08/03/2024
Empresa busca instalar terminal a apenas 500 metros do centro do distrito de Itabirito fundado em 1740; população aponta a gravidade dos impactos socioambientais
A comunidade de São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito a cerca de 70 quilômetros de BH, enfrentará mais um desafio em defesa do patrimônio ambiental e histórico-cultural local na próxima quarta-feira, 13. Trata-se da audiência pública, marcada para às 19h, em Itabirito, referente ao licenciamento ambiental do Terminal Ferroviário do Bação, empreendimento que a Bação Logística tenta implantar bem próximo ao centro do distrito e que acarretaria o tráfego diário de 450 caminhões pela área.
O evento será realizado no Gamel Espaço de Eventos, localizado na Avenida Dr. Queiroz Junior, n° 3395, Usina Esperança, Itabirito.
A proposta de construção do terminal a cerca de apenas 500 metros do centro histórico do distrito, com bens materiais e imateriais tombados a nível municipal e federal, foi apresentada em 2018. Moradores foram surpreendidos pelo trabalho de máquinas no local, valendo-se de uma Licença Ambiental Simplificada, autorização concedida a empreendimentos de pequeno porte e baixo potencial poluidor. O projeto foi classificado, inicialmente, como “pátio de estocagem”, e não como um terminal de carga de minério, de impacto muito maior e que não pode ser autorizado de forma simplificada.
As primeiras intervenções para a instalação do terminal causaram o assoreamento de ao menos duas nascentes, além do despejo de lama de um talude diretamente no Ribeirão Carioca e nas cachoeiras Bem-Vinda e Três Quedas, na Bacia do Rio Itabirito, afluente do Velhas. A empresa também suprimiu vegetação sem autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad).
A partir da mobilização da Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação, que apontou as irregularidades ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), uma Ação Civil Pública (ACP) resultou na paralisação das obras e a consequente obrigação do projeto de cumprir o licenciamento adequado. O MPMG iniciou um inquérito civil para investigar as ações e responsabilizar a Bação Logística. Como resultado, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual a empresa se comprometeu a adotar uma série de medidas para evitar novos danos ambientais e impactos ao patrimônio cultural.
O TAC contou com a intervenção da Semad e, com isso, numa escala de impacto que vai de 1 a 6, o empreendimento foi reclassificado de 2 para 4.
Com temor quanto ao desfecho do pedido da licença, a empresa optou por arquivá-lo em 2022. A Bação Logística submeteu um novo pedido no ano seguinte, desta vez obrigada a apresentar à Semad o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto. Contudo, a empresa manteve a mesma Declaração Municipal de Conformidade obtida junto à Prefeitura de Itabirito à época do licenciamento simplificado, mesmo diante das mudanças significativas decorrentes do reenquadramento do empreendimento e da atualização do nível de impacto.
O geógrafo e membro do movimento Vozes do Bação, Cláudio Gustavo Aguiar, expressa sua indignação com a pressa e a falta de transparência na realização da audiência pública: “Em todas as audiências públicas que aconteceram através da Semad e da Feam [Fundação Estadual de Meio Ambiente], o intervalo entre o prazo para solicitar a audiência até o dia em que a audiência foi marcada variou numa média de 260 dias. Esta audiência está acontecendo em 40 dias.”
O arraial de São Gonçalo do Bação nasceu no século XVIII como rota de tropeiros e garimpeiros do ouro de aluvião, a partir de uma promessa. Enfermo, o português Antônio Alves Bação se comprometeu a erguer uma capela a São Gonçalo do Amarante caso se curasse. Em 1740, a promessa foi paga, a capela construída e o arraial se formou em seu entorno.
A capela erguida em 1740 continua preservada e serve hoje como a sacristia da atual Igreja Matriz, construída em 1924, com altares em estilo rococó. Já a Capela Nossa Senhora do Rosário, de características arquitetônicas do século XVIII, foi edificada junto do cemitério, no alto dum morro de onde é possível avistar dezenas de quilômetros da região em todas as direções.
Tanto a igreja quanto a capela são tombadas pela administração municipal e têm o processo de tombamento em curso no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). O Grupo de Teatro São Gonçalo do Bação é registrado como patrimônio imaterial de Itabirito desde o ano passado. Além disso, becos, ruínas e muros de pedra, que podem datar do século XVII e ajudam a contar o início da ocupação de Minas Gerais, são registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
“São esses equipamentos de registro do patrimônio que a empresa não considera em momento algum, ela nem fala sobre isso”, denuncia Clarisse Marinho, integrante do Vozes do Bação. Ela também explica que já há uma demanda da Secretaria Municipal de Cultura junto ao Iepha para o tombamento estadual do conjunto patrimonial do distrito.
A Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação, criada para proteger os direitos dos moradores, está totalmente engajada nesta batalha. Para eles, o empreendimento sempre foi conduzido de forma ilegal e enganosa, como no caso da tentativa de obtenção de Licença Ambiental Simplificada visando ocultar os reais impactos ambientais.
Para o Diretor Adjunto da Associação, Elias Costa de Rezende, “é um empreendimento com elevado nível de degradação. Tivemos acesso aos documentos iniciais e vimos que eles tinham colocado lá que seria parte de depósito, estocagem e comércio de materiais minerais.”
A principal queixa de todos na Associação é que a voz da comunidade não tem sido ouvida em todo o processo, apesar das numerosas denúncias fundamentadas pela população. O Conselheiro Fiscal e fundador do Grupo de Teatro São Gonçalo do Bação, Mauro Antônio de Souza, aponta que “uma parte no relatório [de impacto] fala que a vida cultural e sociopolítica acontece toda em Itabirito. Eles ignoram tudo que existe aqui: o comércio, as pousadas, o nosso modo de vida, a igreja, a capela e o cemitério que já são tombados, o teatro local que tem 26 anos e é considerado patrimônio cultural.”
Para os moradores é certo que a construção do terminal, ao estimular a exploração minerária na região, viria acompanhada de uma série de impactos catastróficos. “Temos uns 15 pedidos de lavra para a região [onde estão querendo] o terminal. Quando esse empreendimento entrar, vai começar a cavação desenfreada”, alerta Cláudio Aguiar.
Tanto o empreendedor quanto a administração municipal têm ignorado completamente o potencial turístico da região. A abundância de recursos hídricos, a diversidade da fauna e flora de Cerrado e Mata Atlântica e o valioso patrimônio histórico-cultural do Bação tornam o turismo um dos principais impulsionadores da economia local. Caso a proposta siga adiante, toda essa riqueza estará sujeita a um rápido declínio, e a cultura e os modos de vida da comunidade sofrerão um impacto drástico e irreversível.
Há anos, o Projeto Manuelzão tem atuado junto à comunidade em defesa das riquezas da região. Em 2021, o Manuelzão divulgou uma nota pública argumentando contrariamente ao terminal e em favor da proteção imediata do patrimônio material e imaterial do distrito a partir do início do procedimento administrativo de tombamento, em curso no Iepha. Recentemente, o Núcleo de Direito Ambiental do Manuelzão fortaleceu esse vínculo com a comunidade, que é uma das assessoradas pelo projeto Empoderamento Jurídico.
A Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação protocolou uma petição junto à Semad para denunciar os problemas relacionados à audiência e solicitar a mudança do local. Os moradores argumentam que a empresa deveria realizar a audiência pública no próprio distrito onde se pretende instalar o empreendimento, a fim de permitir a ampla participação das pessoas mais afetadas pelos impactos ambientais previstos.
Além disso, a Associação ressalta que ao marcar a audiência pública em um local distante, durante a noite e em um dia útil, e ainda na véspera de outro dia útil, não foram consideradas as consequências práticas dessa decisão, dificultando a participação de grande parte da população do Bação, que são justamente os mais interessados no assunto.
Também é apontado na petição que é ilegal a não disponibilização da cópia física do Relatório de Impacto Ambiental (Rima), versão resumida do EIA, aos moradores de São Gonçalo do Bação e de outros distritos afetados, conforme preconiza a legislação estadual.
A Associação também moveu uma ação judicial para questionar a ausência de transparência e a dificuldade de acesso ao local da audiência.
Até segunda ordem, a audiência será realizada na quarta-feira, 13, às 19h, no Gamel Espaço de Eventos, localizado na Avenida Dr. Queiroz Junior, n° 3395, Usina Esperança, Itabirito.