04/09/2020
Um dos grandes desafios da pandemia, no Brasil, tem sido o conflito que se estabeleceu entre a ciência e o negacionismo
Em 11 de março, a OMS declarou o Covid 19 como pandemia. Com o primeiro óbito ocorrido no Brasil em 17 de março e a declaração da existência de transmissão comunitária feita pelo Ministério da Saúde em 20.03.2020 começou um grande debate político em função da importância da coronavírus como doença, e as ações de quarentena propostas pela OMS, respaldada pelo Ministério da Saúde e os diversos decretos impondo quarentena pelos governadores e prefeitos, dentro de competências legais instituídas pela constituição federal.
Neste período o posicionamento contra o isolamento social como medida de diminuição de progressão da epidemia foi capitaneada pelo presidente Bolsonaro, que no dia 24 de março faz uma declaração contra o isolamento.
Na contramão de todas as ações o governo através ensaiou uma campanha denominada “O BRASIL NÃO PODE PARAR”. A justiça federal suspendeu a campanha e o governo afirma que a campanha era fake news.
A alternativa sugerida pelo presidente Bolsonaro foi o isolamento vertical, em que apenas os grupos de risco, idosos e pessoas que já possuem outras doenças crônicas manteriam o isolamento. No entanto, não há comprovação científica da eficácia desse método.
Contrariando as recomendações das autoridades de saúde, o presidente foi às ruas, sem qualquer medida de proteção, agindo como garoto propaganda contra o isolamento social.
No dia 28 de março, o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta optou por manter o isolamento social como medida essencial para evitar a disseminação da doença e assumiu um protagonismo importante na crise, trazendo para si o comando nacional do processo.
De certa forma, valorizando a organização do SUS, com a descentralização das ações e gestão, mas sob as diretrizes do
ministério. Trouxe consigo os conhecimentos científicos, a transparência das informações, a valoração dos pesquisadores nacionais e de instituições sérias e centenárias como Fundação Oswaldo Cruz.
O apoio às medidas de contenção do novo Coronavírus veio também do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu que o governo federal descumpra regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para realizar ações de combate à doença.
Em abril, o número de pacientes infectados com Covid-19 começou a subir, atingindo 10 mil casos confirmados. Outros problemas surgiram, como a falta de equipamentos de proteção individual nos hospitais, a carência de testes e a subnotificação de casos.
O presidente continuou indo às ruas, cumprimentando apoiadores e criticando o próprio ministro. Enquanto isso, a doença avançava pelo mundo, com mais de 1 milhão de casos e 50 mil vítimas fatais – números que o Brasil alcançaria, sozinho, em junho.
Ainda na primeira semana do mês de abril, o STF decidiu que estados e municípios teriam autonomia para adotar medidas de isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras, independentemente de ordens contrárias do governo federal.
No dia 16.04 o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, após uma série de embates, foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, que indicou o oncologista Nelson Teich para ocupar o cargo. O novo ministro ocupou o cargo por somente 28 dias, saindo principalmente pela discordância quanto uso da cloroquina no controle da pandemia.
Em maio, indo contra as recomendações da OMS, que alertava para os efeitos colaterais do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19, o ministro interino da saúde, general Eduardo Pazuello, assinou um protocolo para uso do medicamento no SUS, até em casos leves. Ocorre uma militarização do ministério sendo que os principais cargos executivos passam para mão de militares, o que enfraquece a governança e protagonismo do Ministério da Saúde na gestão da pandemia.
O mês de abril terminou com meio milhão de casos confirmados, e logo no início de junho a nova gestão do Ministério da Saúde tentou alterar a divulgação dos dados da pandemia o que gerou manifestações contrárias e o STF obrigou o Ministério a manter da forma como vinha sendo feita. Isso quando o Brasil se tornou o segundo país com mais casos acumulados de Covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos.
Em plena crise de aumento de infectados e de mortos, o presidente Bolsonaro continuou criticando as medidas de isolamento, apoiando e participando de manifestações públicas sem uso de medidas protetivas, criticando governadores, Congresso Nacional e STF e flertando com movimentos que pediam a intervenção militar e volta o do AI-5.
Ou seja, a crise da Covid-19 descambou para uma crise da democracia do Brasil. E, enquanto isso, cidades e estados começam a adotar medidas de reabertura, mesmo que a curva de contágio ainda esteja em ascensão.
O que é a OMS?
A OMS (Organização Mundial da Saúde) é uma agência especializada em saúde, subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é garantir o grau mais alto de Saúde para todos os seres humanos, entendendo a saúde como um estado completo de bem-estar psicológico, físico, mental e social. Essa organização proporciona a cooperação técnica a seus membros na luta contra as doenças e em favor do saneamento, da saúde familiar, da capacitação de trabalhadores na área de saúde, do fortalecimento dos serviços médicos, da formulação de políticas de medicamentos e pesquisa biomédica.
Daniela Souza e Marcus Vinícius Polignano
Texto publicado originalmente na Revista Manuelzão 87.
Crédito da imagem: Bombuscreative/istock