Manifesto contra a conversão de crime ambiental em bônus - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Manifesto contra a conversão de crime ambiental em bônus

12/04/2019

Entidades ambientalistas manifestam-se contra a proposta do Ministro Ricardo Salles, por considera-la ilegal, imoral e pouco comprometida com a defesa do meio ambiente

Os movimentos ambientalistas foram surpreendidos pela proposta do Ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, de conversão de R$ 250 milhões em multas aplicadas pelo IBAMA à Vale pelo crime ambiental e humano provocado pela mineradora no córrego do Feijão, em Brumadinho, que causou a morte de mais de 300 pessoas e a contaminação do rio Paraopeba.

Esta iniciativa vem sendo negociada com o governo Zema, em Minas Gerais, que está com uma política de concessão público-privada para os parques estaduais.

A proposta prevê a concessão, sem qualquer processo licitatório, de sete parques nacionais, em Minas Gerais, à mineradora. São eles: Caparaó, Grande Sertão Veredas, Caverna do Peruaçu, Sempre-Vivas, Serra do Gandarela, Serra da Canastra e Serra do Cipó. Ocorre que as pessoas jurídicas beneficiárias de concessões de parques nacionais só podem ser escolhidas por meio de licitações, para que não haja favorecimento de interessados. Ou seja, essa concessão seria a possibilidade declarada de transformar um ônus de um crime ambiental em um bônus para o infrator.

Como fica a moralidade e a ética da gestão desta situação, se ofertamos concessões públicas de patrimônios naturais para uma empresa que demonstrou tamanha irresponsabilidade socioambiental na degradação dos rios Doce (Samarco- BHP/Vale) e Paraopeba? Isto seria uma afronta total à verdade dos fatos e aos danos ambientais gerados.

Em matéria constitucional, o art. 225, §3º, da Constituição Federal estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Ainda,

“Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” – art. 70 da Lei 9.605/98; e art. 20 do Decreto n. 6.514/2008. Uma vez constatada a infração, a autoridade competente no âmbito de cada esfera de governo deverá, balizada pelas diretrizes do art. 6º ((observar a) gravidade do fato; b) antecedentes do infrator; c) situação econômica do infrator;) da mesma legislação, aplicar uma das dez sanções previstas no art. 72.

O artigo 72 do diploma legal supracitado impõe um rol taxativo de sanções em casos de infrações administrativas.  Isso quer dizer que apenas as sanções previstas nesse rol podem ser aplicadas. Não há previsão legal de conversão de multa para administração compulsória de Parques Nacionais. Aliás, a administração de parques tem regime próprio e está longe de ser uma sanção administrativa.

Portanto, as sanções estão sujeitas ao Princípio da Legalidade, de modo que não cabe a imposição de ato punitivo sem lei anterior que preveja a conduta e a devida sanção. O administrador público deve tomar decisões sob a regência da lei imposta. Portanto, só pode fazer o que a lei lhe autoriza.

Na situação apresentada, conforme dispõe o art. 73 da Lei 9.605/98, os valores arrecadados com o pagamento de multas por infração ambiental serão revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Sendo assim, não se poderá dar destinação diversa aos valores arrecadados com o pagamento de multas. A previsão legal é expressa e, obrigatoriamente, os valores deverão ser revertidos ao Fundo Nacional de Meio Ambiente. Extrapolar essa determinação legal e delegar a administração de Parques Nacionais ao infrator como uma medida sancionatória viola o Princípio Constitucional da Legalidade.

Além disso, ressalta-se que a multa administrativa decorre, de maneira geral, de manifestação do poder de polícia administrativa e tem natureza jurídica sancionatória (ou punitiva) e reparadora.  Haverá cabimento sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo. Esta tem por escopo desestimular o causador do dano a prosseguir com a conduta degradadora do meio ambiente, logo, também possui caráter pedagógico.

Os argumentos utilizados pelo ministro são absolutamente frágeis, a saber:

  • “A empresa não vai pagar a multa e vai recorrer”. Se esta for a posição da empresa Vale, isto demonstra a falta de compromisso e de responsabilidade para com os fatos ocorridos, e que esta empresa não tem a idoneidade pública necessária para administrar parques nacionais.
  • “Será possível gerar empregos e contribuir para efeitos produzidos pela paralisação das atividades minerárias”. A afirmativa é falsa, pois nenhum dos parques listados fica localizado na área da bacia do rio Paraopeba, afetada pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão. Na verdade, o que se quer é transferir, para a iniciativa privada, custos que deveriam ser do governo federal na manutenção destes parques.

No caso do Parque Nacional do Gandarela existe um agravante, que é o conflito de interesse declarado com a empresa Vale, que tem gigantesco projeto de mineração na região do Gandarela.

  • A instrução normativa nº 6 do IBAMA, de 15 de fevereiro de 2018, que trata da possibilidade de conversão de multas no seu art. 10 afirma que: “… a autoridade julgadora do IBAMA, ao considerar os antecedentes do infrator, as peculiaridades do caso concreto e o efeito dissuasório da multa ambiental, poderá, em decisão motivada, deferir ou não o pedido de conversão formulado pelo autuado. Parágrafo único. Serão indeferidos os pedidos de conversão de multas quando da infração ambiental decorrer morte humana”.

Ou seja, no caso do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho não se aplica a conversão de multa, pois houve morte de mais de 300 pessoas.

  • As multas deveriam ser direcionadas à bacia do rio Paraopeba, que foi arrasada e contaminada, inviabilizando os usos múltiplos das águas. Todos os recursos devem ser destinados para revitalização do rio Paraopeba, que hoje é um rio morto.

Assim, as entidades ambientalistas vêm a público manifestar-se contra a proposta do Ministro Ricardo Salles, por considera-la ilegal, imoral e pouco comprometida com a defesa do meio ambiente.

Belo Horizonte, 10 de abril de 2019,

Gabinete de Crise – Sociedade Civil

Instituto Guaicuy – SOS Rio das Velhas

Projeto Manuelzão – UFMG

PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental

SESBRA-Sociedade Ecológica de Santa Branca

Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo

Instituto Mangue Vivo

Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM)

SOS Serra da Piedade

Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela

CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva

ANAI- Associação Nacional de Ação Indigenista

CPT/MG – Comissão Pastoral da Terra de MG-Instituto Biotrópicos

Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral

Estação Espinhaço (Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço)

Conserva Mundi (Centro de Educação Ambiental – Projeto Salas Verdes/MMA)

Associação Quadrilátero das Águas – AQUA

Associação dos Doceiros e Agricultores Familiares de São Bartolomeu – ADAF

Grupo Ecológico de Rio das Contas – GERC

Grupo de Promoção Socioambiental – Germen

Instituto Teias

Ação Ecológica Guaporé

APROMAC

TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental

SESBRA

FBCM

FURPA

GEBIO

*Organizações Não-Governamentais (ONGs), Instituições, Institutos e Movimentos sociais estão convidados a assinar conosco o manifesto, bastando enviar um e-mail para manuelzao@manuelzao.ufmg.br

 

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