“A chuva não pode pagar o pato”

07/08/2015

Médico e ambientalista, Apolo Heringer revela que é necessário promover a sustentabilidade ecológica do planeta e traça uma reflexão objetiva acerca dos reais setores responsáveis pela atual crise hídrica que assola o país.

Como está observando todo o desenrolar da questão da crise de água. Com
todas as informações e alertas, as pessoas realmente estão mais conscientes? Houve
mudança no comportamento?

Não há crise da água, mas crise de água. A
água não está em crise, nós sim. Quanto às informações e alertas, imagino que
esteja se referindo à mídia e às autoridades governamentais e da Copasa, elas
pouco adiantam, pois são falsas. Eles dizem que “a culpa é do nosso banho”, mas
não foi isso que fez a água sumir. Nem a pouca chuva deste ano. O IGAM (SEMAD)
agiu politicamente sem nenhuma estrutura técnica e nesta irresponsabilidade
distribuiu outorgas de água às cegas, de forma maternal, às mineradoras, indústria
e agro negócio em detrimento a previsão que não tinham de garantir o
abastecimento humano e dessedentação animal, as prioridades legais. A água
sumiu porque as empresas tiveram autorização para retirar água de rios e de
poços artesianos, sem serem fiscalizadas pelo estado e sem ter que pagar nada,
só o simbólico preço de R$ 0,00001 por litro, do que declaram usar. Alguns
“pagam” mais, R$ 0,000028 por litro. Foi essa retirada que deixou vazios os
reservatórios da Copasa. Por que exigir então mudança de comportamento dos usos
domésticos? Por que implicar com quem lava calçada ou quintais? O governo não
disse uma palavra aos setores que consomem mais de 80% da água retirada da
natureza e ameaça aumentar as taxas e multar os usos domésticos. Isso é abuso de
poder e um absurdo.

Mesmo com as últimas chuvas a realidade dos rios e reservatórios não
mudou. Quais as perspectivas para esse ano? O que podemos esperar? A crise é
realmente somente de chuvas?

As outorgas não foram declaradas em questão
para serem revistas. Nenhuma palavra o governo estadual dirigiu ao abuso
econômico do uso das águas, nem qualquer controle do volume usado ou cobrança
de pagamento efetivo.  A escassez não se
dá pela pouca chuva de um ou outro ano, assim como não se pode atribuir às chuvas
mais caudalosas de um dia ou semana a ocorrência de inundações. São eventos
previsíveis na natureza, são ciclos climáticos, que exigem respostas
preventivas no planejamento urbano e rural. A chuva não pode pagar o pato, ela
é apenas a gota d’ água. Podemos e devemos estar preparados para longas chuvas
torrenciais assim como períodos de maior estiagem.

Recentemente foi lançado
junto à sociedade o movimento “A culpa não é do meu banho”. O que quiseram
alertar com esse movimento. Há outros culpados?

Nas suas entrevistas, o governo
estadual ocultou propositalmente da sociedade que mais de 80% do consumo que há
das águas retiradas da natureza pelas outorgas (legais embora quase sempre às
cegas) e “outorgas” (quanto à retirada é selvagem), são consumidas pelo setor
econômico, que não é fiscalizado, nem paga. Dois pesos e duas medidas,
comprometendo o uso prioritário definido em lei. Assim há escassez e ameaças ao
consumo doméstico enquanto o setor econômico não tem suas outorgas revistas
numa rediscussão do que receberam maternalmente.

Hoje se debate muito a
diferença entre políticas de governo e governança. Falta ou faltou governança
no país em relação à gestão dos recursos hídricos?

A rotina governamental no Estado tem sido
atender as entidades empresariais que representam o poder econômico. Para elas
existe governança plena. Ainda que com achaques visando captar recursos de
empresários para financiar campanhas eleitorais quando não acontece deles darem
propinas para pegarem obras burlando licitação. As águas dos rios e dos lençóis
subterrâneos precisam ser melhor geridas, mas não uma gestão qualquer,
burocrática e tecnocrática, desalmada, de quem não gosta do meio ambiente e só
se interessa em servir ao setor econômico que não quer ser controlado, nem
pagar pela água, mas gosta de desmatar e poluir. Com esta gestão “eficiente” eu
não posso compactuar. Sou obrigado a denunciar. Entendam que não sou hostil ao
setor econômico produtivo, mas desconfiado do poder econômico corruptor de
governos. E mais: a economia é forte como um cavalo e sua energia produtiva um
bem, mas não pode nos governar, precisa ser governada, pois não tem juízo. Se a
política se corromper e ficar subordinada ao capital temos a catástrofe mundial
e se extinguem os ideais democráticos e republicanos.

A relação água e saúde são de
fundamental importância para a consolidação de uma sociedade, diante desta
crise torna-se ainda mais importante destacar esses aspectos? Qual percepção
ecossistêmica tem do processo?

Uma política econômica avassaladora que
promove desperdício e consumismo não tem limites em desagregar os
geoecossistemas da Terra para produzir dinheiro e choca inexoravelmente com a
sustentabilidade ecológica do nosso planeta.

 

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