09/07/2025
Análise do EduMiTe identifica presença alarmante de metais tóxicos em córregos próximos a complexos minerários
Uma pesquisa conduzida pelo Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território (EduMiTe) da Universidade Federal de Minas Gerais revelou a presença de arsênio e outros metais tóxicos em concentrações alarmantes em córregos de Nova Lima e Raposos, municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), na região do Alto Rio das Velhas.
O ponto mais crítico apresentou concentração de arsênio 13 vezes superior ao limite definido pela resolução 357/2005 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e pela deliberação normativa 01/2008 do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental), marcos regulatórios para a gestão da qualidade dos recursos hídricos no Brasil e em Minas Gerais.
Os dados foram apresentados em uma transmissão ao vivo e detalhados no primeiro boletim do projeto “Que lama é essa?”, que analisou amostras coletadas em agosto de 2024, durante o período de estiagem.
A análise identificou dois pontos de contaminação especialmente preocupantes. O Ribeirão Água Suja, em Nova Lima, registrou arsênio em concentração 13 vezes acima do limite legal e fósforo seis vezes acima do permitido. Já o Córrego Mina d’Água, em Raposos, apresentou manganês em níveis 5,5 vezes superiores ao padrão de segurança, além de alterações na quantidade de nitrito, nitrato, sulfato e sólidos totais dissolvidos acima dos limites estabelecidos pela legislação.
O estudo aponta para uma possível conexão entre os pontos contaminados e estruturas de grandes mineradoras. O Ribeirão Água Suja está localizado a jusante do complexo de barragens VALE 5MAC, enquanto o Córrego Mina d’Água fica abaixo do Complexo Queiroz, da AngloGold.
“A presença de arsênio é preocupante, pois ele não é facilmente eliminado e pode se acumular nos organismos vivos”, alertou Fernando Costa, técnico do Laboratório de Geomorfologia e Recursos Hídricos da UFMG. O arsênio possui capacidade de bioacumulação e pode atingir seres humanos através do consumo de peixes contaminados.
A descoberta se torna ainda mais grave porque a região do Alto Rio das Velhas, localizada no Quadrilátero Aquífero-Ferrífero, abastece aproximadamente 70% da população de Belo Horizonte e 40% da região metropolitana, através da captação na Estação de Tratamento de Água (ETA) Bela Fama. Segundo os pesquisadores, a área não possui plano alternativo de abastecimento em caso de desastre que comprometa a captação principal, deixando milhões de pessoas dependentes desta única fonte.
O projeto “Que lama é essa?” surgiu em janeiro de 2022 a partir de questionamentos de moradores após as enchentes daquele ano. “As pessoas nos perguntavam: ‘Que lama é essa?’. A lama não parecia com a de fundo de rio; era pegajosa, oleosa, densa e malcheirosa”, relatou a professora Daniela Campolina, uma das coordenadoras do projeto.
O que começou como uma análise pontual para apoiar a população evoluiu para um projeto de pesquisa estruturado. Apesar da demanda popular, foi somente em novembro de 2023 que o grupo obteve o primeiro financiamento para iniciar as pesquisas. “O desafio é imenso, pois não existe, até o momento, um teste laboratorial que permita determinar de forma direta e inequívoca a origem da lama”, completou a pesquisadora.
A escolha do Alto Rio das Velhas como foco do monitoramento se justifica por ser a região com maior concentração de barragens de mineração do país. “Como as bacias dos rios Paraopeba e Doce já possuem monitoramento devido aos rompimentos, focamos na bacia do Rio das Velhas, explicou Campolina. “Um fator importante é que muitas barragens nesta bacia estão localizadas acima da captação de água de Bela Fama”.
O projeto incorpora o conceito de ciência cidadã, criando uma rede de “guardiões das águas” que realiza observações preliminares sobre cor, cheiro e aparência dos cursos d’água. “Muitas vezes, nós, cidadãos, não sabemos como agir ao notar uma alteração no ambiente, como a poluição de um rio”, disse o professor Luciano Corrêa. “O EduMiTe aproxima a ciência do nosso dia a dia”.
Novas coletas estão previstas para o segundo semestre de 2025 para comparar os períodos de estiagem e chuvoso, permitindo estabelecer padrões de contaminação ao longo do tempo. Os dados estarão disponíveis para consulta pública, servindo como ferramenta de transparência e apoio à gestão pública.