Agrotóxicos fora do controle: uma questão de saúde pública

06/01/2016

Estima-se que hoje no Brasil estejam registrados cerca de 430 princípios ativos de agrotóxicos e 750 produtos que frequentemente são utilizados ao mesmo tempo, o que pode agravar ainda mais os efeitos adversos.

A agropecuária brasileira vem se destacando e batendo recordes de produção a cada novo ano. Se este fato é motivo de comemoração é paradoxalmente motivo de apreensão. Aumentar a produção de alimentos é uma proposição em si interessante, mas é fundamental avaliar também de que forma isto vem ocorrendo e a que custo. É necessário pensar (e decidir) sobre o sistema/modelo de produção e de desenvolvimento rural adotados. Por sua vez vivemos numa sociedade globalizada de mercado e capitalista periférica. A adoção de novas formas de gestão, organização e de tecnologias nos processos de trabalho rurais podem trazer benefícios, mas também podem gerar novos riscos à vida e à saúde. É esta a experiência de muitos outros países. 

 Os agrotóxicos modernos surgiram da década de 1930 enquanto armas de guerra e após a segunda guerra mundial passaram a ser utilizados na agropecuária (Revolução Verde) e na saúde pública (combate a vetores). Agrotóxicos passaram a fazer parte do cenário rural brasileiro a partir da década de 1960. Esta presença foi se acentuando e desde 2008 o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo e movimenta bilhões de dólares (CARNEIRO, 2015).  

 A finalidade do agrotóxico no campo é combater pragas (insetos, fungos, ervas daninhas, outros vetores) e concomitantemente alimentar sua lucrativa indústria (fabricantes, comerciantes, consultores, fabricantes de equipamentos de proteção individual, etc). Todavia nesta utilização como veneno na “guerra” contra as pragas pode também intoxicar as próprias pessoas e eliminar os inimigos naturais das pragas, agravando assim o dano ao ecossistema.  Parece se assemelhar a uma guerra sem sentido, sem fim e perdida.  Neste contexto não faltam, pois motivos para a preocupação quanto aos impactos dos agrotóxicos para a saúde dos trabalhadores e  da população em geral bem como para o meio ambiente. 

 Trata-se então de uma questão importante para as áreas da  Saúde do Trabalhador, da Saúde Coletiva/Pública e da Saúde Ambiental/Ecologia. Ao longo dos anos diversos estudos e pesquisas internacionais e nacionais relatam os diversos riscos à saúde humana (doenças, mortes, sequelas, incapacidades). Os efeitos para a saúde vão depender muito do tipo de agrotóxico utilizado (grupo químico, classe toxicológica) e das características e condições da exposição e do trabalhador/população exposta. A variabilidade dos efeitos é, pois, muito grande. Estima-se que hoje no Brasil estejam registrados cerca de 430 princípios ativos de agrotóxicos e 750 produtos (CARNEIRO, 2015). Frequentemente são utilizados diversos produtos ao mesmo tempo, o que pode agravar e ampliar ainda mais os efeitos adversos. 

Todavia é importante saber que os agrotóxicos podem ser absorvidos pela pele, pela boca, pelo nariz, pelas mucosas, enfim por várias partes do corpo. Isto significa que em caso exposição todo o corpo deve estar protegido (máscara, luvas, macacão, botas, etc). É difícil conceber a viabilidade desta proteção nas condições concretas do trabalho rural no Brasil de hoje. Assim o chamado “uso seguro” de agrotóxicos se torna uma falácia, um engodo ou uma utopia inatingível. 

Outra característica importante é que uma vez absorvido o agrotóxico pode ganhar a corrente sanguínea e circular pelo corpo como um todo e atingir qualquer órgão, ainda que existam alguns órgãos-alvo preferenciais. Isto explica de certa forma porque agrotóxicos podem provocar inúmeras doenças e lesões, e em tempos/momentos diferentes (quadros  agudos e crônicos). Há situações de muita gravidade que levam inclusive ao óbito de forma quase que imediata (intoxicações agudas), a malformações congênitas e outras também graves, mas que podem aparecer somente depois de muitos anos de contato (cânceres, doenças neurológicas, doenças tireoidianas, doenças renais, etc). Entretanto existem efeitos leves e discretos que podem passar despercebidos ou sem suspeita e evidência de relação com a exposição ao agrotóxico (dores de cabeça, alterações intestinais, lesões de pele, cansaço, etc). Se nos casos agudos e graves de agravos relacionados a agrotóxicos o reconhecimento é mais fácil, nos casos crônicos e leves o mesmo não pode ser dito. 

Surgem aqui dificuldades para a colheita, registro e detalhamento da história ocupacional, e para a realização de exames complementares para confirmação do diagnóstico. Este é um desafio para o sistema de saúde e seus usuários.  A exposição a agrotóxicos costuma ser mais intensa e frequente nos trabalhadores do que na população em geral. Esta pode adoecer ao consumir alimentos com resíduos de agrotóxicos ou sofrer algum tipo de contaminação ambiental; na água, no solo e no ar.  

Tem sido alertado que o risco/perigo de consumir alimentos com agrotóxicos não se restringe apenas aos alimentos “in natura”, mas que o mesmo se estende também aos alimentos industrializados e processados. Não há dúvidas quanto ao perigo que os agrotóxicos representam para a saúde e para o ambiente e a busca de alternativas à sua utilização deve ser intensificada e incentivada. As práticas no campo da agroecologia que produzem sem o uso de agrotóxicos já é uma realidade, e neste sentido o Brasil já é o quinto maior país produtor orgânico. 

Onde estão as abelhas?

 

 

Em 1962, a bióloga Rachel Carson, publicou o livro “A Primavera Silenciosa”, em que descreve uma cidade americana na qual toda a vida – desde os peixes, os pássaros e até as crianças – ao longo do tempo foram silenciadas pelos efeitos do DDT. Ela adverte que a descrição não corresponde a uma cidade determinada, mas que cada parte dela é a realidade do que ocorre no mundo como consequência do uso de agrotóxicos. No livro, ela revela que uma única aplicação de DDT, em uma lavoura, mata insetos por semanas e meses e atinge um número incontável de outras espécies, permanecendo tóxico no ambiente mesmo com sua diluição pela chuva. Resíduos do pesticida ainda foram encontrados no leite de vaca e materno, em algumas regiões dos EUA, e em tecidos gordurosos dos pinguins da Antártida e ursos polares do Ártico e em baleias da Groenlândia.

Atualmente, o desaparecimento de abelhas de várias espécies vem preocupando pesquisadores no mundo. O fenômeno tem forte impacto na produção agrícola e na segurança alimentar, pois leva ao aumento do custo dos alimentos e ameaça a viabilidade de culturas. Segundo relatório da ONU de 2010, as abelhas respondem pela polinização de 71 dos 100 tipos de colheita que alimentam e vestem a humanidade. Entre essas culturas estão as de amêndoas, frutas (incluindo cítricos), verduras, algodão, sementes de forrageiras, como alfafa, e oleaginosas, como girassol e canola.

Estudos revelam que colmeias inteiras vêm morrendo devido a esses venenos, que aplicados sem controle ou com pulverização aérea é um risco, mesmo quando a colmeia não morre. Pesquisa realizada pelo Ibama também alerta que os impactos dos agrotóxicos em polinizadores ocasionam desvios comportamentais nas abelhas que podem comprometer a divisão do trabalho; a desorientação desses insetos dificultando a localização do alimento, o retorno à colônia e a percepção gustativa. Além desses efeitos há ainda aqueles relacionados à reprodução e manutenção das atividades dentro da colônia. No Brasil, desde 2007, há relatos de apicultores sobre a mortalidade súbita de abelhas, no Piauí, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Uma das causas é a exposição a pesticidas em plantações de laranja, cana-de-açúcar e soja. 

Agrotóxicos Proibidos

Hexaclorobenzeno, endrin, dodecacloro, toxafeno, clordano, heptacloro, aldrin e dieldrin são pesticidas considerados nocivos ao ambiente e à saúde, segundo as Nações Unidas, mas ainda utilizados no Brasil, apesar de serem banidos em vários países.

Usados como inseticidas, os componentes proibidos causam grave impacto ao ecossistema, pois apresentam uma grande estabilidade química e toxicidade. Os organoclorados , por exemplo, são os que mais persistem, chegando a permanecer por até 30 anos no meio ambiente. Além disso, são também um perigo à saúde humana, por serem absorvidos por via oral, respiratória e dérmica, alterando o funcionamento do cérebro e de glândulas; além de causar câncer.

Já as piretrinas, inseticidas naturais ou artificiais usados em ambientes domésticos na forma de spray, espirais ou em tabletes, são substâncias que causam alergias e desencadeiam crises de asma e bronquites em crianças. 

O herbicida Paraquat também causa grandes riscos à saúde, mata todos os tipos de plantas e é uma substância que determina lesões e se concentra nos pulmões, causando fibrose irreversível. 

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