“Outorgas emitidas para grandes empresas não condizem com o volume outorgável”, destacam ONGs em Seminário realizado pelo CBH Rio das Velhas

24/11/2016

Devido ao uso desenfreado de suas águas, em julho deste ano o IGAM fez previsão de que até este mês de novembro o sistema poderia entrar em colapso.

A integração dos
recursos hídricos e sua importância para a análise efetiva da capacidade de
produção de água em determinada região foi um dos temas mais debatidos no
seminário “Os Dois Lados da Moeda: Crescimento Econômico x Produção de Água,
realizado pelos Comitês da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e Rio Paraopeba.
A integração dos recursos hídricos consiste na observação e na avaliação
quantitativa de onde, quando e como as águas subterrâneas se incorporam às
águas da superfície. Essa análise é de extrema relevância quando se trata de um
local com grande presença de aquíferos, uma vez que a interferência inconsequente
nessas regiões pode gerar danos à gestão dos recursos hídricos em sua
totalidade. “As águas dos rios nos períodos de seca são fruto da contribuição
dos aquíferos: as águas fluem dos pontos mais altos para os mais baixos – para
as calhas dos rios – e são as únicas responsáveis por manter sua descarga.”,
afirma o hidrogeólogo Paulo Pessoa, que ministrou uma palestra no seminário
sobre esse tema. 

A Agência
Nacional de Água (ANA) possui diversos pontos de monitoramento em bacias
hidrográficas e lançou, em julho de 2010, o Programa Nacional de Avaliação da
Qualidade das Águas (PNQA), que tem como objetivo principal oferecer um
conhecimento efetivo da qualidade das águas superficiais do Brasil. Apesar
desse investimento, o PNQA foca apenas em recursos hídricos superficiais e não
considera as características geológicas na implantação das zonas de
monitoração. “É preciso integrar a geologia e a hidrologia e colocar os pontos
de monitoramento em locais específicos, analisando, não somente os fatores
hídricos, mas também considerando a geologia das bacias, objetivando uma maior
compreensão de que tipos de rochas contribuem para a vazão em questão.”,
reforça Pessoa.

A partir de um
estudo realizado em 2008 pela Agência Nacional de Água, 9% das águas dos rios apresentam qualidade ótima, 70 % boa, 14% regular
e 9% ruim ou péssima. Quando a porcentagem de águas fluviais em qualidade ótima
e péssima se equivale, fica clara a necessidade de mudanças no tratamento com
esse recurso natural tão importante. Em sua palestra no seminário, Paulo Pessoa
afirmou que o monitoramento não deve ser uma simples análise de dados
esporádica e pontual, mas sim, uma medição constante com dados primários
consistentes que proporcionem uma leitura básica das descargas das drenagens
continuamente no tempo a ponto de fornecer resultados de avaliação histórica.

“Monitorar as variações dos níveis de
água, das estações pluviométricas e fluviométricas são a tríplice aliança para
o avanço no entendimento da hidrodinâmica e, consequentemente, da gestão
sustentável dos recursos hídricos. A palavra chave para os recursos hídricos é monitoramento.”, reforça Pessoa.

ONGs e Mobilização

O Seminário foi
dividido em quatro painéis temáticos que guiaram as palestras: “Formação e
Aspectos Socioambientais”, “Expansão Metropolitana e Crescimento Econômico no
Sinclinal Moeda”, “Produção de Água no Sinclinal Moeda” e finalizando com
“Mobilização e Organizações Sociais”.

O último painel do
evento convidou representantes de ONGs e movimentos sociais que lutam pela
preservação dos recursos hídricos e das serras mineiras contra, sobretudo, os
grandes empreendimentos instalados nas regiões. Estiveram presentes as ONGs
“Abrace a Serra da Moeda” e “Veredas e Cerrado”, além do Movimento Pela
Preservação da Serra do Gandarela.

As duas ONGs
enfrentam problemas semelhantes: poluição dos cursos d’água, seca de nascentes
e, principalmente, escassez hídrica.

 A “Veredas e Cerrado” atua na região baixa do
Rio Paraopeba e luta pelo uso mais consciente das águas fluviais de seus
arredores. Seu representante, Winston Caetano, ministrou uma palestra
apresentando os objetivos e as ações da ONG nas cidades de Caetanópolis e
Paraopeba, que são sede de duas grandes indústrias de tecido com alto potencial
poluidor. “As fábricas da Tear Têxtil e da Cedro Cachoeira são muito
poluidoras. Apesar de já terem colocado filtros e promovido o tratamento de
água, ainda geram muitos passivos ambientais.”, conta Winston.   

O Sistema
Paraopeba fornece água para Belo Horizonte e grande parte da região
metropolitana. Devido ao uso desenfreado de suas águas, em julho deste ano o
IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) fez uma previsão de que até este
mês de novembro o sistema poderia entrar em colapso. O Ribeirão do Chico,
afluente do Rio Paraopeba, é um dos principais afetados pelos empreendimentos
da região. As outorgas emitidas para essas grandes indústrias não condizem com
o volume outorgável, uma vez que, após a instalação das fábricas a jusante, o
volume de água reduziu drasticamente. “Essas entidades e suas ações levaram a
seca total do ribeirão nos períodos de estiagem. Isso mostra que a Q7,10 (vazão
específica mínima) da outorga não é respeitada”, reforça Wilson.

A ONG “Abrace a
Serra da Moeda” enfrenta o mesmo problema de investimentos industriais, na
região de Brumadinho, que levaram à seca de nascentes. Na palestra ministrada
pela representante da ONG, Beatriz Vignolo, foram apresentados slides que
contavam, brevemente, os objetivos e desafios da entidade. O projeto nasceu em
2008 após uma mineradora se instalar próximo às áreas de nascentes da serra.
Atualmente, porém, a luta da organização não é focada apenas em entidades
minerarias, mas em todo empreendimento que coloque em risco os recursos
naturais da região.

Em 2011 a
Coca-Cola iniciou suas obras para a construção de uma grande fábrica na BR040,
em Itabirito – MG. Mesmo com as denúncias feitas pela Abrace a Serra da Moeda
das irregularidades presentes no licenciamento ambiental e dos possíveis
impactos sobre o aquífero da região, a indústria iniciou suas atividades. Os
poços de água que abastecem a empresa se localizam a menos de 1000 metros de
nascentes que fornecem água para milhares de habitantes das cidades de Brumadinho,
Suzana e Campinho.

“A nascente mais
próxima à fábrica, a Suzana C, secou seis meses após o início das operações,
mesmo com todos os diagnósticos e denúncias que fizemos”, contou Vignolo. A
partir de então, a população de Brumadinho começou a sofrer com escassez de
água. A Coca-Cola, como forma de remediar, manda, em média, quatro caminhões
pipa por dia para oferecer água aos moradores da cidade.  

O Projeto CSul é
outro investimento feito na região que ameaça seus recursos naturais. Esse mega
projeto urbanístico ainda está em fase de licença prévia (LP) e a ONG tem esperança
de que, dessa vez, suas denúncias surtam efeito e evitem que mais danos sejam
causados à Serra da Moeda. A denúncia está em fase de análise pelo órgão
ambiental responsável e, caso aprovada, será encaminha e votada no Copam. “Nós
temos esperança de que o parecer do órgão concorde com nossa denúncia. Assim,
os empreendedores serão obrigados a pesquisar mais sobre o aquífero e definir
realmente qual será o impacto ambiental da obra”, afirma Beatriz.

“O caso da CSul,
por enquanto, é menos grave que o da Coca-Cola. Nossa expectativa é que os
órgãos públicos e ambientais tomem medidas para auxiliar a sociedade civil
nessa luta, pois estamos sozinhos.”, finaliza Vignolo.

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