05/08/2021
Equipe do projeto Cultivando Águas visitou, nos dias 17 e 18 de julho, as comunidades de Quilombo Tira Barro, Morada Nova, Santa Maria, Boqueirão e Brejo
A equipe do Cultivando Águas visitou, nos dias 17 e 18 de julho, uma das localidades selecionadas para a instalação de cisternas de uso coletivo, que garantirão às populações contempladas o direito fundamental ao acesso à água de qualidade. Trata-se do município de Lassance, na Região Norte de Minas Gerais, onde os coordenadores do Manuelzão atuam há mais de 25 anos, desde antes da criação do projeto. Por lá, serão construídas cinco cisternas com a capacidade de armazenar 52 mil litros de água da chuva, captada através de um sistema de calhas instalado em telhados.
Cinco diferentes comunidades de Lassance receberão as cisternas: Quilombo Tira Barro, Morada Nova, Santa Maria, Boqueirão e Brejo.
O município, apesar do volume de águas do rio das Velhas na região, enfrenta problemas cada vez mais pungentes no seu cotidiano e tem convivido com secas prolongadas e a intensificação de crises hídricas. Lassance está no Baixo Rio das Velhas, região que compreende dos municípios vizinhos de Curvelo, Corinto, Monjolos Gouveia e Presidente Kubitscheck até Várzea da Palma e Pirapora, no encontro do Velhas com o rio São Francisco,
Élio Domingos, consultor do projeto Cultivando Águas e que há muito atua com as comunidades da região através do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e, agora, com o Instituto Guaicuy, observa que a população de Lassance já relata o fluxo intermitente de alguns cursos d’água da região, que não correm de forma perene durante todo o ano.
Segundo ele, as comunidades têm uma relação muito próxima com as águas que passam pelo território, já que muitas delas atuam na produção de fumo, frutos e outros cultivos, além de necessitarem da água para garantir a alimentação familiar de muitas pessoas. Importantes afluentes do rio das Velhas passam ou nascem no território de Lassance, como o ribeirão do Cotovelo e os córregos São Gonçalo, do Vinho e da Taboquinha.
Nesse contexto de insegurança hídrica, o Cultivando Águas retornou às cinco comunidades de Lassance para definir os locais onde serão construídas as cisternas de 52 mil litros, utilizadas para armazenar a água da chuva por longos períodos.
A primeira visita foi realizada em abril, quando a equipe ainda identificava os territórios que receberiam as cisternas, procurando àquelas quem tem o direito ao acesso à água violado. Entre os critérios da escolha também está o potencial para que a tecnologia das cisternas fosse replicada na região, em conjunto com outros processos coletivos.
Nessa segunda visita a campo, haviam três objetivos principais: dar o retorno às comunidades escolhidas pelo projeto; definir onde serão construídas as cisternas em cada território e aprofundar os processos de mobilização e comunicação com os moradores e moradoras.
A saída de Belo Horizonte foi tranquila. Devido às medidas de segurança relativas à pandemia, a equipe do projeto Cultivando Águas se dividiu em dois carros. Com os vidros abertos, as máscaras nos rostos e o álcool em gel nas mãos, partiram rumo à Lassance, na manhã de sábado, 17.
A equipe percorreu uma estrada de terra para a primeira visita da viagem: a comunidade do Boqueirão. À direita do caminho, a extensa Serra do Cabral se contrastava com o céu azul e limpo, que clareava a manhã. Vista do mapa satélite, a comunidade do Boqueirão tem suas casas organizadas ao redor de uma grande área descampada, onde se localiza a igreja do território. Ao seu lado, duas enormes árvores refrescam o seco da terra.
A equipe foi recebida recebidos por João Alberto, presidente da Associação de Moradores, e Elbertinho, responsável pela gestão da igreja. Após uma conversa sobre as próximas etapas do projeto e os arranjos para a realização das oficinas de educação ambiental, mediu-se o telhado e o espaço adequado para a construção da cisterna.
O extenso telhado da igreja é ótimo para captar uma grande quantidade de água, necessária para encher a cisterna. Sua posição central na comunidade é ideal para que todos tenham facilidade em pegar a água. Além disso, já que será construída em um local de livre acesso, o espaço permite que todos da comunidade (independente da crença religiosa), possam se beneficiar da água armazenada.
João e Elbertinho falaram um pouco sobre a realidade hídrica do povoado, que depende de um poço artesiano para ter o acesso à água. Esse poço, que tem sua vazão diminuída a cada ano, traz insegurança, pois a bomba elétrica pode estragar, o que já aconteceu, a energia elétrica pode cair, o que deixa a comunidade em risco de falta de água.
Em expectativa à implementação da cisterna, João Alberto disse à equipe: “quanto mais projetos, mais cisternas e mais tecnologias tivermos para aproveitar a água da chuva, melhor. Serão muito bem vindas e ótimas para comunidade, para nós e para os que virão no futuro”.
De volta à estrada de terra, a equipe do Cultivando Águas rumou à comunidade de Brejo. Lá, foram recebidos por Marco Antônio da Silva, presidente da câmera de Lassance e produtor rural no Brejo, juntamente com sua irmã Vera.
A comunidade do Brejo, assim como a do Boqueirão e de Morada Nova, fica próxima do Ribeirão do Cotovelo, importante curso d’água para o cultivo de alimentos e fumo na região. Silva disse que a comunidade depende do uso de poços artesianos para ter acesso à água, já que o Cotovelo não tem o seu fluxo constante. Contaminada, a água desse afluente do Velhas também apresenta riscos para o uso doméstico e para os cultivos.
Discutindo os possíveis espaços que poderiam receber a cisterna, foi acordado que a melhor opção seria no Centro Festivo São Sebastião, já que as outras possibilidades se mostravam incertas em relação a outras obras que seriam feitas. O centro é utilizado para diversas atividades culturais e festivas do povoado, sendo conhecido pela realização de grandes festas da região.
Chegando ao local, a equipe se deparou dois enormes telhados que conseguem “rapidamente” captar toda a água necessária para encher a cisterna. A água captada poderá será direcionada para as atividades do espaço, não obstante, o seu fácil acesso também permite que seja utilizada pela população em casos de emergência. Outro fator importante é a visibilidade que a cisterna terá ali, sendo uma referência para que a tecnologia seja replicada em outros espaços.
Ainda no sábado, a equipe partiu rumo à última visita do dia, no Quilombo Tira Barro. Para chegar no povoado, é preciso atravessar o rio das Velhas por uma balsa, trajeto curto, mas que permite vislumbrar a beleza das águas no leito do rio e vegetação que por ali cresce.
A presidente da Associação de Moradores das Comunidades Quilombolas de Tira Barro e João Martins, Eliana Pereira, acompanhou a visita da equipe. Ela falou sobre a realidade do Tira Barro: “enfrentamos o problema da escassez de água na nossa comunidade, porque nós temos o rio, mas infelizmente o nosso rio é poluído. E temos poços artesianos, mas com a chegada de muita gente na comunidade, acredito que no futuro não terá água para todos”, lamentou.
Seu filho, Gustavo Araújo, diretor da Escola Estadual Carlos Chagas, em Lassance, também participou da conversa. Para ele, a construção da cisterna “vai ser uma das alternativas para a gente lidar e viver com a questão da seca, porque como nós já estamos inseridos nesse contexto, não dá para fugir. É preciso criar alternativas para lidar com a falta d’água e essa cisterna vai ser uma estratégia, mais uma salvação para ajudar as pessoas a terem mais disponibilidade de água para uso em suas casas e hortas”.
Araújo também contou que apenas recentemente o Tira Barro, comunidade remanescente de quilombo, teve o seu direito de auto reconhecimento quilombola certificado pelo Estado Brasileiro, processo iniciado no ano de 2017.
Após um prato de mingau de milho verde, Gustavo levou a equipe à escola que irá receber a cisterna. Depois de medir os telhados e o espaço disponível para a construção, todos aprenderam a abrir as castanhas de uma enorme árvore de Baru, ao lado da escola. Com todas as medidas e conversas alinhadas, a equipe retornou a um hotel no centro urbano de Lassance para descansar.
Na manhã de domingo, logo cedo, a comunidade de Morada Nova foi visitada. Edmundo da Silva, vereador de Lassance e morador do povoado, recebeu a equipe com um café-da-manhã em sua padaria. Também estavam presentes Patrícia Rocha, diretora da Escola Municipal Ermelinda Gomes Carneiro; e Délcio, presidente da Associação de Moradores de Morada Nova.
O projeto foi apresentado e suas próximas etapas discutidas. Os anfitriões falaram sobre a realidade local e tiveram suas dúvidas esclarecidas. A escola que fica no povoado foi o espaço selecionado para a instalação da cisterna. Guiada por Silva e Patrícia, a equipe visitou a escola para tirar as medidas do telhado e da área da cisterna, além de conhecer o seu bonito interior.
Na biblioteca, foi falado mais sobre a insegurança hídrica que a comunidade vive. O vereador disse que para suprir a falta de água, “todo ano vêm caminhão pipa nos auxiliar, pois a água que vêm dos córregos é escassa nessa época do ano. A demanda é maior que a oferta e os pipas abastecem a comunidade, esse é o nosso socorro”. Sobre a construção da cisterna na escola, a diretora Patrícia falou da necessidade de ampliar os conhecimentos aprendidos “para os educandos, suas famílias e para a comunidade de um modo geral”.
A última visita na viagem foi à comunidade de Santa Maria. O território é próximo do córrego Taboquinha, afluente do Velhas que tem sofrido com a seca severa, chegando ao ponto de ter o seu fluxo completamente interrompido, ou “cortado”, como falam popularmente os moradores da região.
A equipe foi acompanhada por Cleiton Coelho, presidente da associação de moradores local, que a levou ao novo posto de saúde do povoado. Com as medidas realizadas cuidadosamente, foi possível identificar um espaço na parte posterior do posto, que vai receber a grande cisterna de 52 mil litros, que têm 8 metros de diâmetro.
Para discutir mais profundamente os próximos passos do projeto, a equipe avaliou o terreno da igreja da comunidade, espaço amplo que poderá ser utilizado nas oficinas de educação ambiental. Lá, encontraram Cristina e Albertino, um casal de moradores de Santa Maria que participa da associação. Com muito entusiasmo, o casal procurou compreender melhor o projeto e se disponibilizou a ajudar no processo de mobilização e construção da cisterna.
A equipe também falou do interesse de capacitar pedreiros da comunidade para que possam replicar a tecnologia da cisterna em outros lugares. Coelho e Albertino, que já possuem experiência em construção, se interessaram na ideia.
Cristina disse que gosta e quer fazer parte do braço educativo e da luta pelo meio ambiente, ressaltando que o projeto será “um momento de conscientização da população sobre a necessidade da preservação do meio ambiente e de cuidar e evitar o desperdício de água”, o que será muito importante para a comunidade.
Apreciando o seu interesse e vontade de ajudar, a equipe do projeto também ressaltou que o mutirão de construção e a capacitação técnica é voltada para todas as pessoas da comunidade, sendo a presença de mulheres incentivada pelo projeto. As experiências de construção de cisternas no semiárido brasileiro, através dos programas da Articulação do Semiárido (ASA), capacitou diversas mulheres cisterneiras com a técnica construtiva da cisterna, sendo uma das principais forças de replicação da tecnologia na região.