Executivo de BH anuncia proteção de áreas verdes e ampliação de parqueProjeto Manuelzão

Após pressão da população, Executivo de BH anuncia proteção de áreas verdes e ampliação de parque

19/07/2024

Decretos declaram utilidade pública das matas do Jardim América e do Luxemburgo e expansão do Parque Mosteiro Tom Jobim; licitação para o Parque Ciliar do Onça foi lançada

Interior do Parque Mosteiro Tom Jobim; com a ampliação, parque formará uma relevante mancha verde junto com as matas do Luxemburgo e do Mosteiro. Foto: Projeto Manuelzão.

No Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) anunciou decretos que visam preservar áreas verdes da cidade. As medidas declararam a utilidade pública dos terrenos em que estão a Mata do Jardim América e a Mata do Luxemburgo, vizinha do Parque Mosteiro Tom Jobim, que será ampliado. Na ocasião também foi anunciada a abertura da licitação para a implementação do Parque Ciliar Comunitário do Ribeirão do Onça.

Pelos decretos, ficam determinadas as desapropriações dos terrenos que abrigam as matas do Jardim América e do Luxemburgo, ambas antes ameaçadas por empreendimentos imobiliários, o que posteriormente será efetivado por acordos entre PBH e proprietários ou pela via judicial.

Localizada no bairro de mesmo nome, a Mata do Jardim América é uma das únicas áreas verdes da região Oeste da capital, com 21 mil m² e quase 900 árvores da Mata Atlântica. Já a Mata do Luxemburgo, na região Centro-Sul, tem cerca de 11.700 m² e fica colada ao Parque Mosteiro Tom Jobim, que também abriga grande diversidade de espécies de Mata Atlântica e oferece espaços de lazer e educação ambiental. Para além da desapropriação da mata, o parque foi anexado a outros lotes vizinhos, passando de 6.400 m² para 15.251 m².

Vista da área da Mata do Luxemburgo, que corria risco de dar lugar a um empreendimento imobiliário. Foto: Projeto Manuelzão.

Em coletiva de imprensa, a PBH também anunciou a abertura de licitação para selecionar a empresa que executará as obras de implantação do Parque Ciliar Comunitário do Ribeirão do Onça. O Ribeirão do Onça, um dos afluentes mais importantes do Rio das Velhas, ganhará um parque ciliar de 7 quilômetros de extensão e área de 627,5 hectares para proteger suas margens e garantir a recuperação de suas águas.

A medida é fruto direto da mobilização de quase duas décadas do Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra) e do movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa, que já constroem esse parque ciliar com  ânimo e persistência por meio de mutirões, plantio de agrofloresta e hortas comunitárias, criação de espaços coletivos, realização de atividades culturais e diversas outras ações às margens do Onça. A Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel) tem sido uma parceira nessas ações.

Historicamente, sobretudo a população da região do Baixo Ribeirão do Onça sofre com inundações em bairros como o Novo Aarão Reis e o Ribeiro de Abreu. Nesse contexto, os movimentos e moradores da região mobilizaram-se para cobrar a retirada das famílias das áreas vulneráveis e a implementação do parque no local. De acordo com a PBH, para dar início às obras, 900 famílias foram realocadas das margens do Onça e outras 600 famílias ainda serão retiradas. A previsão para a implantação completa do parque ciliar é de 3 anos.

Ainda no Dia do Meio Ambiente, a PBH também anunciou a realização de um concurso para transformar o antigo aterro sanitário da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), no bairro Pindorama, às margens da BR-040, em uma nova área verde que se chamará Parque Taiobeiras.

Localização das áreas verdes, agora de utilidade pública, do Parque Mosteiro e de um ponto do projeto do Parque Ciliar do Onça. Reprodução: Google Earth.

Esforço das comunidades

A luta pela preservação da Mata do Jardim América e a criação de um parque no local é um exemplo de forte mobilização popular. Esse movimento já dura mais de uma década, iniciado pelo movimento Parque Jardim América (Parque JÁ) e levada à frente pelo SOS Mata do Jardim América. A área verde, que serve de abrigo e corredor ecológico para ao menos duas dezenas de espécies de aves, quase deu lugar a torres residenciais. O empreendimento chegou a obter uma licença para derrubar 465 árvores, que agora perde validade com o decreto da PBH.

Vista da Mata do Jardim América cercada de prédios na região Oeste da capital. Foto: SOS Mata do Jardim América.

A partir de um estudo sobre a relevância socioambiental da área elaborado pelo Projeto Manuelzão e da participação ativa dos moradores do entorno, o SOS Mata do Jardim América motivou a criação do Projeto de Lei 684/2023, apresentado na Câmara Municipal de BH, que reconhece o valor ecológico, paisagístico e cultural da Mata do Jardim América. Após ser aprovado na Câmara, o PL foi sancionado pelo prefeito Fuad Noman (PSD) no último dia 11.

Juliana Minardi, fundadora do movimento SOS, comemorou o decreto e a aprovação da lei. “Esta conquista mostra que coerência, transparência, diálogo e persistência são fatores imprescindíveis nas mobilizações ambientalistas”, exulta Juliana.

“Para nós sempre foi inadmissível aceitar essa licença que privilegiava um empreendimento imobiliário em detrimento de uma rica fauna e flora tão importantes para a cidade. Essa destruição seria um grande retrocesso e um verdadeiro massacre contra a vida. Agora seguimos mobilizados, acompanhando de perto e cobrando agilidade no processo de desapropriação para fazer da Mata um lindo espaço público ecológico integralmente preservado e aberto à população”.

No caso do Onça, Itamar Santos, uma das lideranças do Comupra e do Movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa, avalia com bons olhos o fortalecimento de uma construção que já vinha acontecendo, “durante o processo da vida”. “Fica naquela coisa de projeto, de achar que a gente tá querendo uma obra pronta. Não é isso! A gente quer uma obra sim, quer uma intervenção, mas uma intervenção que respeite o rio, que respeite o Onça e as famílias que moram nas margens deste ribeirão. Então isso já está acontecendo”.

“O que muda agora, acredito, é que a prefeitura passa a ter mais compromisso com a questão da região, com os 7 quilômetros de implantação dessa nova coisa pública”, projeta Itamar. “Então tem que conversar, tem que acompanhar, tem que provocar e tem que dialogar. E focar naquilo que é necessário. O que a gente quer? A gente quer na realidade contribuir para melhorar o mundo, em vez de ser mais um dos que destroi, contribuir nesse sentido, de tentar recuperar, salvar, regenerar a situação de um corpo d’água. O que através de atitudes mais simples, mais equilibradas, se consegue”.

Para a geógrafa Márcia Rodrigues Marques, coordenadora de Integração Projeto Manuelzão/Instituto Guaicuy, “os decretos são frutos de anos de organização da sociedade civil e representam um passo significativo para a proteção e revitalização das áreas verdes e das matas ciliares da Grande BH”.

Praia na região do Baixo Ribeirão do Onça; o Comupra realizou vários mutirões e atividades em prol da regeneração do espaço. Foto: André Carvalho.

O caminho para as desapropriações

Integrante do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, Mariana Senna Alves Radicchi, pontua que “assinar decretos de desapropriação no final de uma gestão levanta questões sobre a continuidade administrativa”, referindo-se aos casos das matas do Jardim América e do Luxembrugo.

“Embora esses decretos possam demonstrar um compromisso com a preservação ambiental, há um risco significativo de que as administrações subsequentes possam não dar continuidade a essas ações. A falta de implementação das medidas decretadas pelo ex-prefeito Alexandre Kalil durante a gestão de Fuad Noman ilustra essa descontinuidade”, complementa Mariana.

“A assinatura de decretos de grande impacto ambiental e urbanístico no fim de uma gestão pode ser vista como uma manobra política para construir um legado positivo, ao mesmo tempo em que transfere a responsabilidade prática e os desafios de implementação para a próxima administração. Esta prática pode ser criticada como uma tentativa de evitar a responsabilidade pelas dificuldades inerentes ao processo de desapropriação e criação de unidades de conservação, que frequentemente envolvem complicações jurídicas, financeiras e políticas”.

Ela conclui detalhando o caminho até a concretização dos trâmites. “Do ponto de vista jurídico, os decretos de desapropriação devem ser seguidos de processos judiciais ou acordos para efetivar a transferência de propriedade. A autorização para alegar urgência nas desapropriações, como previsto nos decretos de Noman e Kalil, pode acelerar o processo, mas também pode gerar contestações legais por parte dos proprietários afetados. A efetividade dessas medidas depende da capacidade administrativa e jurídica de conduzir esses  processos de maneira eficiente e justa”.

Nesse cenário, a pressão da população, cobrando proatividade do Executivo de BH e se apropriando desses espaços na medida do possível é fundamental.

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