Biodiversidade em risco: peixes e contaminação - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Biodiversidade em risco: peixes e contaminação

17/08/2021

Pesquisadores discutem necessidade do biomonitoramento para avaliar os efeitos da ação humana sobre ecossistemas aquáticos contaminados

[Artigo de Isabela Martins, Kele Rocha, Mônica Campos, Vanessa Guimarães e Bernardo Beirão publicado nas páginas 4 e 5 da Revista Manuelzão 89, na editoria Farol Científico. Republicamos aqui com algumas edições para adaptar o texto ao formato do site. Acesse a edição 89 e as edições anteriores da Revista Manuelzão através deste link.]

A água doce representa apenas 0,01% de toda água existente no planeta e abriga 9,5% de todas as espécies animais. No entanto, vários estudos vêm mostrando a diminuição das populações e risco de extinções em ecossistemas aquáticos continentais. O índice da vida no planeta mostrou um declínio anual de 3,9% das espécies de água doce, número 4 vezes maior do que o índice das espécies terrestres. Além disso, a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) mostra que uma alta proporção de espécies ameaçadas está entre os animais aquáticos.

Ou LPI (Living Planet Index), é um indicador do estado da diversidade biológica global, com base em tendências observadas nas populações de vertebrados de espécies de todo o mundo.

Além de grande biodiversidade, a vida nos ecossistemas aquáticos depende de complexas e importantes interações. A vegetação ciliar e os organismos autótrofos (que realizam fotossíntese) fornecem energia e nutrientes, além de servirem como base da cadeia alimentar. Muitos organismos aquáticos participam do processo de ciclagem da matéria orgânica, mantendo em equilíbrio todo o ecossistema aquático.

Os peixes possuem importante papel dentro dessas interações. Esse grupo de organismos aquáticos é composto por espécies que estão presentes em diversos níveis dentro da cadeia alimentar, que variam desde organismos herbívoros (se alimentam de material vegetal), predadores (se alimentam de outros organismos vivos), onívoros (se alimentam de toda a variedade disponível) e detritívoros (se alimentam de detritos de matéria orgânica).

Os contaminantes presentes na água podem entrar nos sistemas biológicos desses animais e se acumular em seus tecidos. Além disso, esses contaminantes se acumulam através do ciclo alimentar, podendo chegar a outros animais que se alimentam desses peixes, inclusive até a espécie humana.

O processo no qual os animais vão acumulando contaminantes à medida que têm contato com eles se chama bioacumulação, já o processo de acumulação através do consumo de animais já contaminados é denominado biomagnificação.

Após a lama

O consumo de peixes é tradicional nas comunidades ribeirinhas, no entanto, o rompimento da barragem da Vale na bacia do rio Paraopeba alterou profundamente esta tradição e fonte de renda da população. Até o momento, há alguns estudos sobre a contaminação que relatam a presença de alumínio, ferro e manganês como os principais contaminantes. Também foi observada a toxicidade e acúmulo de metais no tecido muscular de peixes expostos à água e sedimento.

Esses resultados reforçam a importância de um monitoramento de longo prazo e ao longo de todo o rio Paraopeba, desde Brumadinho até a represa de Três Marias, para avaliar os efeitos da bioacumulação na cadeia alimentar ao longo do tempo. Apesar da pesca profissional já estar proibida no Paraopeba desde 2004, após o rompimento da barragem da Vale, em 2019, a pesca amadora de espécies nativas também foi proibida.

Pesca e piscicultura na represa de Três Marias

Na represa de Três Marias a situação da pesca é diferente, não há restrições quanto à pesca e produção de peixes nas suas águas. Construída com a finalidade de geração de energia elétrica, a represa de Três Marias desempenha um importante papel para a economia e o turismo das cidades de seu entorno.

Um dos principais polos de produção de tilápia do país, a represa garante o sustento e renda para mais de 5.000 pescadores profissionais e trabalhadores de apoio à pesca na região, e também atrai pessoas para prática de pesca amadora/esportiva e prática de esportes náuticos, impulsionando assim a economia dos municípios.

Apesar do rio Paraopeba ser um dos afluentes que formam a represa, até o momento não há informações sobre a contaminação devido ao rompimento da barragem. Ainda assim, os potenciais efeitos do rompimento sobre as comunidades aquáticas devem ser avaliados.

Produtores de tilápias, pescadores profissionais e toda a rede de turismo em torno do reservatório amargam a desvalorização do pescado e com o sumiço dos turistas em função do “fantasma da contaminação”.

João* conta que “antes do rompimento o peixe custava R$ 15 o quilo. Hoje não consigo vender por mais de R$ 8.” Além dele, moradores que tinham sua renda com o turismo também relatam perdas, como Maria*, que alugava seu rancho e Luís*, que trabalhava como guia de pesca. Relatos como estes são comuns e mostram como a renda das pessoas tem sido impactada pelo desastre.

Monitoramento dos impactos na biodiversidade aquática

O monitoramento da biodiversidade, ou biomonitoramento, consiste em avaliar os efeitos da ação humana sobre o ecossistema por meio de indicadores biológicos. Vários países adotaram uma nova percepção e novas diretrizes para a gestão dos recursos hídricos, fundamentada em uma visão muito além da qualidade física e química das águas.

Neste contexto está também uma diretriz conjunta de órgãos ambientais de Minas Gerais que amplia os processos adotados na avaliação e monitoramento dos corpos d’água.

Esta nova abordagem busca uma classificação da qualidade ecológica dos ambientes aquáticos, em outras palavras, de sua integridade ecológica, que pressupõe uma avaliação sobre a interação entre os processos geomórficos (que atuam na forma e relevo do solo), sedimentológicos, de qualidade físico-química e dos componentes biológicos da água e sedimento. 

O Projeto Manuelzão e seus parceiros realizam o biomonitoramento da bacia do rio das Velhas há anos. A análise dos resultados do biomonitoramento, realizado entre os anos de 2003 e 2010, demonstrou que para melhorar a integridade biológica na bacia, representada pelos peixes, é necessário efeito combinado de melhoria da qualidade da água, vegetação ripária e melhora da condição do habitat ecológico, o que resultou na melhoria da diversidade da comunidade biológica dos invertebrados aquáticos.

Projetos como este auxiliam no diagnóstico ambiental e ajudam a definir estratégias de conservação, indicação de áreas para conservação e restauração de ecossistemas.

Atuando como Assessoria Técnica Independente (ATI) das comunidades atingidas pelo rompimento na bacia do Paraopeba, o Instituto Guaicuy realizou o biomonitoramento da bacia, com o objetivo de integrar todos esses aspectos dos ambientes aquáticos, as características físicas e químicas da água, solo, sedimento, a composição e estrutura das comunidades biológicas, suas relações ecológicas, além dos processos de acumulação de metais e sua transferência nas cadeias alimentares.

Dessa forma, será possível avaliar as consequências da contaminação da bacia, avaliar até que ponto as regiões podem ter sido afetadas ou não pelos rejeitos do rompimento e como estas alterações do ambiente podem interferir no equilíbrio da biota aquática, na saúde ambiental e em última análise, também sobre a saúde da população.

*Nomes fictícios.

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