Afluentes do Rio São Francisco secam pela primeira vez

07/10/2015

Situação do Rio Jequitaí, que deixou de correr pela primeira vez na história, é o ponto alto da estiagem, agravada pela superexploração, que avança sobre tributários do São Francisco.

Como feridas abertas no mapa de Minas, a seca
avança por importantes bacias hidrográficas do estado. Assolados pela estiagem,
afluentes da Bacia do São Francisco, no Norte do estado, estão vendo suas águas
sumirem devido a longos períodos sem chuva, mas também por intensa exploração
humana, representada por captações irregulares para irrigação, perfuração
descontrolada de poços artesianos, que sugam o lençol freático, e avanço do
desmatamento. Em um dos mais preocupantes episódios desse quadro desolador, foi
o Rio Jequitaí que se rendeu. O manancial teve o curso interrompido pela
primeira vez na história, no trecho próximo ao povoado de Buriti Grande,
município de Francisco Dumont. Assim como ele, muitos rios já não conseguem
correr pelas terras áridas do Norte de Minas. É o caso do Pacuí, que faz parte
da mesma bacia do Jequitaí e está interrompido desde a nascente até o município
de Pentáurea.

Na rede de afluentes do São Francisco, também pedem
socorro os rios Guavinipã, São Domingos, Juramento e o Córrego do Onça (veja
quadro). De acordo com o técnico em Meio Ambiente e Recursos Hídricos José
Ponciano Neto, do Departamento Norte da Companhia de Saneamento de Minas Gerais
(Copasa), a situação dos mananciais já compromete o abastecimento nas cidades
que dependem da captação no curso d’água, como Montes Claros, Bocaiuva,
Francisco Sá e Guaraciama.

O problema histórico da falta d’água na região está
ainda pior nesta temporada de estiagem, segundo Ponciano. “Apesar de ser
reflexo de períodos de seca prolongada, a ação cada vez mais predatória de
fazendeiros e da população em geral alterou muito a quantidade de água dos
rios”, afirma, referindo-se à exploração irregular com bombas de captação
direta e a perfurações sem critérios técnicos e sem licença.

A expansão do desmatamento para abertura de áreas
de plantio de eucalipto, geralmente irrigadas com água retirada desses cursos
d’água, também é apontada pelo técnico como fator contribuinte para o sumiço
dos rios. Ele lembra ainda que o problema já chegou a veredas, consideradas
intocáveis até então. As formações que funcionam como áreas de drenagem,
sustentando o lençol freático que “brota” do chão, também estão secando.

Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios
Jequitaí e Pacuí, Robson Rafael Andrade afirma que vários órgãos ambientais já
foram acionados para tomada de providências sobre a situação de exploração da
vegetação e de rios, mas nenhuma medida efetiva foi adotada. Ele alerta que os
impactos desse conduta predatória podem ser devastadores e que, a curto prazo,
a população e a fauna já vêm sendo fortemente afetados. A Barragem do órrego do
Onça, por exemplo, está com o menor nível da história (20%).

“Se não chover uma quantidade razoável em três
semanas, para chegar a pelo menos a 30%, o abastecimento será cortado em
Bocaiuva e Guaraciama”, alerta Robson Andrade. Mas, segundo ele, a previsão é
que comece a chover na região apenas a partir de janeiro. Tanto ele quanto
técnicos da Copasa garantem que aves típicas de áreas de veredas, como
periquitos, tucanos e araras, estão migrando para outros locais no Norte de
Minas à procura de alimento. Robson destacou ainda os baixos níveis que vêm
sendo registrados no próprio Rio São Francisco, onde bancos de areia estão
expostos e a água está cada vez mais escassa, como ocorre em Pirapora.

Desastre

Integrante do movimento recém-criado SOS Serra do
Cabral, no Norte de Minas, o advogado Adriano Borem alerta que o quadro de
exploração pode resultar em um desastre ecológico irreparável. “Há povoados que
estão sem água para consumo humano devido a esses crimes ambientais”, diz.
Segundo ele, denúncia de exploração irregular da água e desmatamento já foi
protocolada no Ministério Público do Estado de Minas Gerais em 2012. “Ainda
assim, os crimes são permanentes”, afirma. A Coordenadoria Regional das
Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do São Francisco foi procurada
para se posicionar sobre o assunto, mas nenhum representante foi localizado.

 

O governo do estado confirma que o período de
estiagem tem se agravado no Norte de Minas, e que medidas vêm sendo adotadas
para lidar com o problema. Segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento e
Integração do Norte e Nordeste (Sedinor), nova etapa do programa Água para
Todos teve início em setembro, em parceria com o governo federal. A ação
conjunta visa a construção de 962 pequenas barragens, que vão beneficiar
famílias de 151 municípios. O principal objetivo é a irrigação de pequenos
cultivos e a dessedentação de animais, amenizando os efeitos da falta d’água
que podem resultar na morte de rebanhos inteiros.

Outra iniciativa dentro do programa é a instalação
de cisternas de placa e de polietileno, barraginhas, barreiros e sistemas coletivos
de abastecimento de água, com meta de dar acesso à água para consumo humano e
para a produção agrícola em áreas rurais. Água potável também está sendo
distribuída em caminhões-pipa no Vale do Jequitinhonha e Norte mineiro. A
expectativa é de que a operação emergencial da Defesa Civil abasteça mais de
900 localidades atingidas pela estiagem.

Matéria publicada no jornal Estado de Minas –  

Postado em 07/10/2015 06:00 / atualizado em
07/10/2015 07:20

 Repórter: Valquiria
Lopes

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