A História da Ocupação Humana da Bacia do Rio das Velhas

05/08/2015

Navegar pelo Velhas é vasculhar suas origens e mudanças, desvendando uma região que faz parte da formação de Minas

Os primeiros seres humanos chegaram há cerca de 12 mil anos atrás, comprovam os estudos por datação com o carbono radioativo encontrado na natureza. Nessa época, ainda pastavam e caçavam pela várzea do Rio das Velhas muitos animais, alguns da megafauna, que logo em seguida foram extintos: preguiça gigante, tigres dente-de-sabre, cavalos pré-históricos e tatus imensos. As tribos indígenas vieram do norte, pois deixaram a Ásia e chegaram às Américas pela ponte de gelo que naquela época existia, ligando a Sibéria ao Alasca. Lentamente foram descendo em direção ao sul, explorando novos territórios.
    Quando chegaram ao centro do nosso continente, usavam com frequência as grutas como abrigo, como, por exemplo, as existentes no médio Rio das Velhas. Na região de Lagoa Santa, muitos ossos foram encontrados, tanto de animais, como de seres humanos. O mais antigo fóssil humano já encontrado nas Américas foi desenterrado a poucos quilômetros das margens do Rio das Velhas. Os ossos eram de uma mulher de 1,50 metros de altura e com cerca de 20 anos de idade. Ganhou o nome de Luzia, dado pelos arqueólogos que a estudaram.
    Os traços culturais do seu povo puderam ser estudados parcialmente. Luzia tinha a habilidade de iniciar um fogo, por meio da fricção de gravetos, de trançar uma cesta para coletar côcos e raízes comestíveis, caçar pequenos animais, e pescar com anzóis feitos com ossos. Morreu acidentalmente, ao cair no escuro de uma caverna, e não recebeu os rituais de sepultamento típicos da sua tribo. O fato surpreendente é que o estudo do seu crânio, assim como de outros fósseis contemporâneos a ela, mostraram características negróides, mais parecido com a fisionomia dos africanos.
    Portanto, um formato de face bastante diferente dos indígenas posteriores, que chegaram às Américas, pelo mesmo roteiro, nos últimos oito mil anos, que apresentam faces com características asiáticas. Estes achados antigos da bacia do Rio das Velhas chamaram a atenção do mundo. Assim, a região de Lagoa Santa tem importância reconhecida internacionalmente na área da arqueologia e paleontologia.
    A ocupação humana seguinte ocorreu no período colonial, quando os bandeirantes vasculharam toda região em busca de ouro e pedras preciosas. A mais famosa expedição da época foi a comandada por Fernão Dias, no final dos anos 1600, que ganhou fama como o “caçador das esmeraldas”. Muitas outras bandeiras palmilharam cada recanto, garimpando e aprisionando índios para o trabalho escravo. Foi tamanha a captura dos nativos que a grande maioria das tribos indígenas foi extinta.
    Os bandeirantes fundaram as primeiras cidades de Minas Gerais, todas próximas ao Rio das Velhas: Ouro Preto, na sua nascente, e a poucos quilômetros, na bacia do Rio Doce, a cidade de Mariana. E ainda na bacia do Velhas: Sabará, Caeté e Santa Luzia. Parte do município de Diamantina, fundada nos anos 1700, pertence também à bacia hidrográfica do Rio das Velhas. O rio, e toda a sua bacia, sofreram muito com o garimpo, com o desmatamento, inclusive das matas ciliares, e depois com a exploração das montanhas regionais, ricas em minério de ferro. E sofreram também com a poluição originada nos centros urbanos, que utilizam os curso d’água como destino para todo o tipo de esgoto e lixo.
    Apesar da degradação ambiental dos últimos séculos, a cultura regional sobreviveu com criatividade e firmeza. Isso pode ser constatado no depoimento de moradores, como, por exemplo, sempre valorizam as memórias de suas cidades e vilas. Nos relatos emocionados e saudosistas sobre os vestígios da navegação, em barcos apelidados de “gaiolas”, que desciam o rio em direção à Bahia, e o subiam no retorno. E dos restos da extensa rede ferroviária iniciada no tempo do Brasil Império, com suas patéticas marias-fumaça. Também, nos atuais grupos organizados de dança, música, teatro e na fértil produção literária dos seus habitantes, que resistem ativos, mesmo com a falta de estímulo de órgãos governamentais. No orgulho em preservar as receitas antigas da típica culinária mineira e na apreciação, nem sempre moderada, dos derivados alcoólicos à base da cana-de-açúcar, cada um deles com sua história de muitas décadas e de muitas gerações de cultivadores, produtores e consumidores.
    Atualmente, a bacia hidrográfica do Rio das Velhas tem uma população de aproximadamente quatro milhões e meio de habitantes, espalhados em 51 municípios, que englobam inclusive a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Vários grupos organizados estão lutando em defesa do rio, de seus afluentes e de suas milhares de nascentes. O Projeto Manuelzão, sediado na Universidade Federal de Minas Gerais, orgulhosamente faz parte deste grupo de entidades.
    Além de nossa participação cotidiana em defesa do rio, já promovemos cinco FestiVelhas, todos com o objetivo de conciliar as agendas ambiental e cultural. O primeiro, em 2005, na cidade de Morro da Garça; o segundo, em 2007, em Jequitibá; o terceiro, em 2009, itinerante por seis cidades da bacia do Velhas (Ouro Preto, Santa Luzia, Curvelo, Presidente Juscelino, Várzea da Palma, terminando em Belo Horizonte); o quarto em Belo Horizonte; e neste ano, quando é comemorada a maioridade do Projeto Manuelzão, pois chega aos 18 anos de existência, e 10 anos do primeiro FestiVelhas, a cidade escolhida foi Itabirito. Mais uma vez, teremos a oportunidade de valorizar as várias formas de expressão da rica cultura da bacia hidrográfica do Rio das Velhas, fruto de vários séculos de ocupação de toda a região pelo Homo sapiens.

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