Anglo American e governo de Minas violam lei Mar de Lama Nunca Mais em Conceição do Mato DentroProjeto Manuelzão

Anglo American e governo de Minas violam lei Mar de Lama Nunca Mais em Conceição do Mato Dentro

02/03/2020

Mineradora recebeu licença para operar a barragem da Mina do Sapo nove metros mais alta, mesmo com cerca de 400 pessoas vivendo na Zona de Autossalvamento

Em sua última reunião de 2019, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI), órgão colegiado do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), concedeu licença para a mineradora Anglo American ampliar a capacidade da barragem do projeto Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro, na região Central do estado. A decisão viola a lei Mar de Lama Nunca Mais, que veda o licenciamento quando há comunidades vivendo abaixo de barragens, na denominada “zona de autossalvamento”, onde não teriam tempo de se salvar em caso de rompimento, como no caso de Conceição.

Aprovada em fevereiro de 2019, a Lei 23.291/2019, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, proíbe novas barragens para disposição de rejeitos sempre que houver melhor técnica disponível; também proíbe a operação ou ampliação de barragens que utilizem o método de alteamento a montante (como nas barragens de Fundão e Córrego do Feijão) e estabelece que a distância mínima entre barragens e comunidades vizinhas deve ser de 10km.

Em Conceição do Mato Dentro, cerca de 400 pessoas nas comunidades de São José do Jassém, Água Quente e Passa Sete estão localizadas na zona de autossalvamento. O artigo 12 da lei veda a concessão de licença para a construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragem em tais circunstâncias. Antes da concessão, o Ministério Público de Minas Gerais chegou a recomendar a retirada do projeto da Anglo American de pauta.

No dia 11 de novembro, o Promotor de Conceição do Mato dentro, Rafael Benedeti Parisotto, apresentou a Recomendação 07/2019, na qual pedia que o processo fosse suspenso e voltasse à pauta somente quando não houvesse mais comunidades nas zonas de autossalvamento, ou seja, somente após a conclusão dos processos de negociação com as famílias que lá habitam. Entretanto o Copam, ligado a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), não considerou o pedido.

Com a ampliação da barragem, que ficará nove metros mais alta, a capacidade atual de comportar 60 milhões de metros cúbicos, passará para 167 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Assim, chegará a um volume três vezes maior que a barragem de Fundão, da Samarco, que se rompeu em Bento Rodrigues e 13 vezes maior que a barragem da mina do Córrego do Feijão, da Vale, que se rompeu em Brumadinho.

O Governo de Minas Gerais, por meio de parecer assinado pelo procurador Adriano Brandão de Castro, afirmou que a lei não pode interferir em um empreendimento que já havia sido licenciado. No caso da barragem em Conceição, o alteamento foi autorizado em janeiro de 2018, com a concessão das licenças prévia (LP) e de instalação (LI). O entendimento é de que foi concedido a Anglo American apenas autorização para operar a estrutura na cota mais alta.

Especialistas condenam decisão
A assessoria técnica independente ATI 39 atende as comunidades do Beco, Cabeceira do Turco, Sapo e Turco, em Conceição do Mato Dentro, atingidas pelo projeto de expansão da Mina do Sapo, da Anglo American. Para o Coordenador Geral da ATI 39, Luiz Fontes, “a concessão do licenciamento pelo Estado representa um equívoco que coloca em cheque sua capacidade de conciliar os interesses das grandes mineradoras com os direitos e as reivindicações das comunidades impactadas pelos empreendimentos minerários”.

A ambientalista Maria Teresa Corujo também expressou indignação com a decisão. “Como isso é possível depois do que aconteceu em Brumadinho? Será que nem 271 mortos, mais um rio destruído e o risco de colapso no abastecimento de água da capital e de sua região metropolitana alteram o rumo da irresponsabilidade daqueles que têm o dever de garantir que novos rompimentos não ocorram? Como se pode cogitar dar licenças a barragens de rejeitos com comunidades na Zona de Autossalvamento, que chamamos de Zonas de Alto Risco de Morte?”, questionou.

Histórico da lei
O projeto da Mar de Lama Nunca Mais, foi apresentado em 2016, após o rompimento da barragem da Samarco em Bento Rodrigues. O texto previa uma série de novas normas para barragens de rejeitos, bem como o endurecimento da fiscalização sobre elas. A lei, entretanto, só foi aprovada em fevereiro de 2019, após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, que deixou 271 vítimas.

Cartas marcadas
A liberação da licença de operação ocorreu por 9 votos favoráveis e 2 contrários. O resultado corroborou com alerta feito pela Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais, em documento analisado e publicado pelo Lei.A: assim como em 90% das demais decisões da CMI em 2019, novamente, houve uma confluência dos votos de conselheiros ligados ao poder público e órgãos da iniciativa privada em favor da mineração, independente do impacto causado por seus novos empreendimentos.

Como votaram os conselheiros
Os conselheiros da CMI que votaram “sim” para o alteamento da barragem são: Claudinei Oliveira Cruz (Agência Nacional de Mineração), Denise Bernardes Couto (Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais/Sindiextra), Ênio Marcus Brandão Fonseca (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis/Ibama), Henrique Oliveira Carvalho (Secretaria de Desenvolvimento Social de Minas Gerais), João Carlos de Melo (Instituto Brasileiro de Mineração/Ibram), Maria Eugênia Monteiro (Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), Newton Reis de Oliveira Luz (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais/Crea), Paulo Eugênio de Oliveira (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais/Codemge) e Verônica Idelfonso Coutinho (Secretaria de Governo de Minas Gerais).

Votou “não” para o alteamento da barragem Evandro Carrusca de Oliveira (Cefet-MG) e João Clímaco Mendonça de Oliveira (Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas/Fonsac).

 

 

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