Barragem da CSN em cima de Congonhas apresenta falhas estruturais e aterroriza moradores - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Barragem da CSN em cima de Congonhas apresenta falhas estruturais e aterroriza moradores

21/01/2022

Casa de Pedra é quatro vezes maior que a barragem do Córrego do Feijão, que se rompeu em Brumadinho; cerca de 5000 pessoas estão na mancha de inundação

A maior barragem localizada em área urbana na América Latina, na cidade histórica de Congonhas, foi mais uma estrutura apresentar danos nas últimas semanas de chuva em Minas Gerais. Quatro vezes maior que a barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, a Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), foi interditada após denúncias de vazamento e deslizamento de terra em parte de sua estrutura, que foi capturado em vídeo por um morador, no dia 9 de janeiro. A CSN chegou a impedir a entrada da Defesa Civil para fiscalização, que só ocorreu após um pedido judicial da prefeitura municipal.

Os moradores de Congonhas vivem debaixo de uma bomba-relógio: a barragem apresenta problemas estruturais pelo menos desde 2012. No dia 10 deste mês, uma “trinca extensa” acima da berma de enrocamento (escoramento feito de pedras) foi constatada em ofício pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que solicitou ações imediatas da CSN. Se a Casa de Pedra se romper, cerca de 5 mil moradores de Congonhas estão na mancha de inundação imediata – em dois bairros residenciais, abaixo da barragem, 2.500 pessoas seriam atingidos em menos de 30 segundos.

“A diferença daqui é que as pessoas veem a barragem da casa delas”, diz Sandoval de Souza, diretor de meio ambiente da Unaccon (União de Associações Comunitárias de Congonhas). Mesmo sem a chuva, muitas pessoas, “acostumadas” com os problemas na Casa de Pedra, não conseguem dormir, o que piorou desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019.

No dia 9 de janeiro, a justiça determinou que a Defesa Civil de Congonhas usasse força policial para fiscalizar a barragem da CSN, já que a empresa estava “obstando o trabalho de fiscalização”. “Na progressão das fotos, dá pra ver que, se a chuva persistisse por mais alguns dias, a chance de algo acontecer era muito alta”, avalia Sandoval. “É a mesma coisa da vigilância sanitária chegar numa cozinha e não poder entrar. Eles dizem que estão fazendo certo e que não tem perigo. Quem está fazendo certo e não tem perigo é porta aberta. Na verdade, teve problema sério e se não tivesse, não colocariam homens trabalhando debaixo de chuva”, denuncia.

Helicóptero do governo de Minas sobrevoa barragem Casa de Pedra. Foto: Sandoval de Souza

Desastre (não) anunciado

“A história começou no dia 4 ou 5 de janeiro, quando a chuva já estava violenta”, conta Sandoval, quando começaram a aparecer vídeos de deslizamentos em partes da barragem. Desde o dia 6, ele tira fotos da Casa de Pedra diariamente. “Na hora do almoço, no dia 9, saiu o vídeo em que um morador narra o momento de um deslizamento na estrutura. À tarde, quando eu voltei à barragem, a foto já era diferente. Era uma queda absurda”. Ele envia todas essas fotos, que continua registrando, para Defesa Civil e o gabinete do prefeito, mas não obteve resposta.

Apesar de seu volume e capacidade de destruição, a Casa de Pedra nunca foi classificada em qualquer nível de alerta de rompimento pela ANM. “Depois que as chuvas diminuíram, rapidinho, aparece o prefeito relativizando, agradecendo que a empresa está limpando a cidade [que também ficou alagada com água das chuvas e lama]. É quase uma síndrome de Estocolmo”, critica Sandoval, que já foi técnico e auditor no setor de mineração. Ele acredita que, frente ao estrago, o poder público precisou agir de forma mais contundente, “mas depois que veio o sol, o prefeito deve ter até se arrependido de ter entrado com essa ação, porque gravou um momento de má fé [da CSN]”.

A mancha de inundação prevista pela CSN é extremamente subestimada. Enquanto a siderúrgica fala em aproximadamente 2.500 pessoas, nos primeiros bairros atingidos pela lama da barragem, são pelo menos o dobro, segundo os moradores, contando com o centro da cidade, além de outros atingidos ao longo da bacia do rio Paraopeba, que carregará a lama. Os dados sobre o volume de rejeitos na barragem também são obscuros: a CSN afirma que apenas 30% do minério vazará se a barragem se romper, uma parcela muito conservadora, segundo especialistas membros do Gabinete de Crise da Sociedade Civil, e relata pelo menos um terço a menos do volume total que um relatório do Ministério Público estima haver na Casa de Pedra.

Ilustração da proximidade da barragem da CSN com a cidade de Congonhas. Foto: Sandoval de Souza

Anos de irregularidades

Sandoval aponta o início dos problemas no dique de sela da Casa de Pedra há pelo menos dez anos. Em 2012, a CSN fez um alteamento [processo para aumentar a altura da estrutura] sem licença, pelo qual recebeu um auto de infração. “Houve um processo de regularização, um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com o Ministério Público [MPMG], mas perante o povo não vai regularizar nunca, regularizaram formalmente perante o estado”. Desde então, a barragem apresentou vazamentos e outros problemas pelo menos outras duas vezes. Ela já foi interditada por estar cheia demais, impossibilitada de suportar mais material.

“Antes, o pessoal via [os problemas estruturais na barragem], a CSN falava que era normal, era denunciada ao MP, que mandava perito para consertar. Essa parte [que causou a interdição, onde está a “trinca”] é um terreno natural que a empresa mente que não faz parte da barragem. É semântica, eles confundem as pessoas”, explica Sandoval.

Ele diz que a empresa alega segurança falando só do maciço, enquanto essa lateral, que é voltada para a cidade de Congonhas, já apresentou essa série de problemas. “Sempre ocorreu problema na região do dique sela, alguns já foram corrigidos. Esse sempre se repetiu, você sempre vai encontrar dique sela nos autos. A terra desse lugar é fraca, mas ela serve como barragem.” Quando veio a público nos últimos dias, a empresa “sempre afirmou que o problema não é na barragem, que ela está segura. Nós entendemos como barragem a lagoa toda”, defende.

Trabalhadores da CSN trabalha em dano na barragem debaixo de chuva. Foto: Sandoval de Souza

Em abril de 2021, um relatório da empresa de consultoria AECOM recomendava à ANM, em relação à Casa de Pedra, “uma campanha complementar de investigação do maciço e da fundação”, “estudos complementares especificamente na fundação do enrocamento do dique de sela, na região em que se identificam materiais se consistência mole a muito mole”, dentre outros diversos elementos da barragem. Ele já apontava trinca na estrutura e foi submetido à Câmara Municipal de Congonhas e ao Conselho de Meio Ambiente (Codema), mas sem resultado.

Em 11 de janeiro deste ano, a ANM mais uma vez verificou “trincas e erosões no terreno natural, erosões superficiais e material em drenagens superficiais no dique de sela”.

Outro impacto da CSN em Congonhas, mesmo sem o rompimento, é no abastecimento de água. A siderúrgica conseguiu, em dezembro do ano passado, uma outorga para bombear cerca de 3.100 m³ de água do lençol freático da região – seis vezes o que a cidade consome e quatro vezes o abastecimento atual da CSN, segundo Sandoval. “Tivemos uma briga tremenda, mas eles conseguiram passar a tratorada. A água da cidade vai acabar sendo bombeada pela CSN. As nascentes vão secar e eles vão acabar sendo os cherifes da agua, os donos da água”.

Placa turística de Congonhas com mina da CSN ao fundo. Foto: Sandoval de Souza

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