Degradação e ocupação desordenada destroem nascentes da bacia da Pampulha

28/04/2015

Em matéria divulgada pelo jornal, Hoje em dia, Rodrigo Lemos e a equipe de mobilização do Núcleo Manuelzão falam da importância da revitalização das nascentes da bacia da Pampulha e problemas do entorno.

“Aqui é a nascente. A outra lá em cima secou. Agora
só tem essa. A lagoa era ali, mas jogaram esse tanto de terra. A água parou,
desapareceu”, conta João Vitor, de 12 anos. Aluno da 6ª série da Escola
Municipal Albertina Alves do Nascimento, no bairro Oitis, em Contagem, ele
brinca no filete que restou do principal olho d’água do córrego Avenida Dois,
formado pela água barrenta.

 Afluente do
Sarandi, que deságua na Lagoa da Pampulha, o córrego teve o leito canalizado,
mas recebe esgoto desde as primeiras nascentes nos bairros Colorado e Milanez,
na cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

 O quadro se
repete nos bairros de Contagem e de Belo Horizonte dentro da área da bacia
hidrográfica da Pampulha. Na região, nascem os 44 córregos e ribeirões
formadores da lagoa, complexo que tenta o reconhecimento como patrimônio da
humanidade.

A reportagem do Hoje em Dia percorreu algumas das
principais nascentes e pôde ver, junto com especialistas e moradores, a
situação desses locais.

 Impressões

 “Todos os
cursos d’água que são afluentes da Lagoa da Pampulha apresentam sinais visíveis
de contaminação por esgotos domésticos”, afirma o professor do UniBH, Rodrigo
Lemos, doutorando do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG.

 Segundo o
docente, é cada vez maior a importância das nascentes da bacia no processo de
renovação e manutenção do espelho d’água. Somente no córrego Braúnas, um dos
maiores afluentes da Pampulha, pesquisadores do IGC constataram, em 2013, a
existência de 181,8 nascentes por quilômetro quadrado.

 Lembrança

 O
vice-presidente da Associação de Moradores do bairro Colorado e membro do
comitê gestor da bacia, Carlos Alberto Ferreira, de 62 anos, lembra bem de como
o córrego Avenida Dois era antes de ele ser canalizado. A obra, conta o técnico
ambiental aposentado, demorou 15 anos para ficar pronta.

 “A mata
ciliar virou matagal e depósito de entulho e lixo, como ocorre em nascentes dos
afluentes do Sarandi, como os córregos João Gomes e da Avenida Dois”, descreve.

 

Ocupação

 

 Para o
professor Rodrigo Lemos, a solução para os problemas de sujeira da Lagoa da
Pampulha vai além da limpeza da água. Ele cita que a área impermeável ocupa
mais de 70% da bacia hidrográfica.

 Conforme o
pesquisador, as áreas que têm pressão maior por ocupação são as mais
preservadas hoje, nas nascentes dos córregos Sarandi e Ressaca, responsáveis
por 70% da contaminação da lagoa por esgotos doméstico e industrial. “As
sucessivas canalizações de córregos aumentam a chegada de sedimentos na lagoa”,
destaca Lemos.

 A Copasa
informou que já implantou os dois interceptores de esgoto na Avenida Dois, que
atendem a região dos bairros Colorado e Morada Nova, em Contagem.

 Desassoreamento
passa pelo planejamento de cidades que compõem represa

 A
revitalização das nascentes da bacia da Pampulha poderá reduzir
consideravelmente a dependência direta que a lagoa tem em relação aos rios de
tamanho menor que deságuam no local (Sarandi e Ressaca, os principais) que, na
realidade, têm contribuído mais para a morte que propriamente para vida do
espelho d’água durante muitos anos, segundo estudiosos da UFMG.

O pior problema da Lagoa Pampulha são os
sedimentos, diz o professor Rodrigo lemos, ao citar estudo do pesquisador
Orlando Vignoli Filho, que estima o volume de 141 mil m³ – o equivalente a 28
mil caçambas – de rejeitos despejados no espelho d’água todos os anos.

 Para
resolver o assoreamento da represa, não há solução única, dizem os
especialistas. Dentre as possibilidades está a busca da integração efetiva dos
instrumentos de planejamento nas cidades da bacia. Lemos defende rever as obras
na Pampulha. “As ações públicas centradas no espelho d’água estão enxugando
gelo”.

 Conforme o docente, as nascentes em Belo Horizonte
que contribuem para manutenção do espelho d’água também estão degradadas nos
bairros Enseada das Garças, Braúnas, Céu Azul e Trevo, numa abrangência de 12
km² de área.

 

HISTÓRICO

 

Repaginada por JK com obras arquitetônicas, o
reservatório de 18 milhões m³de água e profundidade máxima de 16 metros viveu
seu apogeu até 1954, quando a barragem se rompeu.

 No intervalo
de três décadas, apesar de ações para desassorear a lagoa, o acúmulo de
sedimentos reduziu a menos da metade o espelho d’água da Pampulha, que passou
de 18 km² para menos de 9km².

 “O
adensamento populacional é incompatível com a lógica de reservatório, o que
gera mais impermeabilização do solo e geração de esgotos doméstico e
industrial, além de sedimentos carregados por seus afluentes que vão parar
dentro da lagoa”, afirma Lemos.

De acordo com ele, a Pampulha é a síntese do que
ocorre em sua bacia hidrográfica, refletindo a situação dos afluentes nos dois
municípios. “A Pampulha foi o primeiro manancial para abastecimento humano
degradado na Grande BH e cada vez mais se resume a poços d’água confinados nas
partes de maior profundidade do reservatório”.

 Diálogo
entre prefeituras e entidades é essencial para frear destruição da lagoa

 Na opinião
de especialistas, a degradação da Pampulha aumentou por falta de integração
efetiva dos dois municípios e de investimentos e ações na bacia, inserida em
território urbanizado e que envolve diferentes instâncias e instrumentos de
planejamento e gestão.

 “O diálogo
em torno do interesse comum ainda não se efetivou entre as prefeituras de BH e
Contagem, Copasa, Arsae, Comitê de Bacia Hidrográfica e Ibama”, assinala o
professor Rodrigo Lemos.

 Criado em
2000 e regulamentado em 2005, o Consórcio de Recuperação da Pampulha (entidade
de direito privado, criada para despoluir a lagoa) “está aquém do que precisa
para atender às finalidades de buscar soluções conjuntas para a recuperação e
proteção ambiental da bacia, considerada de importância estratégica ao
desenvolvimento sustentável e integrado da região metropolitana”, critica o
professor.

 Ele destaca
que ficou parado, desde 2009, o Programa de Recuperação Ambiental e Saneamento
dos Fundos de Vale e Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte (Drenurbs),
criado pelo prefeito Célio de Castro e que previa parques lineares ao longo dos
cursos d’água urbanos, ao invés de pavimentação e lançamento de esgotos nesses
mananciais.

 “Ninguém põe
dinheiro nele. Estamos reproduzindo o modelo europeu-ocidental, que predomina
no mundo inteiro. Temos de questionar esse mesmo padrão de engenharia que
prevalece desde a década de 1960”, afirma Lemos.

 O professor
considera que o esgoto sanitário é o menor problema do cartão-postal. “A
represa vai morrer por causa do assoreamento e não por causa do esgoto jogado
no espelho d’água. Com esgoto, a lagoa existe, mesmo fedida. Com sedimento, não
tem lagoa”.

 

Matéria veiculada no jornal “Hoje em dia”

Data: 26-04-15

Repórter: Ricardo Rodrigues

 

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