Aparelhamento do Conselho Estadual de Recursos Hídricos é contestado em audiência na ALMG - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Aparelhamento do Conselho Estadual de Recursos Hídricos é contestado em audiência na ALMG

02/12/2021

A Secretária de Meio Ambiente e o diretor do Instituto Mineiro de Gestão das Águas não estiveram presentes e sua representante se manteve imparcial

A reestruturação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG) via decreto do governo Zema foi rechaçada por membros dos Comitês Mineiros de Bacias Hidrográficas (CBHs), em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no dia 23 de novembro. Com uma fala de abertura pontuando todas os preceitos antidemocráticos do Decreto Estadual 48209/2021, baixado sem nenhum diálogo, Marcus Vinícius Polignano coordenador do Projeto Manuelzão e do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH) teve amplo apoio dos demais participantes.

Causou estranhamento a ausência da Secretária Marília Melo e de Marcelo da Fonseca, diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Ao fim, alguns encaminhamentos foram direcionados aos técnicos do Igam e também foi discutida a possibilidade de uma proposição de projeto de lei contra as medidas do decreto.

O decreto foi apontado como antidemocrático e contrário à diretriz a participativa que envolve os conselhos ambientais. Marcus Vinícius Polignano, iniciou o debate apontando a incoerência do decreto com a Lei Federal 9433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e tem como uma de suas premissas a gestão participativa e pactuada.

Polignano também frisou como as decisões que afetam as políticas públicas de gestão das águas, áreas de proteção e de recarga não são colocadas como prioridade pelo Governo de Minas. Ele citou que não temos nem 2% de proteção integral e parcial na área do quadrilátero metropolitano e que o CERH-MG é um pilar para a democratização do acesso à água. “Nós estamos ainda em um modelo que não define a água como um bem difuso, e portanto um bem que tem que ser apropriado pela sociedade como um todo, um bem para a biodiversidade. Se a gente não entender que a água faz parte de ecossistemas fundamentais para a vida, vamos nos perder nessa história”, alertou.

Clara Araújo Moreira e Beatriz Cerqueira (de costas). Foto: Sarah Torres.

O CERH é o principal conselho de gestão de recursos hídricos estaduais, que tem um poder deliberativo para harmonizar a política hídrica com as outras políticas ambientais e econômicas. O órgão acompanha o monitoramento da qualidade e da quantidade dos recursos hídricos estaduais, estabelece os critérios e as normas gerais para a outorga dos direitos de uso de água, além de analisar o licenciamento de empreendimentos com alto potencial poluidor, como os minerários e imobiliários. A partir do novo decreto, ele se torna diretamente subordinado à Semad e não só de forma administrativa. Os representantes são escolhidos por lista tríplice pela Secretária Marília Melo, excluindo o antigo processo eleitoral, que cabia internamente aos segmentos e era amplamente divulgado.

[Confira ofício do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas apontando todas as ilegalidades e imposições do decreto 48209/2021].

“A forma que o decreto foi conduzido enfraquece o sistema e fragiliza a participação social. Não vai resolver o problema das nossas crises hídricas. O que vai resolver é ter comprometimento com a questão ambiental. É parar de desafetar áreas de proteção, é não desmatar e ir para cima dos aquíferos… E para isso a Secretaria não tem peito. Não lembro da Semad estar aqui para discutir a desafetação do Monumento Natural Estadual Serra da Moeda, ou a expansão da Estação Ecológica de Fechos. Do jeito que estamos, vamos caminhar para um buraco sem fundo, sem volta”, finalizou Polignano em sua fala. 

O vice-presidente do CBH do Entorno da Represa de Três Marias Altino Rodrigues Neto fez coro à fala de Polignano, acrescentando que há um esvaziamento do plenário. “Por que criar uma Câmara Normativa Recursal [CNR] que decide tudo? Entendemos que fomos amordaçados, cerceados do nosso direito de manifestação e que isso definitivamente não transmite os anseios dos comitês de bacias e da sociedade civil.” 

Sylvio Luiz Andreozzi, conselheiro na Câmara Técnica de Planos do CERH pela Universidade Federal de Uberlândia e membro do CBH do Rio Araguari, denuncia o artigo 21 que permite aos representantes do Estado na CNR, por decisão unânime e motivada, suscitar dúvida quanto às deliberações finais dos conselheiros. A justificativa estaria fundada nas hipóteses de antijuridicidade, inexequibilidade administrativa, financeira ou orçamentária. “Todas as alterações se contrapõem à ideia da possibilidade de oposição. Essa administração tem grande dificuldade de trabalhar com o contraditório”, denuncia;

Por outro lado, Rodrigues vê uma esperança após a audiência: “Já considero essa audiência um avanço. Já que mexemos no vespeiro, que essas vespas nos tirem da zona de conforto e que o próprio governo tenha a oportunidade de revisar uma decisão equivocada que limita a participação da sociedade”. Wilson Guilherme Acácio, presidente do CBH dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, conclui: “Nós não podemos esvaziar os segmentos que cobram do Estado. Os governos passam, mas o Estado fica”.

Encaminhamentos

Clara Araújo Moreira, coordenadora da Assessoria de Programas, Projetos e Pesquisa em Recursos Hídricos do Igam, esteve presente remotamente substituindo a Secretária Marília Melo e o diretor Marcelo da Fonseca e afirmou estar contemplada pelas falas dos demais. A representante prometeu repassar os encaminhamentos aos técnicos do órgão, que poderão dar melhor resposta às proposições.

A deputada Beatriz Cerqueira, que convocou a audiência, ponderou que a Casa poderia propor um projeto de lei que deve ser construído coletivamente pelos interessados. Já Polignano pediu como encaminhamento abrir uma ação no MPMG.

“A Assembleia não faz favor de abrir esses espaços. O decreto mostra o descaso que está sendo tratado a gestão das águas e principalmente a negação da participação social. Visto a qualidade dos participantes, são pessoas que conhecem o assunto, debatem, convivem e portanto tem toda a expertise para tratar do tema. Então, tirar essas pessoas,empobrece o conselho, torna ele mais fraco e menos atuante. Não aprendemos com os iguais, aprendemos com os diferentes. Como dizia o educador Paulo Freire, a gente aprende no mundo mediando com o outro. É nessa mediação que a sociedade cresce. Calar a boca, dizer não, é a negação da democracia e do diálogo”, concluiu Polignano.

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