06/11/2025
Após seis anos de mandato, apenas uma área que já era protegida foi transformada em parque; unidades constituídas correm risco de perder terreno enquanto isso
Minas Gerais, um dos estados mais ricos em biodiversidade, tem enfrentado um desafio patente em relação ao seu patrimônio natural: a falta de criação de unidades de conservação (UC) desde o início do governo de Romeu Zema (Novo), em 2019. A última foi em 2022, o Parque Estadual Mata do Krambeck, em Juiz de Fora, na Zona da Mata, mas que é resultado do remanejamento de uma área já protegida. Essa defasagem impacta a proteção dos biomas e enfraquece a resposta à crise climática.
Doutora em Ecologia e Evolução e professora da UFMG, Andréa Siqueira Carvalho destaca a importância das UCs para os processos naturais. “A natureza tem funções vitais como amenizar o clima, garantir a fertilidade do solo, manter os recursos hídricos e sustentar a biodiversidade”, explica. “O contato com essas áreas beneficia a saúde humana, reduzindo o estresse e promovendo o bem-estar”.
Minas Gerais abriga Mata Atlântica, Cerrado, um pequeno trecho da Caatinga e campos de altitude. “As UCs são fundamentais para guardar para o futuro todos os biomas que temos”, aponta Julio César Grillo, vice-presidente do Fórum São Francisco e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, em Minas. Ele ressalta que além da delimitação das UCs, é necessário criar corredores ecológicos para garantir a conectividade entre elas.
O hiato na criação de áreas protegidas no estado está relacionado, na avaliação da geógrafa Márcia Marques, coordenadora de Integração do Instituto Guaicuy/Projeto Manuelzão, à postura dos governos. “Governos conservadores acreditam que a conservação ambiental é contra o desenvolvimento econômico. Isso se reflete diretamente na criação das UCs”, avalia. A pressão da mineração também é um elemento importante. “O lobby da mineração no estado é forte e isso tem afetado a criação de novas áreas protegidas”, aponta.
A falta de recursos humanos e de planos de manejo (documento técnico que define o zoneamento e as normas) adequados para as unidades existentes também são desafios. “Muitas UCs não têm plano de manejo ou são mal implantadas, o que dificulta o uso e a valorização dessas áreas pela população”, destaca Márcia. A boa gestão das áreas é fundamental para garantir a eficácia dos objetivos da conservação.
Na contramão do discurso economicista, as unidades de uso sustentável apresentam grande potencial de geração de renda, especialmente para as comunidades locais. Minas é um dos principais destinos do turismo ecológico e cultural no país. Em 2024, o estado arrecadou cerca de R$ 4 milhões apenas com ingressos e hospedagem, e a visitação de parques cresceu quase 50% em relação ao ano anterior, segundo o Instituto Estadual de Florestas (IEF), responsável pela gestão das UCs. “Esse ativo ambiental gera empregos, fortalece o comércio local e toda a cadeia de serviços relacionados, possibilitando que as comunidades se tornem protagonistas da preservação”, afirma Andréa Siqueira.

Segundo Letícia Horta, diretora do Departamento de Unidades de Conservação do IEF, o estado tem estudos em andamento para a criação de cinco novas UCs, duas na Região Metropolitana de BH, duas na bacia do Rio Doce e uma no Norte de Minas. “Os estudos estão adiantados, mas a mudança na Lei de Licitações em 2024 interrompeu o processo. Em 2025, reiniciaremos os processos licitatórios”.
A ausência de novas UCs é um dos aspectos que reflete a fragilidade da política ambiental em Minas Gerais. Outro, é que mesmo unidades constituídas correm o risco de perder terreno em função da pressão político-econômica (como mostramos na Revista Manuelzão 94 e nas páginas 24-25 desta edição), caso do Monumento Ambiental Estadual da Serra da Moeda, da Estação Ecológica Estadual de Arêdes e da Área de Proteção Ambiental Municipal Chapada do Lagoão; ou com a possível instalação de empreendimentos poluidores no entorno, caso do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
Em um contexto de emergência climática, as áreas protegidas tornam-se ainda mais cruciais, pois são capazes de amenizar eventos extremos como secas e inundações, aumentando a resiliência dos ambientes. “Quanto mais áreas protegidas, mais vegetação, infiltração de água nos solos e polinização, o que ajuda a mitigar os efeitos da crise climática”, reforça Julio Grillo.
