CARTA DE JEQUITIBÁ – Povos Tradicionais de um Rio

28/10/2018

No dia 08 de setembro de 2018 durante o FestiVelhas: Festival de Arte e Cultura do Rio das Velhas, ocorrido na cidade de Jequitibá na ocasião do 30º Festival de Folclore, aconteceu uma roda de conversa organizada pelo Projeto Manuelzão/UFMG, que tratou sobre os “Povos Tradicionais de um Rio”.

Além de inúmeros participantes, destaca-se a presença de representantes indígenas, quilombolas, povos de terreiro, carroceiros, tropeiros, agricultores familiares e benzedeiros.

O encontro foi muito rico valorizando os povos tradicionais e a sua relação harmoniosa com o
ambiente. Essas tradições muitas vezes são invisibilizadas, assim como a maioria dos cursos
d’água da cidade, como se fossem um entrave ao progresso. Mas, no entanto, os relatos e as
práticas demonstram grandes preocupações com as questões ambientais, dos animais e das
águas também no ambiente urbano. Nos dias atuais ainda existem números expressivos dessas
populações nas periferias dos grandes centros e cidades, e acreditamos na importância do seu
reconhecimento.

Esta carta vem reiterar o reconhecimento e o apoio do Projeto Manuelzão à luta das
comunidades tradicionais e o direito à dignidade e às diferenças compreendendo que estes
povos são os verdadeiros guardiões e protetores da biodiversidade do vale e de suas sagradas
águas – munida de um rico patrimônio imaterial, saber-fazer, memórias vividas e
compartilhadas.

Sabe-se que foi a partir da luta dos povos tribais e comunidades tradicionais de todo o planeta,
que foi construído um arcabouço jurídico internacional que deu sustentação à elaboração de
políticas públicas e de gestão voltadas para os direitos humanos e para a alteridade cultural
em vários países da América Latina. O Brasil, em 2004, ratifica, a emblemática Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho-OIT de 1989, que reconhece como critério
fundamental os elementos de autoidentificação dos povos e das comunidades tradicionais,
bem como, o conceito de terras tradicionalmente ocupadas aliado à noção de territorialidades
específicas e etnicamente construídas.

A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial adotada em Paris em evento
promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-UNESCO, reitera, por sua vez, o respeito ao patrimônio cultural imaterial das comunidades
tradicionais, grupos e indivíduos envolvidos, tendo sido em 2006, adotada pelo Brasil por meio
do Decreto n o 5.753 de 12 de abril de 2006.

Cita-se ainda a importante Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais, assinada em Paris em 20 de outubro de 2005, que reconhece a natureza
específica de atividades tradicionais, bens e serviços culturais enquanto portadores de
identidades, valores e significados.

Merece também destaque o Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que
estabelece como objetivo geral o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia de seus direitos
territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua
identidade, seus conhecimentos tradicionais, suas relações de manejo e interação com a
natureza, suas formas de organização socioambiental e suas instituições.

Nutrindo-se do arcabouço legal, ético e normativo acima mencionado, enumera-se abaixo, as
principais proposições e orientações do evento:

a) Lamentou-se profundamente o gravíssimo incêndio ocorrido no dia 02 de setembro de
2018, na edificação histórica tombada, sede do Museu Nacional da Quinta da Boa
Vista, no Rio de Janeiro-RJ, que destruiu um acervo magnífico e inigualável, estimado
em aproximadamente vinte milhões de itens das áreas da mineralogia, petrologia,
paleontologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia, provenientes de várias
partes do país e do mundo. Destacamos a perda imensurável de vestígios parciais
arqueológicos de Luzia (e total de muitos de seus parentes)- considerado o fóssil
humano mais antigo das Américas, com cerca de 12 mil anos, descoberto na década de
1970, na Gruta da Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, vale do rio das Velhas, Minas
Gerais;

b) Reconhece-se que os povos tradicionais trouxeram, construíram e deixaram hábitos,
técnicas, saberes, sabores e culturas para a história social e econômica do vale do rio
das Velhas;

c) Reconhece-se que no vale do rio das Velhas, incluindo a Região Metropolitana de Belo
Horizonte, há inúmeros povos e comunidades tradicionais, dentre eles, indígenas,
quilombolas, ciganos, tropeiros, carroceiros, quitandeiras, faiscadores, apanhadores
de flores de sempre- vivas, povos de terreiro, vazanteiros, geraizeiros, pescadores
artesanais, agricultores familiares, dentre outros, que precisam ter seus direitos
integrais respeitados e a sua visibilidade social garantida;

d) Reitera-se que os povos tradicionais são os principais protetores das águas, de suas
memórias e da sua biodiversidade – proteger e recuperar o rio passa obrigatoriamente
em respeitar e cuidar dos nossos povos tradicionais.

Projeto Manuelzão-UFMG.
Instituto Guaicuy-SOS Rio das Velhas.

Página Inicial

Voltar