Cartilha digital do governo sintetiza tentativa de reparação por desastre-crime de Brumadinho - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Cartilha digital do governo sintetiza tentativa de reparação por desastre-crime de Brumadinho

01/03/2023

“Não existe nenhum favor, não são benefícios gerados por ação de governo”, avalia o coordenador do Projeto Manuelzão Marcus Vinícius Polignano

[Texto de Mariana Duarte e Fernanda Brescia para o site do Instituto Guaicuy, publicado no dia 28 de fevereiro; edição e revisão são de Fernanda Brescia e Joana Tavares.]

O Governo do Estado de Minas Gerais, por meio do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, lançou uma cartilha digital com dados sobre as ações realizadas nos últimos dois anos, após a assinatura do Acordo de Reparação às pessoas e às regiões atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019.

Em 29 páginas, o documento intitulado “Reparação Brumadinho Fevereiro de 2023” elenca quais ações foram tomadas e mostra valores usados nos processos de reparação nas comunidades das 26 cidades que tiveram danos com o desastre-crime.

O diretor institucional do Instituto Guaicuy, Marcus Polignano, relembra que, mesmo com estas ações, “ainda há pessoas atingidas brigando por coisas essenciais, como água para abastecimento, água para dessedentação de animais; há pessoas que no dia a dia ainda sofrem com a impossibilidade da utilização do rio, do consumo do peixe, do comércio e de atividades que dependiam da convivência com o rio, como turismo, pesca e tudo o que foi lesado”.

Ele avalia que essas ações divulgadas pelo governo de Minas devem ser vistas como resultado da tentativa de reparar comunidades e regiões que tiveram direitos violados e defende que o Poder Público seja efetivo na fiscalização das barragens para evitar que esse tipo de desastre-crime volte a acontecer. “Não existe nenhum favor, não são benefícios gerados por ação de governo; são, nada mais nada menos, que a tentativa de reparação de um estrago, de um dano gigantesco provocado por este crime socioambiental causado pelo rompimento da bagagem da Vale. Não há como pensar em beneficiários deste sistema, mas apenas em pessoas que precisam ser reparadas pelo desastre”.

Foto divulgada pelo Governo de MG mostra fiscais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
(Sisema) vistoriando pontos de dragagem do Rio Paraopeba. Foto: divulgação/Governo de MG

Transparência

Para a assessora-chefe de relacionamento institucional do Instituto Guaicuy, Paula Oliveira, a cartilha divulgada pelo governo de Minas vem em um momento importante, uma vez que são necessários instrumentos e transparência para acompanhar o cumprimento do Acordo assinado em 04 de fevereiro de 2021, através do qual foram definidas obrigações de fazer e de pagar da Vale, visando a reparação integral dos danos, impactos negativos e prejuízos socioambientais e socioeconômicos causados em decorrência do rompimento e seus desdobramentos. Mas ela destaca que é importante lembrar que sempre houve críticas das pessoas atingidas sobre falta de participação na concepção do acordo.

Durante meses, o teor do acordo foi mantido em sigilo pela Vale e pelo Poder Público. Não houve participação das pessoas atingidas pelo rompimento na discussão do Acordo, tampouco das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que dão apoio às comunidades na busca por seus direitos. Apenas as Instituições de Justiça que representam as vítimas no processo judicial participaram das negociações com o governo mineiro e com a mineradora.

“E mesmo após a celebração e implementação do acordo, uma das principais questões enfrentadas, por exemplo, é a falta de transparência e dificuldade de acesso à informação. O acordo tem muitos anexos e não há um lugar unificado para acesso a todas as informações de forma mais detalhada, para o acompanhamento das ações. Mesmo as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) têm dificuldade para acessar informações sobre as ações do acordo”, explica Paula.

Um dos aspectos mais questionados pelas pessoas atingidas é que o valor acordado com as Instituições de Justiça e a Vale para as medidas de reparação beneficiou não apenas os atingidos pelo desastre-crime, mas a população mineira como um todo, como consta no site do Comitê Gestor Pró Brumadinho:

“O valor global definido para as medidas de reparação foi R$ 37.689.767.329,00 (trinta e sete bilhões, seiscentos e oitenta e nove milhões, setecentos e sessenta e sete mil, trezentos e vinte e nove reais). Este montante tem sido direcionado a diversas frentes, incluindo e priorizando medidas socioeconômicas e socioambientais para a região atingida; além de ações direcionadas a outras localidades do Estado de Minas Gerais, contemplando também uma compensação a toda a população mineira.”

Dentro do Anexo 1, relativo à reparação sócio-econômica, existe o Anexo 1.3, voltado ao fortalecimento de políticas públicas nos municípios atingidos. Todavia, percebe-se que os projetos do anexo 1.3 são majoritariamente direcionados para as sedes dos municípios prejudicados pelo desastre da mineradora. Ou seja, “as comunidades atingidas propriamente ditas não necessariamente serão beneficiadas pelos projetos”, detalha Paula. “O que se vê até o momento é muito pouco benefício direto para as comunidades atingidas”.

Ela conta que o Guaicuy e as outras ATIs e colocaram em diversas reuniões com o CPB o pleito de  acesso a informações mais detalhadas sobre os projetos. “Por exemplo, quando fosse entregue um maquinário para a prefeitura, pedimos que isso fosse informado às pessoas atingidas e às ATIs para que possam repassar a informação, para que as pessoas possam fazer pressão para que aquelas máquinas sejam usadas, por exemplo, nas estradas de acesso às comunidades atingidas. Seria uma forma de controle social, mas infelizmente este fluxo de transparência, de uma informação mais objetiva e direta de interesse das pessoas atingidas não chegou a ser implementado até o momento”, avalia Paula.

Desastre-crime

O rompimento da barragem de rejeitos da Vale tirou 272 vidas e gerou uma série de impactos sociais, ambientais e econômicos na bacia do Rio Paraopeba, na Represa de Três Marias e em comunidades de São Gonçalo do Abaeté e Três Marias que são banhadas pelo Rio São Francisco.

O desastre-crime ocorreu em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019. A reparação integral dos danos causados às pessoas destas localidades, e da região, é uma luta constante de inúmeras famílias que buscam justiça. E o Guaicuy dá suporte a dez dos 26 municípios prejudicados: Curvelo e Pompéu (Região 4); e Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias (Região 5).

Veja abaixo as principais informações apresentadas pelo governo de Minas na cartilha:

Programa de Transferência de Renda (PTR)

O PTR é um valor pago mensalmente às pessoas atingidas ou prejudicadas pelo rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão desde novembro de 2021. Ele foi previsto no acordo feito entre as Instituições de Justiça, Estado de Minas Gerais e Vale. O objetivo é garantir condições materiais para as populações que vivem nas comunidades delimitadas como atingidas, enquanto aguardam pela reparação integral. A duração será de aproximadamente quatro anos.

Segundo dados apresentados pelo Governo do Estado na cartilha, o PTR, que é gerido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), atendeu 110 mil beneficiários e mais de R$ 1 bilhão foram transferidos para as vítimas da tragédia.

Para moradores dos dez municípios assessorados pelo Guaicuy, o valor do auxílio é de ½ salário mínimo por adulto; ¼ de salário mínimo por adolescente; e ⅛ de salário mínimo por criança.

Para residentes em Brumadinho na chamada “Zona Quente” e familiares de vítimas fatais, o valor é de um salário mínimo por adulto; ½ salário mínimo por adolescente; e ¼ de salário mínimo por criança.

O diretor do Instituto Guaicuy, Marcus Polignano, destaca que o valor do PTR é pequeno comparado aos danos causados pelo desastre-crime e diz que 110 mil pessoas não se comparam ao número de pessoas que deveriam receber o benefício para reparar prejuízos. “Tem um universo muito maior de pessoas com uma demanda reprimida. Provavelmente o dobro ou o triplo deste número de pessoas ainda não foi contemplado [com o PTR] até hoje, isso depois de quatro anos do rompimento, o que mostra a defasagem entre o que deveria ser ação e resultado”, diz.

Serviços Públicos

A cartilha diz que há hoje 130 projetos definidos pelos compromitentes (instituições que assinaram o acordo), sendo que 34 estão em execução e 96 em processo de elaboração ou avaliação. Estes projetos têm como objetivo o fortalecimento do serviço público nas regiões atingidas.

Saúde e assistência social

De acordo com as informações da cartilha, 17 salas de urgência receberam equipamentos e mobiliários. O documento não especifica quais municípios foram beneficiados com esses elementos citados. Além disso, mais de 1.500 itens, entre equipamentos, mobiliários e insumos também foram adquiridos, segundo o governo de Minas.

A cartilha informa ainda que R$ 132 milhões foi o valor estimado para o fortalecimento de equipes para os 25 municípios da Bacia do Paraopeba e R$ 261 milhões para Brumadinho. Há também uma previsão de construção de 35 unidades de saúde.

Participação

O documento cita a Consulta Popular sobre o Anexo 1.3 e Anexo 1.4, em que as pessoas atingidas e as prefeituras dos municípios atingidos apresentaram mais de 3 mil propostas de projetos. Foram apontadas, pelas pessoas atingidas, as prioridades para cerca de R$ 4 bilhões em projetos de reparação socioeconômica.

A consulta foi realizada pelo aplicativo MG App e contou com a participação de mais de 10 mil pessoas atingidas, segundo dados do governo de Minas.

Porém, vale evidenciar que a definição da destinação de recursos para os municípios atingidos pelo desastre passa pelo Estado e pelas administrações municipais. A assessora-chefe de relacionamento institucional do Guaicuy, Paula Oliveira, explica como se deu a construção do processo de participação popular.

“A gente sabe que a consulta ordinária existiu de uma forma que não foi acessível às pessoas atingidas. Foi feito um esforço enorme das ATIs para aumentar o acesso das pessoas. A consulta foi feita por meio de aplicativo, com apresentação confusa sobre eixos dos projetos e dependeu de recursos tecnológicos, de internet, sendo que as pessoas atingidas nas Regiões 4 e 5 vivem em áreas majoritariamente rurais, sem acesso a esses recursos. Então a gente sabe que este não pode ser celebrado como um exemplo de processo de participação popular, pois é um processo altamente excludente”, explica Paula.

O diretor do Guaicuy Marcus Polignano avalia que a construção do Sistema de Participação pelas pessoas atingidas, com o suporte de suas Assessorias Técnicas Independentes (Guaicuy, Aedas e Nacab), é uma boa oportunidade para garantir o protagonismo das pessoas atingidas. “A gente está apostando muito nisso e queremos que o Estado venha junto nesta proposta de que realmente, nos projetos comunitários direcionados para as comunidades atingidas [Anexo 1.1], esta questão da participação e da governança sejam efetivas e que tenham como protagonistas as pessoas atingidas. Ou seja, que elas possam ter voz e vez em processos decisórios e não somente como agentes passivos, mas como agentes ativos – que foi quem sofreu todos os danos neste processo de rompimento da barragem”, completa.

Polignano defende a aproximação das instâncias decisórias do cotidiano das vítimas do desastre, para que as demandas que chegarem sejam resolvidas com mais rapidez e para que as instituições responsáveis respondam com mais agilidade dentro do que o acordo prevê.

Reparação socioambiental

O Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba encontra-se em fase de elaboração e aprovação. A execução desse plano foi estimada em R$ 5 bilhões.

A cartilha do governo de Minas diz que, desde 2019, ações emergenciais vêm sendo tomadas para a mitigação dos impactos do desastre da Vale. Com o objetivo de cessar o carreamento de rejeitos e sedimentos do Ribeirão Ferro-Carvão para o Rio Paraopeba, foi construída uma série de estruturas de pequeno a médio porte, conforme indicado no documento.

E ainda de acordo com a cartilha, no âmbito da conservação da biodiversidade, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) acompanha as ações de manejo de animais terrestres e aquáticos e ações de resgate e salvamento de animais silvestres e domésticos na região atingida.

Obras rodoviárias

Segundo o governo, foi iniciada a obra de pavimentação do trecho São José da Varginha, em Esmeraldas (MG – 060) e houve também a assinatura de um contrato para pavimentação do trecho Papagaios, em Pompéu (MG-060).

Além das obras de pavimentação e de outros pontos tocados anteriormente, na cartilha do Governo de Minas Gerais ainda são apresentadas outras informações sobre a compensação socioambiental dos danos já conhecidos (Anexo II.2) e sobre Projetos de Segurança Hídrica (Anexo II.3).

Outro ponto colocado pelo Governo do Estado foi a retomada da execução dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico, após revisão da metodologia pelo Ministério da Saúde. Isto ocorreu com apoio do poder público municipal e das instituições que representam as pessoas atingidas na Justiça -, por meio das Assessorias Técnicas Independentes que dão suporte às vítimas (como o Guaicuy, por exemplo) e foram mapeadas as lideranças das comunidades das áreas-alvo dos Estudos.

Além de imagens dos locais onde estas ações foram realizadas, a cartilha digital do governo de Minas traz informações detalhadas de valores dos repasses de recursos para o Poder Executivo, uma obrigação de pagar da Vale. Há informações sobre o valor previsto no acordo (R$ 11.185.000.000,00) e sobre os valores ingressados nos cofres públicos até 31/12/2022, receita principal e valor empenhado.

Clique aqui e leia a cartilha digital divulgada pelo governo de MG: Reparação Brumadinho – Fevereiro de 2023″.

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