Carta aberta da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil à Assembleia Legislativa de Minas Gerais - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Carta aberta da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil à Assembleia Legislativa de Minas Gerais

19/06/2021

Por meio da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), da Arquidiocese de Belo Horizonte, a CNBB publicou uma carta aberta sobre o acordo judicial para reparação dos danos relativos ao rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho

Brumadinho, 17 de junho de 2021.

Aos Ex.ªs. Deputados e Deputadas,

Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG);

Ref.: Apresentação de Emendas ao Projeto de Lei do Acordo entre a Vale e o Estado de Minas Gerais

A Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, por meio da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), da Arquidiocese de Belo Horizonte, vem, por meio desta carta, lhes apresentar alguns pontos que consideramos como fundamentais para que haja uma mínima possibilidade de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos B1, da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, a partir da implementação do Acordo Judicial firmado entre a mineradora Vale e o Estado de Minas Gerais em 04 de fevereiro de 2021.

Em primeiro lugar, gostaríamos de destacar que esta carta foi construída em sintonia com uma diversidade de comunidades impactadas pelo crime da Vale em Brumadinho (indígenas, quilombolas, agricultores familiares, comunidades urbanas, etc.), sobretudo através do diálogo com o Coletivo de Atingidos pelo Crime da Vale em Brumadinho. Este coletivo, criado e animado pela RENSER, desde os primeiros dias após o rompimento da barragem B1 tem produzido e protagonizado importantes reflexões e ações referentes à reparação, garantias de não repetição, superação da minério-dependência e construção de um mundo novo, edificado a partir dos princípios de uma Ecologia Integral e do cuidado com nossa Casa Comum.

Dentre as principais produções do Coletivo de Atingidos destacamos: o Pacto dos Atingidos, lançado por nós em janeiro de 2021, quando completaram-se dois anos do crime da Vale em Brumadinho (ANEXO 1); e o manifesto “A Justiça que Queremos: Dos, Para e Com os Atingidos e Atingidas”, publicado em abril do presente ano (ANEXO 2). Ambos os documentos apontam importantes elementos do que, para nós, significa de fato uma reparação integral, perspectiva essa também embasada nos parâmetros internacionais de direitos humanos.

Referidos elementos, construídos junto das comunidades atingidas, não constam das ações ditas de reparação até então empregadas, muito menos do texto do acordo judicial firmado entre a Vale e o Estado de Minas Gerais à portas fechadas no Tribunal de Justiça (TJMG).

É importante considerar, também, o papel da ALMG na CPI da Barragem de Brumadinho e as conclusões de seu Relatório Final de setembro de 2019, que concluiu não somente pela necessidade de responsabilização criminal de todos os responsáveis na modalidade de dolo eventual, como também pela necessária reparação civil integral de todos os danos, a partir do princípio do protagonismo das pessoas atingidas, respeitados os direitos à informação, à participação e à transparência, com “ênfase em projetos que promovam a emancipação das pessoas e das comunidades atingidas” e com “atenção às particularidades de cada região atingida” (algo que não será efetivado por meio de projetos fora da bacia impactada e negociados sob sigilo, como atualmente proposto pelo Estado no atual PL 2508/21).

Assim sendo, entendendo o papel protagonista que a ALMG possui na implementação e fiscalização deste Acordo, especialmente na edificação de lei fundamental para o uso dos recursos destinados ao Estado, apontamos, a seguir, alguns elementos que, para nós, se empregados significariam caminhar na direção da reparação e não de novas violações, como até então tem sido feito em todo o processo de construção/implantação deste acordo.

1. A garantia da centralidade das pessoas atingidas durante todo o processo de reparação; conforme previsto expressamente pela Cláusula 5.1.1. do acordo, com garantia de realização de audiências públicas ao longo do processo legislativo na ALMG com escuta efetiva às pessoas atingidas, já que elas não tiveram o direito de participar da negociação do acordo;

2. Rejeição a qualquer emenda que incida nas verbas do anexo 1.1, pois elas devem ser decididas única e exclusivamente pelas pessoas atingidas; nesse sentido, a emenda constitucional nº 107, recentemente aprovada, autoriza a intervenção da ALMG, por meio de projeto de lei, tão somente nas verbas que constituirão, de fato, créditos suplementares, ou seja, os anexos do Estado de Minas Gerais (anexos 3 e 4);

3. A garantia do direito às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) e a manutenção de sua centralidade no processo de reparação, o que significa a rejeição da retirada de R$ 100 milhões, previstos no PL 2508/21, dos R$ 700 milhões das verbas de estruturas de apoio (anexo 4.4.11): a estrutura de apoio do Estado de MG deve vir dele próprio ou então das próprias verbas dos anexos do Estado, e não há, no acordo, qualquer previsão de destinação de verbas de estruturas de apoio para o Estado de Minas Gerais mediante decisão unilateral do próprio Estado ou da ALMG, devendo tal decisão ser tomada pelo Comitê de Compromitentes e com a participação das pessoas atingidas;

4. A não destinação de recursos captados a partir do processo de reparação a obras ou ações fora da região impactada, especialmente as que provocarão novos impactos às comunidades atingidas, como é o caso do projeto do Rodoanel Metropolitano, algo que configura desvio de finalidade da própria indenização por danos coletivos em si, além de facilitar o próprio escoamento da produção pela empresa que perpetrou o crime;

5. Que seja completamente retirado do PL 2508/21 a proposta de projetos para a “elaboração de instrumentos de gestão para desenvolvimento de mineração”, uma vez que é um absurdo completo a utilização de verbas destinadas à reparação de danos coletivos para esta finalidade;

6. A garantia de que os impactos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho sejam levantados pelas ATIs e por perícias científicas independentes e não por empresas privadas contratadas pela própria mineradora, como tem sido feito em muitos programas do Acordo Judicial, devendo, para tanto, serem destinadas verbas para que as ATIs possam contratar ou realizar estudos científicos independentes, que sirvam de contraponto aos estudos das empresas contratadas pela autora do crime;

7. Garantia de acesso à informação, transparência e controle social em todas as etapas de implementação do acordo e de execução das medidas de reparação, devendo ser vedado, de agora em diante, qualquer procedimento sigiloso ou confidencial por parte do Estado de Minas Gerais ou demais instituições envolvidas, como ocorrido anteriormente na negociação do acordo;

8. Garantia de direito à memória e à verdade, com os devidos esclarecimentos, por parte da empresa, sobre quais foram as causas do rompimento da barragem e quem foram as pessoas responsáveis, algo que foi completamente ignorado pelo acordo celebrado;

9. A devida punição criminal aos responsáveis, sejam funcionários da Vale, da TÜV SUD e responsáveis pela fiscalização e agentes do Estado em todas os poderes competentes envolvidos (Judiciário, Executivo, Legislativo);

10. Não queremos servir de propaganda da Vale e nem do Governo Zema. Queremos pedidos formais e públicos de desculpas pela Vale S/A e pelo Estado (na sua condição de ente fiscalizador e licenciador) a todas às famílias e comunidades afetadas pelo crime, algo que, também, foi ignorado pelo acordo;

11. Garantia de dignificação das vítimas com a devida marcação dos nomes das joias em todas as ações que forem desenvolvidas;

12. A garantia de não repetição deste tipo de crime-tragédia, seja por parte da Vale, seja por parte de qualquer outra mineradora que opere em nosso país, sendo relevante, nesse sentido, o endurecimento da fiscalização ambiental, trabalhista e em outros âmbitos, por parte do Estado, junto às mineradoras;

Cordialmente,

Dom Sebastião Duarte – Presidente da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB

Dom Vicente de Paula Ferreira – Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Referencial da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário

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