Debate aponta riscos de UHE Formoso para biodiversidade - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Debate aponta riscos de UHE Formoso para biodiversidade

14/10/2020

Em seminário realizado nesta quarta-feira (30), pesquisadores mostraram que a instalação da usina ameaça espécies de peixes

“Estaremos matando um trecho do Rio São Francisco com a implementação da usina, mudando totalmente sua característica e toda a biodiversidade vai ser comprometida”. A frase foi dita pelo presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo de Miranda Pinto, durante o Seminário online sobre a Usina Hidrelétrica (UHE) Formoso, realizado na tarde de quarta-feira (30). Este foi o primeiro seminário da série que segue nos próximos meses e irá debater a proposta de implementação da usina, abordando questões sociais e econômicas.

A necessidade de transparência do processo para as pessoas diretamente impactadas pela usina foi destacada pelo presidente do CBHSF. Em maio deste ano, um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que enquadra a UHE Formoso no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), surpreendeu comunidades e ambientalistas pela falta de transparência em sua tramitação. Empreendimentos qualificados ao PPI são tratados como prioridade nacional, o que agiliza processos necessários.

Participaram do debate o representante da Quebec Engenharia, empresa desenvolvedora do projeto, Leôncio Vieira, a pesquisadora da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Ruanny Casarim, o professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Luís César, e o representante do ICMBio, Cláudio Fabi.

Ameaça para espécies em extinção

Este primeiro seminário teve como foco a biodiversidade, com destaque para os impactos em espécies de peixes da instalação da UHE. “Regular o rio, para o peixe, é mortal. Existe um ‘gatilho’ que precisa disparar no peixe para começar o processo reprodutivo, como a mudança de temperatura na água, por exemplo. Quando tem essa regularização do rio, causada por uma UHE, isso tudo acaba”, afirmou o representante do ICMBio. “O peixe fica desorientado no processo seu reprodutivo quando entra em um reservatório. E estamos falando de espécies praticamente ameaçadas, como o Dourado e o Surubim”, completou.

Fabi lembrou que a manipulação de vazão da água pela instalação da usina interfere não apenas na reprodução de peixes, mas gera um efeito no ecossistema. “Não afeta apenas a espécie ameaçada, mas toda a cadeia que essa espécie sustenta. Então estamos ameaçando o Rio como um todo, não apenas a parte diretamente impactada”, resumiu.

A pesquisadora Ruanny Casarim destacou que na bacia do São Francisco existem atualmente 211 espécies de peixes reconhecidas, sendo que 135 são endêmicas (encontradas apenas nesta bacia). “Peixes como o Matrinxã, Dourado, Curimba, Pirá, Hypostomus e Surubim são importantes para a pesca, além de serem nativos da região onde o barramento será construído” afirmou. Casarim também apontou que a instalação de uma UHE naquele local pode aumentar o risco de extinção de algumas espécies.

Ameaças ao São Francisco

Casarim lembrou que o Rio São Francisco percorre três biomas (cerrado, mata atlântica e caatinga) e que a região de instalação da UHE Formoso é abastecida pelo Rio Abaete e Rio das Velhas que tem alta importância biológica, prioridade para conservação da biodiversidade. A pesquisadora informou que no local do possível reservatório, seriam inundados mais de 6 mil hectares de cerrado nativo.

“Aqui não é o local para instalação desta usina”, concluiu a pesquisadora, após citar estudos que mostram que a região deveria ser conservada e ter sua proteção ambiental garantida.

Após as apresentações foi aberto espaço para debate entre os participantes. O coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, afirmou que o Rio tem história e lembrou dos ribeirinhos, pescadores e outras comunidades que habitam o território. “Fico abismado que, ao invés do governo discutir como revitalizar o São Francisco, quer discutir como quebrar ainda mais as pernas desse rio”, disse. “Não justifica um crime desse tamanho para gerar energia”, afirmou, apontando a necessidade de discutir alternativas para a UHE.

Pedro Melo, membro do Movimento Velho Chico Vivo, também contribuiu com o debate lembrando dos problemas culturais causados pelo empreendimento nas comunidades que moram no território onde a Usina seria instalada. “A identidade ribeirinha, a identidade barranqueira, é importante quando pensamos no Rio São Francisco e essas identidades são ameaçadas por grandes empreendimentos como a UHE Formoso”, afirmou.

Sobre o projeto da UHE Formoso

A UHE Formoso, com potência instalada de 306 MW, está projetada para ser implantada no rio São Francisco, no estado de Minas Gerais, a 12 km da cidade de Pirapora (MG) e a 88 km da UHE Três Marias. A área de reservatório apresenta tamanho de 312 km2.

De acordo com o representante da Quebec Engenharia, empresa responsável por desenvolver o projeto, seriam 36 meses de construção após a autorização para início das obras. A área do empreendimento abrangeria os municípios de Pirapora, Buritizeiro, Lassance, Várzea da Palma, Três Marias e São Gonçalo do Abaeté.

Em relação aos impactos causados, Leôncio Vieira alegou não haver estudos suficientes. “Hoje não podemos dar certeza sobre impactos do empreendimento porque os diagnósticos estão em fase embrionária de elaboração. Sim, vão existir impactos, mas não podemos comparar com de outros empreendimentos”, disse.

O Seminário foi transmitido pelo canal do Youtube do CBHSF e está disponível online.

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