21/06/2022
Para participantes de reunião, tombamento vai proteger área que abriga nascentes e integra unidade de conservação
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 67/21, que dispõe sobre o tombamento da Serra do Curral, foi defendida por participantes de audiência pública nesta segunda-feira (20/6/22). A reunião foi realizada pela comissão especial criada para analisar a matéria na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Embora tenha sido apresentada há cerca de um ano, a proposta ganhou destaque porque o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) concedeu licença à empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) para explorar minério no local após uma reunião iniciada no último dia 29 de abril e encerrada somente na madrugada do dia seguinte. A medida foi alvo de críticas e de mobilização por se sobrepor ao processo de tombamento.
A PEC 67/21, que tem como primeiro signatário o deputado Mauro Tramonte (Republicanos), determina o tombamento da Serra do Curral no âmbito estadual, uma vez que ela já tem proteção municipal e federal.
Cópias do parecer de 1º turno sobre a proposição, que teve como relatora a deputada Beatriz Cerqueira (PT), foram distribuídas no último dia 13. Mas o relatório não foi votado para que houvesse ampla discussão com a sociedade nesta audiência, solicitada pelos deputados integrantes da comissão, além do deputado Ulysses Gomes (PT).
Nova reunião para analisar o parecer foi agendada para esta terça-feira (21), às 9 horas, no Plenarinho IV.
A diretora da Praxis e coordenadora do Dossiê de Tombamento da Serra do Curral, Ana Lúcia Goyatá Campante, explicou que a consultoria foi contratada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) em 2019 e que o documento proposto foi acatado pelo órgão.
Ela enfatizou que foram analisadas as características ecológicas da paisagem da serra, a contextualização histórica da ocupação e estudos antropológicos de apropriação dos espaços, entre outros.
Para Ana Lúcia Campante, a importância da Serra do Curral é inquestionável. “Ela é uma síntese da dinâmica de ocupação nessa região de Minas”, enfatizou.
A diretora destacou valores que justificam o tombamento como o fato de ser marco da demarcação do quadrilátero ferrífero, símbolo da riqueza mineral do Estado, referência histórica para a implantação da nova Capital do Estado, ser um corredor ecológico e a transição da Mata Atlântica para o Cerrado com a presença de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.
A coordenadora acrescentou ainda que a Serra do Curral abriga muitas nascentes protegidas por vegetação florestal, caso das cabeceiras dos córregos Cercadinho, Serra, Baleia, entre outros. E ainda integra unidades de conservação.
De acordo com o conselheiro estadual do Patrimônio Cultural e professor de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Flávio de Lemos Carsalade, a tentativa de minerar no local é ilegal, uma vez que o bem já está provisoriamente protegido, com um processo de tombamento em curso.
Flávio Carsadale enfatizou a importância da PEC 67. Mas, em sua opinião, mais importante do que o tombamento, é a proibição de minerar na serra. Ele manifestou preocupação com a possibilidade de o perímetro sugerido para o tombamento pela Praxis não ser respeitado, no momento em que o Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) for deliberar sobre o assunto.
“Tivemos informação sobre a elaboração de um dossiê alternativo em que haveria mudança no perímetro a ser protegido. Essa preocupação está sendo exaustivamente discutida”, alertou.
O procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva corroborou a fala dos participantes que o antecederam e destacou ilegalidades no processo de licenciamento da Tamisa.
Ele salientou que a segunda fase do projeto da empresa na Serra do Curral pode derrubar definitivamente o Pico Belo Horizonte, que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Essa queda seria uma enorme tragédia ambiental do ponto de vista simbólico”, disse.
Carlos Ferreira também explicou que o projeto não teve anuência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o que seria necessário tendo em vista que vai retirar mais de 100 hectares de Mata Atlântica.
Ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB/MG) e representante do Observatório Metropolitano dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS’s), Claudia Pires, defendeu o dossiê elaborado pela Praxis e o tombamento integral do local.
“A PEC 67 é o marco jurídico-constitucional que pode jogar uma pá de cal em toda essa especulação sobre a Serra do Curral”, afirmou.
O consultor técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte e conselheiro municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, ex-deputado Paulo Lamac, destacou que o município de Belo Horizonte concorda com o dossiê elaborado pela Praxis em relação ao tombamento.
O vice-presidente do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos/Unesco), Leonardo Barci Castriota, contou que está sendo realizado um fórum de mediação pela instituição em que cinco especialistas, três brasileiros e dois estrangeiros, se debruçaram sobre a mineração na Serra do Curral.
Eles listaram recomendações a serem cumpridas como o tombamento estadual da serra e a suspensão cautelar de todas as atividades minerárias no local.
Leonardo Barci acrescentou que, no início de julho, o grupo irá verificar se as medidas estão sendo tomadas. “Se nada tiver sido feito, em 45 dias, vamos emitir um alerta patrimonial, que é um alerta mundial sobre a gravidade da situação. Precisar emitir esse alerta é uma grande vergonha internacional”, explicou.
O antropólogo e mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Iphan, Rafael Barros, criticou o Decreto 48.443, de 14 de junho de 2022, que reconhece a Serra do Curral como bem de relevante interesse cultural do Estado.
Em sua opinião, compará-lo ao tombamento é falacioso. “Decreto não tem poder de proteger nada e não pode se sobrepor a uma lei. Foi uma iniciativa de publicidade e marketing em resposta a ações tomadas contra a atividade na Serra do Curral por outras instâncias e aos impactos negativos da mineração”, argumentou.
O assunto também pautou pronunciamentos de deputadas. Para Ana Paula Siqueira (Rede), que preside a comissão especial, o tombamento é mais do que necessário, mesmo com o decreto.
“Ele é vago. Foi uma iniciativa do governador pós iniciativas tomadas pela Assembleia. Precisamos dar continuidade a esse processo e garantir o tombamento efetivo da Serra do Curral”, defendeu.
As deputadas Beatriz Cerqueira, relatora da PEC 67, e Andréia de Jesus, ambas do PT, também criticaram o decreto do governador e afirmaram que ele não vai garantir de fato o tombamento.
“Essa foi uma iniciativa para impedir que a PEC 67 avançasse”, disse Beatriz Cerqueira. Ela fez perguntas para os representantes do governo sobre o motivo de esse decreto ter sido apresentado somente agora e se de fato ele vai impedir a mineração na serra.
Já o deputado Mauro Tramonte destacou que a PEC possibilita o tombamento do local, mas que não é possível delimitar a área a ser resguardada, o que é responsabilidade do Executivo.
O secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, explicou que o decreto do governador possibilitou que o Iepha tutelasse a área, de forma provisória.
De acordo com ele, esse decreto do governador veio só neste momento porque, além da mobilização social em torno do tema, o município de Nova Lima, na Região Metropolitana, por onde a serra também perpassa, pediu mais seis meses para opinar sobre o processo de tombamento.
Essa manifestação do município integra documentação sobre o processo de tombamento que será analisado pelo Conep. O gestor justificou ainda que o Conep não pôde analisar e opinar sobre o tema por causa de decisões judiciais, inclusive essa referente a Nova Lima.
Respondendo à deputada Beatriz Cerqueira, a presidente do Iepha, Marília Palhares Machado, disse que, na prática, licenças para a mineração já concedidas no espaço não poderão ser revogadas.
Em relação à Tamisa, ela explicou que a empresa não apresentou plano de manejo de fauna para dar início ao empreendimento e que, quando fizer isso, o órgão vai precisar analisar juntamente com os municípios afetados e permitir ou não a atividade.