10/02/2020
Após os resultados catastróficos das chuvas nas últimas semanas em Belo Horizonte, a cidade dá primeiro passo na criação de soluções que respeitem a lógica de suas bacias hidrográficas
Entrou em vigor na última semana, o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, que proíbe a canalização de córregos na cidade. Sancionada pelo prefeito Alexandre Kalil, após o catastrófico resultado das chuvas das últimas semanas na capital, a proibição de novas canalizações é uma bandeira defendida há duas décadas pelo Projeto Manuelzão e deve ser comemorada pelos belo-horizontinos. Entretanto, trata-se apenas de um primeiro passo na construção de uma cidade que respeite seus cursos d’água.
Belo Horizonte foi a cidade que teve o maior número de mortes causadas pelos temporais ocorridos em Minas Gerais: das 56 vítimas fatais em todo estado, 13 foram em BH. Longe de ser uma surpresa, os números são resultado de políticas urbanas que progressivamente sufocaram os rios da cidade.
Os atuais reflexos dos históricos maus tratos com os recursos hídricos em Belo Horizonte, serviram ao menos para que gestores públicos, população e a mídia tratassem o assunto com maior atenção. A canalização não pode ser, como vinha sendo, vista como a única opção possível e utilizada de forma tão banal.
De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), dos 654 quilômetros da malha fluvial de Belo Horizonte, 208 estão escondidos sob ruas, avenidas e construções.
Com o novo Plano Diretor, as canalizações de cursos de água em leito natural estão vetadas nas áreas de conexões de fundo de vale – partes mais baixas do relevo onde se encontram as águas que escoam das chuvas – e nas Áreas de Interesse Ambiental. No caso de intervenções em córregos e ribeirões já canalizados, as alterações no curso só poderão ser mantidas se for comprovado que é inviável técnica ou economicamente a recuperação da condição natural. Entretanto, como pontuou em entrevista ao portal O Globo, Marcio Baptista, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, as medidas não enfrentam a situação completa da capital mineira e “muito do que está canalizado não pode ser desfeito”.
Investir na renaturalização dos córregos, pauta também defendida pelo Projeto Manuelzão, é um caminho possível na construção de uma relação mais harmônica entre a cidade e suas águas e foi abordado no anúncio do novo Plano. Também em entrevista ao O Globo, a secretária de Políticas Urbanas de Belo Horizonte Maria Caldas, disse que a renaturalização é considerada pela prefeitura em áreas com menor adensamento de construções, havendo ‘razoabilidade técnica’.
Um levantamento dos gastos da prefeitura em obras de combate a enchentes mostrou que de 2013 a 2019, os governos do atual prefeito, Alexandre Kalil, e do antecessor, Márcio Lacerda, destinaram R$ 750 milhões em obras e ações contra alagamentos, apenas 20% dos R$ 3,7 bilhões previstos para o período. O projeto Manuelzão convida a população de Belo Horizonte a olhar atentamente essas questões e cobrar seus gestores para que os gastos não se concentrem em obras de reparação, mas na construção de soluções integradas e sistêmicas para os problemas que a cidade enfrenta há tanto tempo.
A proibição de novas canalizações e outras medidas positivas apresentadas no Plano Diretor, como o plano para tratamento de margens dos rios, são um primeiro passo para alterar a forma como Belo Horizonte se relaciona com os córregos e rios que atravessam a cidade. Não devemos esquecer, entretanto, que o caminho na construção de uma cidade que conviva harmoniosamente com seus cursos d’água, requer mais que soluções tapa-buracos.