07/08/2015
A saúde passa pela preservação da água. Sem ela, não há vida. Por sua importância, a água constituiu-se num elemento cultural, que influenciou o pensamento, a filosofia e a história das civilizações
“Essa água brilhante que escorre nos riachos não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra vocês devem lembrar-se que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças a vida de meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais. Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam canoas e alimentam nossas crianças”. (Trecho retirado da carta escrita em 1854 pelo chefe Seatle ao presidente dos EUA, Franklin Pierce). Existem muitas controvérsias científicas de como a água surgiu no planeta Terra. Porém não existe a menor dúvida de que a vida começou na água, e isso somente foi possível pelo fato dela existir em sua forma líquida, proporcionado pela temperatura média do planeta que é de 15º C.
Todas as espécies vivas, sejam animais ou vegetais, são dependentes da água (salgada ou doce) e têm na sua composição diferentes percentuais de água – no caso do homem 70% do peso corporal. Os seres humanos, assim como todas as espécies que habitam os continentes, necessitam de água doce para a sua sobrevivência.
A água do planeta em termos de quantidade é mesma desde sempre, ocupa ¾ da sua superfície, e 97% é salgada. Existem apenas 3% de água doce no planeta, sendo que 2% se localizam nas calotas polares, e apenas 0,01% está disponível superficialmente em rios e lagos para o abastecimento humano, de outras espécies, e atividades econômicas.
Por essas razões a disponibilidade hídrica tem se colocado como um dos grandes desafios ambientais do presente e do futuro dos povos em diferentes partes do mundo, tanto que tem se intensificado os conflitos pelas águas, alguns de forma violenta e sem necessidade.
Na mitologia grega a água era considerada a matéria primordial da vida e, para o filósofo Thales de Mileto, o elemento fundador de todas as coisas. Como a água sempre foi e será essencial à vida e às atividades humanas, o homem sempre buscou estar próximo aos mananciais. As civilizações da antiguidade prosperaram ao longo do rio Nilo (Egito), dependendo dele para a sobrevivência e desenvolvimento. A história da humanidade foi marcada por grandes navegações que permitiram a expansão das civilizações, o crescimento e o domínio do poderio econômico e político de diferentes povos ao longo do tempo. No caso do Brasil, a ocupação do interior se deu pela navegação do rio São Francisco, não por acaso denominado de rio da integração nacional. Por sua importância, a água constituiu-se num elemento cultural que influenciou o pensamento, a filosofia e a história das civilizações. Grande parte da narrativa bíblica tem como referência a água e os rios do Oriente Médio. Para os cristãos, se as águas não representam o princípio criador, elas permitem o renascimento do homem novo. Pelo batismo, realizado pela imersão nas águas de um rio ou de uma fonte, restabelece-se os laços entre Deus e os homens. A água segundo a tradição chinesa pode assumir, pela sua humildade, as 10 mil formas da criação, aparece nas religiões, na mitologia, na poesia, nas artes como metáfora da alma humana. Os indus renovam as suas energias espirituais nas águas do rio Ganges. O fluxo das águas é inexorável, correr faz parte da natureza. Ela aceita ser tocada, mas nunca detida. Diante dos obstáculos ela os contorna e flui. A água escapa entre nossos dedos e, como a chama, perfura de inquietante estranheza as nossas certezas estreladas. Os chineses a comparam ao tempo que passa, pois, em vão, tentamos deter a água e o tempo. A água que corre e o tempo que passa são percebidos como sinônimos do fluxo universal.
Do ponto de vista fisiológico a água desempenha um papel essencial em quase todas as funções do corpo humano, como por exemplo: digestão, absorção, transporte de nutrientes e excreção de substâncias. A água auxilia na regulação da temperatura do corpo humano, elimina as toxinas através da urina e da transpiração, molda bolo fecal, é usada intensamente no processo de respiração e faz a distribuição de muitos nutrientes pelos diversos órgãos do nosso corpo. Na sua falta, o sistema natural de limpeza e desintoxicação do organismo fica sempre muito prejudicado, contribuindo para o aparecimento de inúmeras doenças. A quantidade de água que se deve beber depende da constituição física, do nível de atividade e da umidade do ar. O corpo humano perde uma quantidade significativa de água através da respiração, transpiração e urina. Por tudo isto, recomenda-se que se beba aproximadamente 2 litros de água por dia. Beber bastante água faz com que todo o organismo fique mais equilibrado e resistente.
A quantidade de água perdida pelo organismo deve ser reposta gradualmente ao longo do dia, assim em média, 2 litros de água devem ser ingeridos em porções e intervalos regulares. O ser humano pode passar até 28 dias sem comer, mas apenas 3 dias sem água. Se a quantidade de água é uma necessidade primordial, a sua qualidade é outra questão fundamental para a saúde humana. Ao longo da história, várias foram as epidemias de doenças infecciosas de veiculação hídrica que dizimaram grandes parcelas de populações humanas em todos os continentes.
Com a edificação das cidades às margens dos cursos d’água, seguida de deposição de esgotos sem tratamento, houve uma ampla disseminação destas doenças, causando grandes epidemias ao longo da história, que ceifaram milhões de vidas. Apesar do conhecimento e tecnologia atualmente existentes, muitas são as populações que ainda hoje se encontram submetidas a este risco.
As doenças de veiculação hídrica, no passado, eram doenças transmissíveis infecciosas provocadas por diferentes agentes microbianos (vírus, bactérias, protozoários) que eram veiculados por águas contaminadas. Ao contrário de outras espécies, o homem sempre se mostrou muito suscetível aos agentes microbianos existentes na água, especialmente as crianças, que apresentam índices elevados de mortalidade pelas doenças diarreicas, sendo portanto, uma causa mais importante de mortalidade infantil.
Gradativamente, com a implantação dos serviços de tratamento da água, através das chamadas Estações de Tratamento de Água (ETA), estas doenças passaram a ser evitadas. Como consequência, as doenças de veiculação hídrica passaram a ser um indicador de qualidade socioambiental. A presença destas doenças reflete a precariedade dos serviços de saneamento ambiental ofertados à população. Este grupo de doenças foi um dos principais responsáveis pelos altos índices de mortalidade infantil no Brasil, especialmente nas décadas de 1970-1980, quando este índice chegou a atingir níveis acima de 100 óbitos de crianças menores de um ano para cada 1000 nascidos vivos e em alguns estados do Nordeste valores de 200/1000. De acordo com dados da monitorização das Doenças Diarréicas Agudas (DDA) do Ministério da Saúde, de 2000 a 2011, foram notificados 33.397.413 casos de DDA no Brasil. Em 2006, a estimativa de incidência aumentou nas regiões Sul (13 por 1.000), Centro-oeste (25 por 1.000) e Nordeste (28 por 1.000).
Em relação à estimativa de incidência de DDA por faixa etária, o ano de 2006 apresentou a maior estimativa para os menores de um ano (140 por 1.000), o ano de 2008 apresentou as maiores estimativas para os de 1 a 4 anos (78 por 1.000) e 5 a 9 anos (27 por 1.000), e nos anos de 2008 e 2009 os maiores de 10 anos tiverem as mesmas estimativas de incidência (11 por 1.000). Em relação ao ano de 2012, registraram-se 217.169 casos de DDA, sendo 17.987 em menores de 1 ano, 44.595 casos entre 1 a 4 anos, 24.392 entre 5 a 9 anos, 127.764 em maiores de 10 anos e 2.431 ignorados. Segundo dados do sistema de informação de mortalidade, de 2000 a 2009, o Brasil teve 49.603 óbitos por diarréia e gastroenterite de origem infecciosa presumível. A taxa de mortalidade, de 2000 a 2009, para cada 100.000 habitantes, variou de 27,18 a 85,21 em menores de um ano, de 2,37 a 4,11 na faixa etária de 1 a 4 anos, de 0,18 a 0,38 na faixa etária de 5 a 9 anos e de 1,58 a 2,18 em maiores de 10 anos.
Com a evolução do processo industrial e descuido com a questão ambiental, uma infinidade de produtos químicos passaram a circular no ambiente e poluir os cursos d’água, transformando-se numa nova fonte de contaminação, caracterizando outro grupo de agentes na veiculação hídrica, como os metais pesados e agrotóxicos. Esse grupo é igualmente importante dado que podem gerar graves problemas à saúde.