03/12/2021
Decreto da Prefeitura de Belo Horizonte reconhece o terreno de 200 mil m² como de utilidade pública
O movimento Salve a Mata do Planalto obteve mais uma importante vitória após 12 anos de mobilização. No último dia 24 de novembro, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) publicou no Diário Oficial do Município um decreto que reconhece o terreno de 200 mil m² como de utilidade pública, para fins de desapropriação. Esse decreto assegura o caráter público da área, que não poderá ser reivindicada pela antiga proprietária Direcional Engenharia. A empresa não chegou a uma negociação com a Prefeitura no processo de permuta.
Também na última semana, foi aprovada a Lei Nº 11.326, originária do Projeto de Lei 1.050/20, de autoria das vereadoras Bella Gonçalves e Cida Falabella, que reconhece o valor ecológico, paisagístico, cultural e comunitário da área remanescente de Mata Atlântica.
A luta dos moradores dos bairros Planalto, Campo Alegre e Vila Clóris começou em 2009, quando souberam que a Rossi Residencial havia negociado a compra do terreno da antiga Mata do Maciel, como era conhecida a Mata do Planalto. A gestão do ex-prefeito Márcio Lacerda foi especialmente difícil para os ambientalistas, o prefeito ficou conhecido como “devorador de árvores”, nas palavras de uma das líderes do movimento Margareth Ferraz. Nos oito anos de gestão de Lacerda, o movimento comunitário propôs o primeiro projeto de preservação da área para a Câmara Municipal, que perdeu em plenário.
Em 2015, começou um novo processo de licenciamento ambiental da Direcional Engenharia, com vistas a construir 16 torres de apartamento, com 750 unidades e 1.300 vagas de garagem. Mas, no ano seguinte, Kalil apresentou e assinou termo de compromisso com o movimento como promessa de campanha para que a mata se mantivesse intocável.
O novo Plano Diretor da cidade, em vigor desde 2020, contudo, ainda apresentava brechas que poderiam ser exploradas. Isso porque, classificava a Mata do Planalto como zona de Preservação Ambiental 1 (PA-1), que apesar de ser a maior garantia prevista na legislação municipal, permite construções em 30% do terreno.
Neste ano, as vitórias vieram com consistência, consolidando as esperanças depois de 12 anos de esforço. O PL 1.050/20 foi aprovado em 1º e 2º turno e esperava ser sancionado quando o anúncio da finalização do processo de permuta pela Secretária Municipal de Política Urbana, Maria Caldas, deu quase como certo o processo de proteção da mata.
“Primeiro, tivemos uma vitória na Câmara, que foi importante principalmente pelo efeito moral e pelo fato de em toda nossa história nunca termos alcançado uma vitória no legislativo municipal”, avalia Margareth, que é jornalista aposentada e moradora do bairro Planalto há mais de 50 anos. “Já este decreto significa que finalmente vamos ter a mata integralmente protegida, que Kalil cumpriu sua promessa. Ele impõe um prazo de cinco anos para resolver a desapropriação e indenizar a empresa. Vamos ter uma reunião em breve com o Kalil e a Maria Caldas para decidir o que vamos fazer com a área”, completa.
Foi durante a caminhada que o Salve a Mata do Planalto ganhou mais apoiadores na cidade. Inclusive mais vereadores, engajados na luta ambiental, que fortaleceram o movimento. “Tínhamos conseguido apenas a proteção de 70% da mata com o Plano Diretor e qualquer intervenção afetaria as nascentes e afugentaria espécies. Lá é um reduto para ser intocável. A gente acredita que a situação vai se resolver rápido, porque depois vem a campanha de um novo mandato. O Kalil tinha este prazo para sancionar a lei, mas o decreto tem mais poder por causa do início da desapropriação”, constata Margareth.
Com cerca de 200 mil m², a Mata do Planalto é considerada de extrema importância não só para a região amplamente pavimentada e adensada onde está localizada, como para toda a bacia hidrográfica do ribeirão do Onça, uma das três bacias da capital. Ela é uma das únicas áreas verdes remanescentes da Região Norte, resguardando 20 nascentes, entre elas as nascentes do córrego Bacuraus, que deságua no Onça. Este, por sua vez, é um afluente da margem esquerda do rio das Velhas.
A enorme área verde é lar de mais de 68 espécies de aves, como araras, papagaios, sabiás, pica-paus, bem-te-vis, maritacas, corujas, sanhaços, canários, tucanos e beija-flores de fronte violeta, além de lagartos e serpentes variadas, tatus, gambás, esquilos e micos-estrela. Também abriga flora composta por ipê amarelo, jacarandá-da-baía, entre outras espécies ameaçadas de extinção. A mata tem enorme importância para purificar o ar, melhorar o microclima, amortecer ruídos e drenar águas pluviais da região. Ela também forma um corredor ecológico com a Granja Werneck, e os parques Izidora, Lareira e Lagoa do Nado.
“Não é fácil com a força do poder econômico e da especulação imobiliária. Com essa conquista, a gente vê que não pode desanimar da luta. Não foi fácil, não arredamos o pé. Não tinha meio termo. Serviremos de exemplo para os outros movimentos por áreas verdes da cidade. Defender a Serra da Moeda, a Serra do Curral, as Matas como a Mata do Havaí e outras. Foi um trabalho de formiguinha, às vezes achávamos que ele [prefeito Alexandre Kalil] poderia não cumprir, mas fomos firmes e continuamos a cobrar”, lembra Margareth.
“Penamos oito anos com o Márcio Lacerda e só estamos conseguindo agora no segundo mandato do Kalil. Até carta para o bispo e Papa escrevemos! Fizemos nossa costura na mídia. Temos que destacar nossos apoiadores também: a Defensoria, o Projeto Manuelzão, Frei Gilvander, o Gesta UFMG [Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais]; foi lindo que vocês reforçaram nossa luta. Duda Salabert, Bella Gonçalves e outros vereadores, entidades dos movimentos pela proteção dos animais e pela infância, o projeto Pomar BH. Os movimentos ambientais apoiando uns aos outros”, comemora.
Por fim, a jornalista aposentada lembra que o direito à cidade e à qualidade de vida é de todos. “Para nós é muito simbólico, pela primeira vez aprovar um projeto para o meio ambiente vindo de um movimento de tantos anos. Belo Horizonte é de todos, não só da construção civil. Sempre privilegiaram o desmatamento e as construtoras. A cidade é de todos e todos têm direito às áreas verdes e à qualidade de vida”.
Os próximos passos para a Mata do Planalto são os debates de direcionamento da área. Será uma Estação Ecológica de Proteção Integral? Um Parque Comunitário? Moradores já manifestaram o interesse que a área se torne uma reserva, utilizada para estudos do Comitê de Bacia Hidrográfica do Onça, por exemplo. Margareth também planeja um evento comemorativo com todos os apoiadores em breve. Mas é certo que a mata deve permanecer inviolada, preservando toda a vida que se abriga dentro dela.