O Senado estaria armando um golpe contra o meio ambiente?

29/04/2016

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou, nesta quarta (27), a Proposta de Emenda à Constituição 65/2012 que altera o processo de licenciamento ambiental.

Bastará a apresentação, por parte do empreendedor, de um Estudo de Impacto Ambiental (feito por ele próprio) para que a autorização de uma obra seja dada.
Hoje, licenças (prévia, de instalação e de operação) são concedidas após análise dos impactos socioambientais pelos órgãos competentes – que apontam ações para mitigá-los, compensá-los ou evitá-los sob o risco de paralisação do empreendimento.

Agora, em nome do crescimento econômico, querem remover os “entraves”.
O problema é que os “entraves” são a garantia de que o meio ambiente não vá para o brejo e, na prática, comunidades tradicionais virem geleia, cidades se tornem um inferno, a água e o solo sejam contaminados. A PEC terá que ser aprovada no plenário da casa em dois turnos e, depois, em dois turnos na Câmara dos Deputados.

“Uma das maiores dificuldades da administração pública brasileira, e, também uma das razões principais para o seu desprestígio, que se revela à sociedade como manifestação pública de ineficiência, consiste nas obras inacabadas ou nas obras ou ações que se iniciam e são a seguir interrompidas mediante decisão judicial de natureza cautelar ou liminar, resultantes, muitas vezes, de ações judiciais protelatórias”, diz a justificativa do senador Acir Gurcacz (PDT-RO), autor da proposta.
Ou seja, a culpa da obra estar parada não é o fato de seu projeto ou de sua execução estarem colocando em risco o meio ambiente e, consequentemente, os moradores de um lugar – fato cuja responsabilidade é do administrador público que a encomendou ou autorizou.

A culpa é de quem fiscaliza e atesta que a obra está fora da lei.
Isso é uma boa prova do que vem pela frente. No afã de crescer a todo o custo, vamos cavando nosso buraco. Sendo que, no fundo do poço, há sempre um alçapão.
Com exceção dos fanáticos religiosos que enxergam sinais da primeira ou da segunda vinda do messias (dependendo se a religião em questão não permite comer X-Burguer ou abraça o consumismo para celebrar o nascimento do seu deus), apenas os mais míopes não percebem que o planeta está dando o troco.
Não estou falando apenas do aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas através dos quais ajustamos o termostato do planeta para a posição “Gratinar os Idiotas Lentamente”, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar. No campo e nas cidades.
Muitos falam de tragédias como se fossem situações desconectadas da ação humana, resultados da fúria divina e só.

Não foi Deus quem colocou a bancada ruralista onde ela está, mas sim milhares de votos, conscientes ou não.
Um prefeito de uma cidade atingida pelas chuvas, anos atrás, disse que só restava a ele rezar para Deus controlar as águas. Bem-feito para a população que votou nele e viu o administrador do município “terceirizando” o trabalho para o plano superior, provavelmente dando continuidade ao que foi feito pelos que vieram antes dele.
A declaração é da mesma escola daquela de um assessor de George W. Bush quando questionado se a herança deixada às próximas gerações pelos gases causadores do efeito estufa da indústria norte-americana não poderia ser nefasta. Não me lembro da frase exata, porque lá se vão anos, mas foi algo do tipo: “não será um problema, porque Cristo voltará antes disso”.

Por que estou falando tanto de religião?
Porque uma das mais estranhas e, ao mesmo tempo, mais brilhantes alianças políticas no parlamento brasileiro seja entre a bancada do fundamentalismo religioso e a bancada ruralista. De um lado, os fieis ajudam a garantir a manutenção de um desenvolvimento a qualquer preço, passando por cima do meio ambiente, como se não houvesse amanhã. Do outro, os fazendeiros contribuem para que os direitos humanos sejam rasgados diante de uma visão distorcida de religião, garantindo que não haja mesmo um amanhã.
É irônico que, de certa forma, o desespero diante do caos ambiental (fomentado pelos ruralistas ao derrubarem o Código Florestal e, agora,na tentativa de transformar o processo de licenciamento ambiental em confete), daqui a algumas décadas, irá contribuir para trazer mais fieis a igrejas. Pois só restará lamentar. Ou rezar.

Matéria veiculda no Blog do Sakamoto 

Repórter: Leonardo Sakamoto em 28/04/16

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