20/09/2018
Dois de setembro de 2018. Esta data marcará para sempre a história do Brasil. Naquela noite de domingo, os olhos de milhares de brasileiros refletiam tons de amarelo e laranja das chamas que destruíram o Museu Nacional, localizado no Palácio de São Cristovão, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A instituição, que […]
Dois de setembro de 2018. Esta data marcará para sempre a história do Brasil. Naquela noite de domingo, os olhos de milhares de brasileiros refletiam tons de amarelo e laranja das chamas que destruíram o Museu Nacional, localizado no Palácio de São Cristovão, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A instituição, que abrigava um acervo de mais de 20 milhões de itens, completou 200 anos dois meses antes do incêndio.
Acredita-se que o número dois represente a dualidade, a polarização, como o bem e o mal, claro e escuro, dia e noite. Ironicamente, o incêndio no museu também representa uma dicotomia: a preservação e a omissão. A perda de patrimônios históricos como a maior coleção de meteoritos do Brasil, fósseis de milhões de anos, objetos da Antiguidade greco-romana e até a maior coleção de história egípcia da América Latina, era uma tragédia anunciada. Os repasses do governo federal ao museu caíram praticamente à metade nos últimos cinco anos, de R$ 1,3 milhão, em 2013, para R$ 643 mil, no ano passado. A queda foi próxima de 50%. De janeiro a agosto deste ano, o governo destinou R$ 98 mil à instituição, segundo dados da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados. Em 2013, no mesmo período, foram investidos R$ 666 mil, uma redução de 85%.
Em entrevista para o jornal Estado de S. Paulo, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, resumiu em uma frase o incêndio que consumiu o Museu Nacional: “Uma morte anunciada”. Segundo o pró-reitor Planejamento e Finanças da UFRJ, em reportagem da Folha de S. Paulo, a instituição, responsável pelo museu, contou com orçamento de R$ 450 milhões em 2016. No ano seguinte, o valor caiu para R$ 420 milhões e, em 2018, ele foi fixado em R$ 388 milhões – a previsão para 2019 é de R$ 364 milhões. “Esse orçamento, que cai ano a ano, estrangula a universidade e coloca em risco a preservação dos nossos 15 prédios tombados”, disse Bogéa.
“O cenário é preocupante. Vamos lembrar que o Museu da Língua Portuguesa e a Cinemateca Brasileira também se incendiaram no passado recente, o Museu Paulista está fechado por risco de desabamento e o museu Goeldi quase fechou este ano por falta de verba. Neste cenário as chamas no museu Nacional não são um acaso, mas sim o resultado das políticas do governo que sistematicamente estão sucateando as instituições de educação e pesquisa no País”, trecho da carta de apoio publicada pelo Programa de Pós Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Em meio ao patrimônio histórico construído pelo museu durante seus 200 anos, estava Luzia, o fóssil humano mais antigo do Brasil, encontrado em 1975, no município de Pedro Leopoldo. Luzia e seu povo eram moradores da bacia do Rio das Velhas. O “grupo de Luzia”, como era chamado pelos pesquisadores os cerca de 200 indivíduos fossilizados que faziam parte do acervo do museu, vivia entre matas e cerrados nos últimos milênios da Era do Gelo, e enfrentavam um clima bem mais seco e frio do que o atual. Era de Luzia o crânio mais antigo encontrado na América. Seus ossos foram datados de 12,5 mil anos atrás e ela deve ter morrido aos 25 anos. Em 2000, seu rosto foi reconstituído na Inglaterra, em 2018, destruído no Brasil.
Durante o incêndio, O soldado dos bombeiros Rafael Luz, ao tentar salvar Luzia, sofreu queimaduras nas mãos. Ele contou, em uma rede social, que estava de folga no dia do incêndio, mas foi ajudar. Hoje, seu lamento representa também, de certa forma, o sentimento de muitos brasileiros: “Eu queria ter achado Luzia, ter salvado mais itens, ter ido mais ao museu, ter reclamado mais do abandono do nosso patrimônio histórico. Mas não deu. E a queimadura vai me fazer lembrar por muito tempo o preço que se paga pela omissão”.