28/01/2011
Artigo do Coordenador Geral do Projeto Manuelzão sobre as tragédias das chuvas
Pensei em como ser solidário com as vítimas da região Serrana do Rio
Janeiro e de outras áreas e decidi escrever este artigo. Primeiramente para
dizer da indignação pelas vítimas indefesas em todos os sentidos, quer seja
pela fragilidade física (crianças, idosos), quer seja pela fragilidade
ambiental, social, econômica e política dos que sucumbiram.
A melhor palavra para descrever esse fato é tragédia. Essa palavra
tornou-se uma denominação para um acontecimento doloroso, catastrófico,
acompanhado de muitas vítimas. Na Grécia Antiga, Aristóteles afirmava que o
espetáculo trágico para realizar-se, deveria sempre provocar a catarse, isto é,
a purgação das emoções dos espectadores. Por isso que a tragédia da região
Serrana e de outras cidades nos aproxima e causa tanto pavor, dor e compaixão.
Ela arrastou não somente casas e pessoas, mas também abriu as entranhas das
nossas mazelas cotidianas que não queremos ver. Longe da mídia diária, essa
realidade não se mostra visível: a
realidade do nosso apartheid social,
de pessoas excluídas de condições adequadas de moradias, saneamento, educação, alocadas nos leitos de
rios ou em topos de morros. Pessoas que
se negam a sair de suas casas, mesmo quando essas estão prestes a cair. Pois
despossuídas que são, não abdicam do único pedaço de terra que lhes cabe neste
latifúndio.
Essa tragédia demonstra uma
falência social e institucional. Onde estão os governos? Os partidos políticos?
Onde estão aqueles que deveriam administrar as cidades e não as catástrofes? Onde
está o CREA, com seus geólogos e engenheiros? Para que servem os parlamentares
e sobretudo os vereadores? Onde estão os médicos e os serviços de saúde que
deveriam garantir a saúde coletiva, e não simplesmente a sobrevivência em áreas
de risco?
Como culpar os fenômenos
naturais? Eles são do conhecimento da humanidade há séculos. As margens são dos rios.
As enchentes são fenômenos da natureza. As cidades é que foram sendo concebidas
para além das leis naturais, criando as suas próprias. Canalizamos córregos,
desmatamos, impermeabilizamos e fazemos uso inadequado do solo. Depois, nos
espantamos com a força das águas. E não podemos desconsiderar o aquecimento
global, que faz com que os fenômenos se apresentem com maior intensidade e
gravidade.
As águas e solos são interdependentes. A drenagem depende da tipologia geológica
e da presença de plantas para que as águas sejam absorvidas e retidas.
Desconsideramos estes fatos e, por negligência, incompetência, inoperância,
especulação ou até mesmo como “solução”, deixamos as comunidades tomarem posse
das áreas de risco.
Não podemos continuar edificando cidades e desconsiderando a gestão das
águas. Não poderemos construí-las centradas na injustiça social e ambiental,
submetendo as populações ao risco das catástrofes. Temos que fazer gestão de
bacias hidrográficas. Temos que ter uma visão ecossistêmica integrando
biodiversidade, uso e ocupação do solo, e sociedade humana para que possamos
ter um desenvolvimento sustentável e não catastrófico de bacia.
As vítimas somente mudam de cidades, mas não de verdades. Substituem-se os
nomes, mas não os cenários. Podemos facilmente identificá-los aqui mesmo em Belo Horizonte. Aos
que se foram, há que se lamentar a morte prematura, certos de que não serão
condecorados, mas com certeza serão lembrados para que possamos reconstruir a
nossa história.