no seu leito. Isso precisa ser uma tese central nas defesas judiciais. É preciso que a gente consiga construir novas legislações e processos de fiscalização que não deixem o Igam enquanto balcão de negócios das mineradoras e que venha de fato priorizar a questão do abastecimento humano”, completou.

O paradoxo da sorte

Paulo Rodrigues, professor e geólogo do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, foi quem abriu o debate trazendo detalhes técnicos da extrema importância do Aquífero Cauê, presente abaixo do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, uma das maiores reservas de águas subterrâneas do estado. Rodrigues explicou que, embora não esteja visível, há 40 vezes mais água no subsolo do que a quantidade presente na superfície. 

“Uma boa parte das águas que se precipitam nas montanhas se infiltram no terreno, e essa infiltração vai fazer com que essa água passe a circular no subterrâneo formando os grandes bolsões de águas subterrâneos que, por sua vez, são acumulados no que nós chamamos de aquíferos”, pontuou.

Por este motivo, a proteção das montanhas é um tema tão importante e relacionado diretamente à segurança hídrica da RMBH. O geólogo lembrou que  os topos de morro são áreas diferenciadas, classificadas como Áreas de Preservação Permanente (APPs) pelo Código Florestal brasileiro, que prevê a proteção direta ou imediata ou automática dessas áreas. “Isso tem uma razão muito simples: porque os topos de morro realmente representam as áreas mais nobres para a recarga de aquífero”, explicou. 

Com isso, surge o que o geólogo chama de “paradoxo da sorte”. Na região do Alto Rio das Velhas, as águas subterrâneas coincidem com os topos de morro, onde os dois sistemas coincidem e há a formação do aquífero.  “Não tem lugar nenhum no mundo onde nós temos os aquíferos e topos de morro, que é o que acontece aqui no nosso quadrilátero. E não há como haver uma mineração na Serra do Curral, em cima dos nossos aquíferos, sem que haja um comprometimento irreversível, uma destruição irreversível, não somente das nascentes, mas uma outra coisa extremamente importante que a gente chama de recarga de base dos aquíferos. Ela é muito importante, e infelizmente invisível”.

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