25/01/2021
Tragédia se perpetua na dor de familiares das 11 vítimas ainda desaparecidas e na luta das pessoas atingidas ao longo do rio Paraopeba pela reparação integral dos danos
Às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, uma barragem pertencente à Vale se rompeu no Córrego do Feijão enquanto funcionários almoçavam no refeitório da mineradora, logo abaixo da estrutura. Era o momento no qual laudos enganosos, pressões corporativas e a falsa estabilidade da barragem se transformavam em um mar de lama que deixou 272 pessoas mortas, 11 delas ainda desaparecidas, contaminou o rio Paraopeba e atingiu mais de 240 mil pessoas ao longo de toda a bacia hidrográfica.
Dois anos após o rompimento, essas pessoas ainda lutam pela reparação integral dos danos sofridos, que ainda está longe de terminar.
Além de contaminar o rio, a lama destruiu uma estação de captação de água no Paraopeba, recém-construída pela Copasa, o que vem acarretando falta d’água, inclusive potável, para várias comunidades às margens do rio e compromete o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. As comunidades se tornaram dependentes dos caminhões-pipa disponibilizados pela Vale, fardos de água mineral para uso doméstico também são distribuídos. Entretanto, muitos depoimentos indicam que essa obrigação da empresa nem sempre é cumprida.
Ao atingir o rio Paraopeba, os rejeitos tóxicos do rompimento afetaram mais de 20 municípios: São Joaquim de Bicas, Igarapé, Mário Campos, Juatuba, Betim, Pará de Minas, Floresta, Esmeraldas, Pequi, São José da Varginha, Fortuna de Minas, Maravilhas, Papagaios, Caetanópolis, Paraopeba, Pompéu, Martinho Campos, Curvelo, Abaeté, Paineiras, Biquinhas, Morada Nova de Minas, Felixlândia, Três Marias e São Gonçalo do Abaeté.
Em Brumadinho, moradores pedem o reconhecimento dos bairros São Judas, Dom Bosco, Pinheiros e Sol Nascente como impactados pelo rompimento da barragem, em função do sofrimento com as obras da nova captação de água do Rio Paraopeba.
No Córrego do Feijão, comunidade que dá nome à mina da Vale onde ocorreu o rompimento, quem quer continuar no local diz que tem medo do vazio do distrito. Segundo os moradores, está acontecendo uma expulsão indireta, uma vez que a Vale tem comprado imóveis na área, mas os deixa abandonados. Eles temem que a memória da comunidade fique encoberta por mato.
A falta do adeus
Dois anos após o rompimento, o sofrimento e a angústia de 11 famílias ainda não tem data para acabar. As buscas do Corpo de Bombeiros pelas 11 “joias”, como se referem os familiares às vítimas, que seguem desaparecidas, continuam no entorno da barragem. Ao longo desse período, foram mais de 6 mil horas de trabalho, com quase 4 mil militares.
O compromisso do Corpo de Bombeiros é encerrar as buscas apenas quando todos forem velados. Conforme a corporação, ao menos 60 militares seguem na operação em área de quase 4 milhões de metros quadrados.
À medida que o tempo passa, no entanto, as dificuldades aumentam. A eclosão da pandemia do novo coronavírus também dificultou as ações. No último ano, os trabalhos para tentar encontrar as vítimas foram interrompidos entre março e agosto em função da pandemia.
As últimas identificações de vítimas ocorreram há mais de um ano, em dezembro de 2019. As vítimas eram João Tomaz de Oliveira, de 46 anos, e Noel Borges de Oliveira, de 50 anos. Os dois eram funcionários terceirizados, João trabalhava como motorista de caminhão-pipa, enquanto Noel era encarregado de obras. Noel deixou uma filha e João dois filhos.
Sem conciliação
Na última quinta-feira, 21 de janeiro, foram encerradas as audiências de conciliação entre o MPMG, o Governo de Minas, o Ministério Público Federal e as Defensorias Públicas de Minas Gerais e da União com a Vale em torno de um acordo para reparação pelos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho.
A audiência de conciliação ou de mediação é uma alternativa que permite resolver uma disputa sem a necessidade de atravessar todo o processo judicial.
Não houve consenso em relação aos valores que deveriam ser pagos pela mineradora e foi dado à empresa o prazo até a próxima sexta-feira, 29 de fevereiro, para que uma nova proposta seja efetivada por ela. Caso isso não ocorra o Tribunal de Justiça remeterá, no dia 1º de fevereiro, as Ações Civis Públicas referentes ao caso para que sejam julgadas em primeira instância.
Inicialmente, o Governo de Minas e as Instituições de Justiça pediram R$ 54,7 bilhões, sendo R$ 26,7 bilhões referentes aos danos materiais, e R$ 28 bilhões, aos danos morais coletivos. A Vale, no entanto, ofereceu menos da metade do montante: R$ 21 bilhões. O valor pedido foi embasado em um estudo elaborado da Fundação João Pinheiro.
Ao site do MPMG, o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, afirmou que os valores oferecidos pela Vale não correspondem ao que é devido ao povo mineiro. E ressaltou que o montante apresentado pelas instituições de Justiça e pelo Governo de Minas leva em conta os prejuízos acarretados para o Estado, como queda de arrecadação, assoberbamento dos serviços públicos e também de reparação às vítimas e à coletividade da bacia do Rio Paraopeba.
As negociações foram realizadas sob o princípio de confidencialidade. Por isso, nem as comunidades atingidas, nem as Assessorias Técnicas Independentes, que representam essas comunidades, tiveram acesso aos termos do acordo e tampouco participaram das negociações.
Após o entrave nas negociações, pessoas atingidas sofrem ainda mais com um futuro repleto de incertezas.
Punição aos responsáveis
O Ministério Público e Polícia Civil de Minas Gerais denunciaram, em janeiro de 2020, 16 pessoas, a Vale e a companhia alemã Tüv Sud por homicídio doloso duplamente qualificado, quando há intenção de matar e crimes ambientais. Entre as pessoas físicas denunciadas, 11 são funcionários da Vale, incluindo o ex-presidente da empresa Fábio Schvartsman, e cinco empregados da companhia alemã Tüv Sud.
Os promotores sustentam que os acusados atuavam de forma a fazer com que informações ou relatórios que indicavam risco de desmoronamentos e desastres fossem suprimidos e encobertos do conhecimento público. A Tüv Sud dava atestados de segurança em conluio com a mineradora.
À época, o delegado Eduardo Vieira Figueiredo, da Polícia Civil, também ressaltou que, ao esconder as reais informações das barragens, e assim assumir o dolo eventual por mortes, a empresa não acionou protocolos de segurança que poderiam ter evitado a tragédia.
Como os denunciados responderão pelas mortes de forma individual, a soma das penas chega a mais de 8.100 anos de cadeia. O processo está em tramitação na segunda vara criminal da Comarca de Brumadinho, mas ainda não há previsão de julgamento.