Cultivando Águas: autonomia comunitária e segurança hídrica através da construção de cisternasProjeto Manuelzão

Cultivando Águas: autonomia comunitária e segurança hídrica através da construção de cisternas

20/07/2021

Com foco na implementação de tecnologias sociais de acesso à água e na educação ambiental, o projeto prevê a construção de 8 cisternas em comunidades da Bacia do Rio das Velhas

[Imagem da capa: A Escola Municipal Furtado Leite, na comunidade Pereiros, em Nova Russas, Ceará, recebe uma cisterna – Divulgação MDS/Cáritas/Crateús.]

A emergência hídrica se mostra cada vez mais presente no cotidiano e nos noticiários brasileiros. A escassez de água agora atinge cidades e parcelas da população que nunca haviam se preocupado com isso, revelando o agravamento da crise associada à falta de chuvas. Nesse cenário de urgência, além de identificar e debater questões mais amplas sobre a preservação do meio ambiente e a gestão das águas, é essencial buscar soluções populares e eficazes, que possam garantir a segurança hídrica de forma mais prática e imediata.

Nesse contexto, o Manuelzão está desenvolvendo o Projeto Cultivando Águas, com foco na implementação de tecnologias sociais de acesso à água. Em sua primeira atuação, que será desenvolvida até o final deste ano, o projeto vai construir 8 cisternas de placas em comunidades da Bacia do Rio das Velhas localizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e no município de Lassance, no Norte de Minas.

Segundo o coordenador do Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, “esse é mais um projeto de compromisso com a água e com as comunidades. Embora o foco da nossa luta seja termos água limpa nos rios, também queremos que as pessoas tenham acesso à água de qualidade, então, em sentido mais amplo, a nossa luta é pela garantia da água como um direito humano”.

O Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) já construiu 628.416 mil cisternas de 16 mil litros no semiárido brasileiro. Foto: Articulação do Semiárido (ASA)

Origens

O projeto tem inspiração no extenso histórico da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que desde o início dos anos 2000, vem desenvolvendo ações para atender a necessidade básica da população do semiárido: o acesso à água. O clima semiárido apresenta altas temperaturas, baixa umidade do ar, além de longos períodos de estiagem, com chuvas escassas e mal distribuídas. Através de programas como o 1 Milhão de Cisternas (P1MC), o P1+2 e o Cisternas nas Escolas, a ASA já garantiu o acesso à água de qualidade para mais de um milhão de famílias, permitindo sua autonomia hídrica e soberania alimentar.

O sucesso da implementação do P1MC foi reconhecido pelo Governo Federal que, em 2003, criou o Programa Cisternas, consolidando em política pública os programas da ASA e intensificando a implementação de cisternas como forma de conviver com a seca e combater a fome no semiárido e em outras regiões do Brasil.

Essa experiência foi transformadora não apenas ao democratizar o acesso à água e permitir a soberania alimentar e financeira das comunidades, mas também na intensa jornada de trocas de saberes que valorizavam os conhecimentos locais. Nas trocas durante os cursos de formação e na circulação de boletins impressos sobre as experiências vividas, uma produção gigantesca de conhecimento e laços comunitários foi criada.

 

O Programa Cisternas nas Escolas construiu mais de 7 mil cisternas de 52 mil litros em escolas rurais do semiárido brasileiro. Foto: ASA

Cultivando Águas

Reconhecendo o potencial transformador da construção de uma cisterna, o Cultivando Águas nasce com a esperança de um futuro de autonomia e abundância hídrica para aqueles que têm os seus direitos violados. A insegurança ao acesso à água de qualidade não se restringe apenas aos que sofrem com a seca nas regiões rurais, mas também àqueles que têm acesso precário ao sistema de saneamento básico nas periferias dos centros urbanos. O projeto, então, tem como parte de seu objetivo trazer essa tecnologia, utilizada predominantemente rural, para o contexto urbano.

Serão construídas cinco cisternas em diferentes comunidades de Lassance, de contexto agrário e que já sofrem com a seca: Quilombo Tira Barro, Morada Nova, Santa Maria, Boqueirão e Brejo. O projeto também irá implementar três cisternas na Grande BH: uma na ocupação Vitória, em Santa Luzia, uma no Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Compura), na capital, e outra no bairro Água Limpa, em Nova Lima.

Apesar dessa distinção entre rural e urbano, as comunidades foram selecionadas após a identificação do efeito replicativo que a tecnologia pode ter em cada localidade, funcionando como uma cisterna-modelo que é base para a construção de várias outras pela própria comunidade ou por pedreiros e pedreiras que queiram transformar esse conhecimento em uma oportunidade de renda.

Com a capacidade de armazenar 16 mil ou 52 mil litros de água da chuva, captada através de um sistema de calhas instalado em um telhado, as cisternas serão construídas de placas de cimento pré-moldadas. A tecnologia é utilizada para guardar água por longos períodos, garantindo o seu uso nas tarefas domésticas, na rega de hortas produtivas e no consumo humano (com o devido tratamento químico).

A tecnologia social da cisterna é considerada uma das mais eficazes para a convivência com a seca, permitindo a autonomia no acesso e na gestão da água. Sua implementação tem efeito direto no aumento da frequência escolar e na redução da mortalidade infantil, associada a falta ou má qualidade da água.

Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) Foto: Eduardo Queiroga / (ASA)

O coletivo

A importância da coletividade foi basilar para buscar comunidades que tenham o potencial de construir coletivamente processos de produção, educação e mobilização em defesa do território e de suas águas. A construção da cisterna será realizada em mutirão, respeitando os padrões de segurança impostos pela pandemia, reunindo moradores e moradoras da comunidade para que aprendam a técnica construtiva e subam as paredes de cimento. Esse conhecimento será transmitido e executado com a supervisão de técnicas e cisterneiras que já tiveram experiências com as ações da ASA.

A implementação da tecnologia também é inseparável de um processo de sensibilização em relação às questões ambientais, que envolvem o ciclo da água, a saúde coletiva e a mobilização social pela defesa dos interesses comunitários. Através de encontros de formação, esses temas serão discutidos utilizando-se as experiências locais dos moradores como trampolim para um processo de educação ambiental que preze pela troca de saberes.

É importante ressaltar que, diferentemente da implementação de cisternas privadas que ocorreram nos projetos da ASA e no Programa Cisternas, o Cultivando Águas busca construir cisternas para o uso coletivo, seja em escolas, hortas comunitárias ou em outros espaços de uso coletivo dentro das comunidades. Além de construir a cisterna, cada comunidade irá se envolver na gestão coletiva dessa tecnologia e do uso da água armazenada. Os momentos de formação e mobilização, tem, então, um papel ainda mais importante para incentivar os cuidados com a construção e o destino de seus recursos.

A instrumentalização do cuidado

Além da implementação da cisterna e dos processos de mobilização social, serão desenvolvidas cartilhas físicas que retomam as questões ambientais discutidas nas oficinas. As comunidades também receberão materiais instrutivos que expliquem detalhadamente os passos necessários para a construção de novas cisternas.

Por fim, o projeto irá realizar um filme documentário, recolhendo depoimentos dos moradores e moradoras e registrando a realidade de cada comunidade, desde as experiências de insegurança ao acesso à água, até o processo de implementação coletiva das cisternas, no caminho da autonomia hídrica.

“O projeto das cisternas é uma alternativa fácil e barata. É uma tecnologia social que as pessoas podem fazer as captações de água da chuva e com isso ter a disponibilidade de água no período de escassez, ou seja, ter água o ano inteiro. Não se trata de uma técnica nova, mas é uma tecnologia que precisa ser replicada”, avalia Polignano, coordenador do Manuelzão.

“Estamos replicando a ideia para mostrar sua viabilidade técnica e instrumentalizar as pessoas para esse tipo de ação. É um trabalho de educação, de mobilização pela preservação das águas nos territórios. É fundamental que as populações ajudem na preservação de seus mananciais, na proteção de nascentes e na recuperação de áreas degradadas, como forma de ajudar esse sistema local de produção de água. Assim, a segurança hídrica pode ser alcançada”, completa.

Seguimos cultivando águas.

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