Casos de febre amarela aumentam em Minas Gerais e geram apreensão

18/01/2017

Nos últimos anos com maior registro de casos confirmados haviam sido 2009 (47, sendo 28 em São Paulo) e 2008 (44; 12 no Distrito Federal). Desde 2009, Minas Gerais não registrava uma única ocorrência humana de contágio dentro do Estado.

Erradicada
do meio urbano brasileiro desde 1942 e sem números significativos de casos em
áreas rurais desde 2009, a febre amarela voltou a trazer preocupações para as
autoridades sanitárias do Brasil. Um surto da doença no interior de Minas Gerais pode ter relação com 47
mortes desde o início deste ano, sendo que 22 delas já são consideradas como
“prováveis” (quando já houve um exame positivo para o vírus, mas investigações
mais aprofundadas ainda estão sendo feitas antes da confirmação). Além disso,
segundo dados divulgados na tarde desta segunda-feira, os serviços de saúde no
Estado já notificaram 152 casos suspeitos da doença (37 deles prováveis) em 24 municípios – 14% a mais do que o
registrado há três dias. O aumento contínuo de casos desde o início do ano fez
com que o Estado declarasse, no último dia 12, situação de emergência em saúde
pública, uma decisão que possibilita compras e contratações de pessoas sem
licitação.

Para o
coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, o aumento no número
de casos pode estar relacionado a tragédia de Mariana, pois com a extensão do
desastre pode ter havido um desequilíbrio ambiental. “E isso pode ter causado a
migração dos animais que proliferação a doença”, disse.     

Segundo o jornal El país, essas ocorrências tiverem
como causa confirmada a doença, elas elevarão, e muito, o número de registros
de febre amarela no país nos últimos anos. Entre julho de 2014 e dezembro de
2016, o Ministério da Saúde confirmou a ocorrência de 15 casos, a maior parte
deles em Goiás (9). Estes dois anos e meio são considerados pelo órgão como o
período de “reemergência do vírus na região extra-amazônica”, segundo um boletim. Antes,
os últimos anos com maior registro de casos confirmados haviam sido 2009 (47,
sendo 28 em São Paulo) e 2008 (44; 12 no Distrito Federal). Desde 2009, Minas
Gerais não registrava uma única ocorrência humana de contágio dentro do Estado.
“Devido ao número de casos e de municípios envolvidos, podemos afirmar que
este é o maior surto da doença ocorrido em Minas Gerais até o momento”,
afirmou o subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde do Governo, Rodrigo
Said. Ele ressalta que os números devem aumentar no decorrer da semana, pois
muitos sistemas ainda estão fazendo a notificação oficial.

O
surto de febre amarela em Minas é no meio rural e não urbano. A doença é
habitual em macacos, que a transmitem ao serem picados pelos mosquitosHaemagogus e Sabethes, que residem na mata.
Esses mosquitos se contaminam ao picar macacos doentes e, assim, se tornam os
vetores da doença, podendo transmiti-la para outros macacos e para humanos. A
picada deles, entretanto, acontece apenas em áreas rurais. “As primeiras
notificações da doença nos mostram que são casos de pessoas que residem muito
perto de áreas de mata”, explica Said.

Apesar
de estar em uma área considerada de preocupação para a doença, desde um surto
ocorrido no final de 2002 que deixou 23 mortos, Minas Gerais ainda tem uma
cobertura vacinal contra a febre amarela baixa, o que contribuiu para que a
doença se espalhasse, destaca o subsecretário. Segundo ele, já foram enviadas
667.000 doses de vacina para a região do surto, outras 450.000 devem chegar até
a próxima quarta-feira e mais um milhão foram pedidas para o Ministério da
Saúde. “Temos uma grande preocupação em evitar a chegada da doença na área
urbana”, explica.

A
chegada da doença em meio urbano, onde ela não circula há mais de 70 anos,
poderia ser catastrófica. Nestes ambientes, o transmissor da doença é o
popular Aedes aegypti,
responsável pela transmissão da zika (que causou uma epidemia de microcefalia),
chikungunya e dengue, doenças com surtos frequentes no país, o que mostra que a
proliferação deste mosquito está bastante descontrolada. Para que a transmissão
urbana da febre amarela ocorra, é preciso que uma pessoa infectada na área
rural circule pelo meio urbano e seja picada por um Aedes. O mosquito, então,
passaria a contaminar todos que não estejam vacinados ou que não tenham
contraído a doença antes, o que já serve como imunização natural.

“Isso
é uma grande preocupação, especialmente porque as áreas urbanas estão
infestadas de Aedes aegypti, que
também é transmissor da febre amarela”, afirma Marcia Chame, bióloga
da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). Coordenadora do Programa Institucional Biodiversidade e Saúde
Silvestre da instituição, ela afirma que a não proliferação da febre amarela em
meios urbanos brasileiros até agora é uma espécie de enigma para
os pesquisadores. “Por que isso ainda não aconteceu? A gente também não
sabe, não tem explicação. Pode acontecer a qualquer momento, a preocupação
é enorme. A gente está vivendo zika, chikungunya e dengue com um hospedeiro que
tem potencial para transmitir febre amarela”, ressalta ela.  

Degradação
ambiental

Não se
sabe exatamente o que pode ter causado o atual surto em Minas Gerais, nem o
aumento de casos extra-amazônicos da doença no país nos últimos anos. O
infectologista Celso Granato, do Fleury, afirma que existe um ciclo natural da
febre amarela entre os macacos, que varia conforme o clima e a época. “O
período de chuva facilita a procriação do mosquito e quando aumenta muito a
população de macacos tende a haver mais surtos, já que eles são extremamente
sensíveis à febre amarela”, explica. O surto em Minas foi precedido pelo
aumento de morte de primatas contaminados pela doença tanto em áreas mineiras
como no Espírito Santo. “A ocorrência de aumento de febre amarela na
floresta é esperado. O que não é esperado é que ela passe para a população
humana”, ressalta Granato. Para ele, o aumento de casos entre os humanos
têm, provavelmente, relação com a diminuição da cobertura vacinal. 

“A degradação acaba levando ao sumiço de
espécies que estão dentro de uma mata. As que conseguem sobreviver são,
geralmente, as que tem uma capacidade maior de viver em ambientes
degradados”

A
pesquisadora da Fiocruz ressalta que outro fator importante a ser considerado é
a questão ambiental. “Fora da Amazônia, o que a gente observa é que esses
surtos estão sempre relacionados a lugares de fragmentos de matas muito
pequenos. A gente vem trabalhando com uma modelagem matemática pesada e
relacionando esses surtos com 7.200 parâmetros ambientais, mas ainda não
conseguimos chegar a uma resposta [para as causas do aumento]. A dinâmica da
doença é complexa. Mas sabemos que em outras doenças transmitidas com vetores
há relação da degradação ambiental com o aparecimento dessas doenças”,
afirma ela. “A degradação acaba levando ao sumiço de espécies que estão
dentro de uma mata. As que conseguem sobreviver são, geralmente, as que tem uma
capacidade maior de viver em ambientes degradados e, normalmente, elas são boas
transmissoras de doença”, explica. “Acaba sendo um cenário comum: a
perda da biodiversidade levando a uma simplificação do ambiente, com poucas
espécies. Os mosquitos, encontrando um número menor de indivíduos [macacos],
vão buscar sangue humano.”

A área
onde ocorre o surto atual é próxima do local onde houve o maior desastre ambiental do país: o
rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, que completou um ano em novembro
passado. O rejeito da barragem chegou até Linhares, litoral do Espírito Santo.
A pesquisadora afirma, entretanto, que não é possível correlacionar os dois
episódios, já que não existem estudos sobre o tema. “O desastre de Mariana
é mais um fator de degradação que deve ser considerado na análise, mas ninguém
pode dizer que é o único”, ressaltou ela. Em nota, a Fundação Renova,
criada para cuidar dos danos da tragédia pela Samarco, gestora da barragem,
afirmou que “irá mobilizar especialistas para promover um painel de
debates em torno do assunto”. “Trata-se de uma fronteira de
conhecimento e a Renova acredita que o avanço científico deve ser buscado, de
forma compartilhada, em prol da coletividade, independentemente de uma possível
relação entre os episódios atuais e o rompimento da barragem”, destacou.

Site: El país

 

Página Inicial

Voltar