27/03/2024
Parte da comunidade é assediada por se opor ao projeto que a mineradora Herculano tenta instalar na região
Lideranças e apoiadores do Quilombo Queimadas, localizado entre os municípios do Serro e de Santo Antônio do Itambé, na região Central de Minas Gerais, sofreram ameaças na penúltima semana, em meio a disputas envolvendo a tentativa da mineradora Herculano de se instalar próxima ao território tradicional. O clima tenso antecedeu uma reunião realizada no domingo, 17, para a elaboração de um protocolo de consulta da comunidade sobre o empreendimento minerário. A comunidade como um todo está acuada pela situação.
A comunidade quilombola de Queimadas é composta por cerca de 200 famílias, uma pequena parte delas ligada à Associação Comunitária Quilombola de Queimadas. Lideranças de Queimadas denunciam que a Associação foi infiltrada por pessoas que não integram a comunidade e são defensoras da mineração. A Associação convocou, então, uma reunião em caráter de urgência com o objetivo de elaborar, de forma unilateral, um protocolo de consulta da população a respeito do empreendimento da Herculano.
O protocolo, construído pelas próprias comunidades para definir sua posição a respeito de projetos que as impacte ambiental e socialmente, é um dos estágios do processo de consulta livre, prévia e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção prevê que as comunidades tradicionais devem ser consultadas de antemão cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-las diretamente.
“O protocolo de consulta é o que nos resguarda de decidir se a mineradora pode entrar ou não no nosso território”, resume o representante do Quilombo Queimadas, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e integrante da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais N’Golo, Valderes Quintino, um dos alvos das ameaças.
Representantes do Quilombo Queimadas questionam a realização da reunião. “A assembleia convocada seria para aprovação de um documento que foi construído sem ampla participação, com completa exclusão do grupo que nos últimos anos vem lutando em prol da garantia de direitos territoriais quilombolas”, diz a representante do coletivo de Direitos Humanos do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Fernanda Santos Tomaz.
A Defensoria Pública de Minas Gerais pediu a abertura de procedimento de tutela coletiva antes da reunião, no sábado, 16, em que “notifica sobre a discordância quanto ao procedimento de construção de protocolo de consulta feito pela Associação Comunitária, com a finalidade de garantir a sua invalidade para o grupo de quilombolas dissidentes, […] e que as decisões a serem tomadas na reunião convocada [… ] se aplicarão apenas aos quilombolas que se fizerem presentes e manifestarem concordância com o que for deliberado”. Assina o pedido, a defensora pública da 3º Defensoria especializada de Direitos Humanos, coletivos e socioambientais, Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch.
No fim da reunião, após diversos embates, a Associação afirmou que realizará uma votação, em 21 de abril, para decidir se segue o protocolo construído unilateralmente por alguns de seus representantes ou a sugestão de elaboração do documento apresentada pela Coordenadoria de Inclusão de Mobilização Social (Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O modelo proposto pela Cimos envolve a participação de toda a comunidade de Queimadas, para além dos representados pela associação, que engloba menos da metade da população.
O Quilombo Queimadas se subdivide em cerca de 15 localidades, segundo levantamento feito pela Cimos, do MPMG, em 2021. Os moradores, em sua grande maioria, trabalham nas lavouras, nos quintais produtivos, na produção de quitandas, de rapadura e, em alguns casos, vendendo hortaliças na região. Em 2012, obtiveram a certificação como quilombo junto à Fundação Cultural Palmares, responsável pela emissão de certidões às comunidades quilombolas e sua inscrição em um cadastro geral.
A Associação Comunitária, por sua vez, existia desde a década de 1980 e estava desativada. Após a certificação do Quilombo Queimadas pela Fundação Palmares, a Associação passou a se reconhecer como quilombola e acrescentou o termo ao nome. O território é alvo do crescente interesse público e privado, principalmente de interesse da mineração, que coloca em risco não só o patrimônio material e imaterial do Serro, como a própria cultura e modos de vida dos quilombos.
A Associação Comunitária não é reconhecida por muitos quilombolas que tradicionalmente ocuparam o território de Queimadas, pois, segundo estes moradores, a Associação atualmente tem pessoas não quilombolas em seu corpo de associados e na diretoria . Além disso, eles afirmam que a atual diretoria, eleita em janeiro deste ano, tem violado o estatuto da Associação e agido contra os interesses quilombolas.
No sábado, 16 de março, um dia antes da reunião sobre o protocolo de consulta, quilombolas de Queimadas divulgaram nas redes sociais uma carta, com 60 assinaturas, demonstrando a insatisfação com as atitudes da nova diretoria da Associação e reforçando o clima de intimidação para a aprovação de um protocolo feito sem ampla participação comunitária.
Para os integrantes do Quilombo Queimadas, há um evidente interesse das mineradoras nessa composição de representantes da Associação Comunitária e para que ela seja reconhecida como representante exclusiva local.
Em 16 de abril de 2023, pessoas identificadas como membros da mineradora Herculano, fazendeiros e sitiantes da região invadiram uma reunião privada do Quilombo Queimadas que aconteceria com a Cimos , do MPMG, para apresentação do estudo acerca das localidades pertencentes ao quilombo e que teriam o direito à Consulta Livre Prévia e Informada no processo de licenciamento ambiental do Projeto Serro, da Herculano Mineração.
O ato violento e truculento mostrou-se uma manobra de intimidação e desqualificação das demandas do Quilombo Queimadas no processo de licenciamento ambiental em andamento.
Pessoas do Quilombo Queimadas, integrantes do MAM e da Federação Quilombola N’Golo passaram a sofrer ameaças e intimidação.
Devido às ameaças sofridas, tanto pelos quilombolas de Queimadas quanto pelos integrantes do MAM, o coordenador do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, Pedro Andrade, solicitou a inclusão das lideranças quilombolas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos.
O Serro foi uma das primeiras cidades brasileiras tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1938, como patrimônio artístico e cultural. A natureza local abriga paisagens do Cerrado, com campos rupestres, cachoeiras e córregos.
O Serro também concentra uma série de patrimônios imateriais tombados, como os diversos territórios quilombolas reconhecidos, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, os Congados, Marujadas, Caboclos, Catopês e o modo artesanal de produção do queijo.
A prefeitura anuncia Serro como a “Terra do Queijo”. Mas, na prática, o prefeito Epaminondas Miranda (PL), correligionário do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem aberto as fronteiras do Serro para a mineração.
Parece estar em seus planos transformar o território do Serro em uma grande província de exploração mineral. Com seu apoio, tentam se instalar no local empreendimentos da Ônix Mineração, próximo à comunidade quilombola de Queimadas, da Minermang, no distrito de Deputado Augusto Clementino, e diversos projetos de exploração de quartzito e outros minerais nos distritos de Capivari, Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras.