09/10/2025
Comissão especial aprova retirada do referendo popular em meio a protestos e mais de 12 mil manifestações contrárias
Com mais de 12 mil manifestações contrárias em consulta pública, uma Comissão Especial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou nesta quarta-feira, 8, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, que extingue a necessidade de referendo popular para a venda da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
A decisão, após dias de turbulência política, adiamentos sucessivos e forte mobilização popular, representa um avanço significativo do governo Zema no projeto de privatização da Copasa, o PL 4380/25, protocolado pelo vice-governador Matheus Simões (Novo/PSD) em setembro.
Recebido na Assembleia no último dia 25, o projeto também previa, originalmente, a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). O texto foi alterado após articulação do presidente da ALMG, Tadeu Martins Leite (MDB) e atualmente propõe apenas a privatização da Copasa e o uso dos recursos da venda no Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).
A PEC 24/2023 representa um ataque direto ao princípio democrático inscrito na Constituição Estadual desde 1989, que condiciona a privatização de empresas públicas à consulta popular. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta agora aguarda votação em plenário, último obstáculo antes de tornar possível a venda dos 51% de participação estadual na Copasa sem a necessidade de ouvir os mineiros.
“Retirar o referendo é retirar o direito de uma empresa pública que é essencial para manter a qualidade da água que é servida aos mineiros”, declara o coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano. “É inadmissível transformar isso em um monopólio privado, cujo objetivo é fazer disso uma mercadoria e estabelecer preço de mercado muito além do que se paga pela água; o que se paga é pelo tratamento, pela qualificação e não pelo lucro simples”.
Ainda no ano passado, Simões declarou que o dinheiro arrecadado com a venda seria dividido entre os municípios que possuem contratos de prestação de serviço com a companhia. Na ocasião, ele alegou grande necessidade de investimento na área de saneamento, embora dados da Copasa demonstrem desempenho positivo da empresa pública.
Uma pesquisa da Quaest realizada em dezembro mostrou que 51% dos mineiros rejeitam a venda da Copasa, 37% são favoráveis e 12% indecisos. Mesmo entre os eleitores de Zema, a taxa de desaprovação da proposta é maior. Além disso, a eficiência da empresa pública vem sendo reconhecida: em 2024, teve um índice de satisfação do cliente de 76,8%, o maior desde 2021.
O discurso oficial do governo em favor da privatização da companhia, além da suposta necessidade de recursos, é o cumprimento das metas do Marco Legal do Saneamento, a Lei 14.026/2020, que prevê a universalização dos serviços até 2033. Segundo dados de março da Agência Minas, a Copasa já superou a meta de garantir água potável para 99% da população e alcançou 78,2% no índice de coleta e tratamento de esgoto.
Sob uma política de extrema direita, o governo de Minas parece determinado a replicar o modelo adotado em São Paulo. Sob a gestão de Tarcísio de Freitas a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi privatizada em julho do ano passado, decisão que gerou controvérsias e temores quanto ao aumento de tarifas e à redução da qualidade dos serviços.
A experiência brasileira e internacional de privatização de serviços essenciais aponta invariavelmente para o mesmo desfecho: deterioração da qualidade, aumento vertiginoso das tarifas e subordinação do acesso a direitos básicos à lógica do lucro.
“Nós precisamos garantir o acesso universal das populações à água de qualidade, tratada, como a Copasa o faz, a um preço justo”, defende Polignano. “Nós não podemos permitir que privatização concretize a comercialização desse bem tão essencial à vida”.
Um novo decreto federal do Propag prorrogou até o final de 2026 o prazo para federalização de estatais. A medida, publicada na terça-feira, 6, levou à suspensão temporária das discussões na ALMG, a fim de compreender as implicações das novas condições de pagamento da dívida estadual.
A aprovação na comissão especial da PEC 24/2023, chamada “PEC do cala a boca”, abre caminho para a votação em plenário, onde serão necessários dois turnos de votação e o voto favorável de 2/3 dos deputados para a aprovação. Paralelamente, o PL 4380/25, que autoriza especificamente a privatização da Copasa, aguarda tramitação nas comissões temáticas.
Movimentos sociais, sindicatos, entidades ambientalistas e setores da sociedade civil seguem mobilizados para impedir a privatização e defender o acesso à água como direito inalienável. Até o fechamento desta notícia, a consulta pública da ALMG já contabilizava mais de 8 mil votos contra e apenas 154 favoráveis à proposta. A manifestação pode ser feita diretamente no site da Assembleia.