LIDIANA BRAZIOLLI

31/12/1969

LIDIANA BRAZIOLLI – 43 anos Belo Horizonte Nunca pensei que aos quase 43 anos, em pleno século XXI, eu ainda fosse ver coisa como esta: o pequeno corregozinho, tão frágil, tão impotente, sendo assim descaradamente poluído. E por pessoa pública. Meu causo começa tristemente, nessas maltraçadas linhas, pra relatar a sina de um braço do […]

LIDIANA BRAZIOLLI – 43 anos

Belo Horizonte

Nunca pensei que aos quase 43 anos, em pleno século XXI, eu ainda fosse ver coisa como esta: o pequeno corregozinho, tão frágil, tão impotente, sendo assim descaradamente poluído. E por pessoa pública. Meu causo começa tristemente, nessas maltraçadas linhas, pra relatar a sina de um braço do Córrego Santo Antônio, importante afluente do Rio das Velhas, chamado Riacho Fundo, na minha querida Curvelo (MG).
Cravada no centro das Minas Gerais, em pleno sertão roseano, Curvelo hoje tem quase 80 mil habitantes, sendo a maior parte gente humilde, trabalhadeira e cheia de fé. Terra de São Geraldo, santo italiano de muitos fiéis por aqui, a cidade cresceu em volta do Córrego Santo Antônio, nome do povoado de Santo Antônio da Estrada, que mais tarde tornou-se a terra do Padre Corvello. De Cordisburgo Guimarães Rosa avistava, além do Morro da Garça, que o encantava e intrigava, a vastidão “do Curvelo”, a quem chamou: “capital da minha literatura”. Tivesse ele atravessado o sertão hoje e escreveria as tristezas dos moradores da beira do Riacho Fundo, ao verem graxa, óleo diesel e restos fecais sendo despejados deliberadamente no riacho, berço de muitos peixes que vão desaguar no “pequeno riozinho” Santo Antônio, mesmas águas que completarão o manancial do Velhas e, depois, o esplendoroso São Francisco.
Se Minas são muitas, suas águas são uma só. Se unem todas no Velho Chico. E ele está, a despeito da vasta e séria campanha do Governo Estadual Mineiro, sendo poluído por quem deveria protegê-lo. A foto que vi, estarrecida, ao abrir meu e-mail aqui em Belo Horizonte hoje, 7 de julho de 2011, faz parte de uma matéria ainda mais estarrecedora, do jornal que envio em anexo.
Meu causo tem muito de lamento e de revolta. Fico pensando no que diria o Manoelzão – a quem entrevistei entre um café e outro, quando ainda tinha 18 anos, lá em Corinto, na casa da minha amiga Sandra Helena, fazendo um trabalho sobre Guimarães Rosa, nos idos anos 1980? Entrevistei ele de novo na última vez em que passou vivo por aquelas bandas, internado do Hospital Sto Antônio, em Curvelo. Entre uma conversa e outra decorreram quase 15 anos, mas em ambas ele mantinha nas palavras a certeza de seu amor pelo sertão, suas águas e seus bichos. Logo depois disso ele veio a falecer aqui em BH. Fico pensando que Deus faz mesmo as coisas muito certas. Ver um caminhão jorrando o pretume oleoso nas águas de um frágil corregozinho lhe causaria uma tristeza sem fim.
Sou mineira, mas antes de tudo, uma sertaneja que quando criança ainda podia molhar os pés no Riacho Fundo quando meu pai me levava pra passar férias na casa de minha avó. Ele mesmo se banhou várias vezes no riachinho de águas puras e muitos peixes. Dali nasceu sua paixão pela pescaria. E não foram poucas as vezes que desci o Velhas com ele, dentro de um barquinho, vara na mão, apoitando na Barra do Guaicuí e em outras atrás de surubins, dourados, matrinchans, pacamãs e piaus. Dormíamos dentro do barco no meio do rio, sem temor algum. Cansei de contemplar o céu estrelado debaixo de um cobertor reforçado, munida de caneca de café e pão com salame, enquanto ele “cansava” um peixão na vara, já que tinha e tem horror a redes e pindaíbas. Não foram poucas as vezes que desmanchamos armadilhas de predadores homens no meio do rio, que se aproveitavam da época de reprodução pra pescar fácil.
Meu pai ficou extasiado ao ver a foto do Governador enfiado até a cintura no Velhas no ano passado. As águas Santo Hipólito ele conhece como a palma da mão, sou testemunha. Mas o velho Braziolli vai ficar muito triste com as notícias que circulam lá em Curvelo agora. Ele, que mora lá perto do Santo Antônio, não vai gostar nada de ver o riachinho que nutre o Velhas se enchendo outra vez de esgoto. E com a indignação própria dos italianos misturados com curvelanos, vai me ligar, eu sei, pra contar outra vez sobre quantas vezes nadou e pescou naquelas águas hoje manchadas pela estupidez dos homens. Ainda mais quando “os homens” são aqueles que governam a cidade!
Estou com vergonha, é verdade. No fundo meu causo é um causo de desabafo e um pedido de ajuda. Até quando a gente ainda vai ter de ver isso, minha gente? Responda quem puder.
Gostaria muito que uma cigana lesse o destino da nossa gente já tão sofrida e dissesse que o amanhã será de águas limpas, calmas e cheias de peixes. Mas do jeito que as coisas vão, quando alguns limpam e outros sujam, o futuro pode ter cheio de esgoto e um gosto muito amargo.
Obrigada pela oportunidade, Manoelzão.

Foto enviada por LIDIANA BRAZIOLLI

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