A SIMPLIFICAÇÃO CONVENIENTE

31/01/2011

Artigo do coordenador do Projeto Manuelzão e professor da Faculdade de Medicina da UFMG sobre a COP 16 e a política de créditos de carbono

As cantigas de
ninar são úteis para adormecer. Umas falam da mamãe e do papai, dão segurança;
mas outras contam histórias de fadas narigudas e do lobo mau! Elas se mesclam,
cabe ao dormente escolher o seu comportamento. Assim é a política
internacional. O Al Gore e o Intergovernmental
Panel on Climate Change
(IPCC) lançaram a questão do clima, ganharam o
prêmio Nobel, ameaçando com intempéries os desobedientes, mas tranqüilizando ao
simplificar a responsabilidade dos países mais ricos e industrializados com a
fórmula prevista no art.171 do nosso Código Penal: tudo seria uma questão de
baixo carbono! Enquanto isso, o tempo vai passando e esses países abusando dos
privilégios e dos maus exemplos, mas absurdamente, tentando se legitimar na
liderança ideológica do movimento ambiental.

Já em Copenhagen, insistimos em
cair na armadilha de reduzir a complexa realidade sócio-econômica-cultural-bélica-ambiental
a uma questão de gerenciamento gasoso de CO² e efeito estufa. O
establishment
, mesmo com estes debates que nunca chegam a uma decisão
clara, está ganhando tempo e nos enganando. Não foi à toa que Al Gore se tornou
tão citado e nosso maior “líder ambientalista” de uma hora para outra em nome
dos EUA e do Partido Democrata. O Brasil está querendo fazer bonito
nesse cenário circense. Agora em Cancún, o governo brasileiro fixou o limite de
emissões de CO² em 3,236 gigatoneladas em 2020. O decreto-lei assinado pelo
presidente Lula limitou as emissões de 12 setores que mais poluem, obrigando o
país a reduzir 2 gigatoneladas nos próximos anos. Também foi aprovado o REDD,
um sistema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação que disponibilizará
verbas para projetos de preservação de florestas. Alguns países desejam que o
REDD seja mantido com recursos públicos, outros, que eles ou parte deles seja
por meio de mercados de crédito de carbono.

Utilizar o CO²
como indicador e para monitoramento, tudo bem. Mas não com uma proposta que não
está presa à defesa da biodiversidade, dos ecossistemas, das águas. Trata-se de
um modelo perfeitamente propício às monoculturas extensivas precedidas de
desmatamentos de sistemas nativos para, dizem, fornecimento de combustível
verde, carvão verde, celulose verde. Chegamos à promessa dos créditos de
carbono criando uma anômala compensação: mais estrangeiros comprando as nossas
terras no cerrado, mata seca e caatinga, criando aqui os desertos verdes.

Copenhágua sim, Copenhagen não. A mobilização
internacional pelas águas e bacias podem e devem ser o eixo de uma
transformação da mentalidade civilizatória. A defesa da biodiversidade e dos
ecossistemas se faz mobilizando a sociedade por territórios de bacias hidrográficas
e defesa dos ecossistemas dessas regiões e áreas contíguas de mesmas bases
geológicas. Para isso é necessário ter as águas como elemento fundamental de
ligação, mobilização social, monitoramento biológico e como imaginário de um
mundo biodiverso, saudável para todos os ecossistemas, inclusive os urbanos. O
reducionismo algoriano do CO² “ilude” ONGs de prestígio, algumas financiadas
por gigantes do capital. A liderança do movimento ambiental precisa de
consistente conteúdo político, filosófico e científico. Não se trata de
combater iniciativas positivas da economia de baixo carbono, mas abaixo às
mistificações ou lavagens verdes de coisas sujas. apololisboa@gmail.com

Página Inicial

Voltar