15/07/2024
Objetivo do grupo de pesquisa é superar lacunas dos sistemas oficiais de informação, apresentando os dados de forma didática e organizados por bacias hidrográficas
O Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território (EduMiTe) da UFMG lançou, no último dia 26, seu Observatório de Barragens de Mineração (OBaM). O OBaM nasceu da necessidade de facilitar o entendimento da população sobre os dados referentes a barragens, suplantando os sistemas oficiais de informação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e dos governos estaduais. Outro ponto-chave é a organização dos dados por bacias hidrográficas e não por municípios.
“O observatório é fruto do que é viver debaixo de barragens”, explicou na live de lançamento Daniela Campolina, bióloga, doutora em Educação, professora da rede municipal em Rio Acima e coordenadora do OBaM. “Leciono numa escola que fica a alguns metros do Rio das Velhas e fico observando o rio de casa também, como ele anda mudando de cor, com tantas barragens acima de nós. O observatório surge muito dessa vivência do que é morar próximo de um rio e debaixo de barragens”.
O objetivo do EduMiTe com o OBaM é levantar, construir, analisar e divulgar de forma didática dados geoespacializados sobre barragens de mineração. Diferentemente do Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM) da ANM, a organização dos dados considera as bacias hidrográficas como unidades territoriais de análise e tomada de decisão, como preconiza a Lei das Águas. Também evidencia a proximidade dessas estruturas umas das outras e a possível influência em cascata em caso de instabilidade ou rompimento de uma delas.
Daniela cita um exemplo emblemático do que essa reorientação por bacias hidrográficas significa. O município de Raposos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), não tem barragens em seu território, mas, às margens do Velhas e numa área de fundo de vale, está na rota de todas as barragens do trecho acima — 69 no total —, que “atingiriam a cidade catastroficamente” em caso de rompimento.
“Principalmente em Minas Gerais e na região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, as barragens se encontram no alto das bacias, no topo das serras e aproveita-se o vale para se fazer esses barramentos. Então, no caso de vazamentos e rompimentos, o caminho da lama é o caminho do rio. Por isso, a importância de se compreender não só a localização e a situação dessas barragens, mas fazer uma análise dessa situação relacionada ao recorte da bacia hidrográfica”, destaca a pesquisadora.
O OBaM é um desdobramento do trabalho de divulgação de boletins sobre barragens em nível de alerta ou emergência que o EduMiTe publicava desde janeiro de 2022. Após 16 boletins divulgados, o grupo de pesquisa preparou uma edição especial, criada a partir de uma metodologia específica para detalhar ainda mais os cenários.
A partir dos dados do SIGBM da ANM, os pesquisadores apresentam um panorama atualizado do número de barragens no Brasil, além de informações sobre o dano potencial associado a essas estruturas em caso de rompimento, o método construtivo, o volume de rejeito armazenado e se estão em nível de alerta ou emergência. No caso de Minas Gerais, esses dados são discriminados em cada bacia hidrográfica e, finalmente, é apresentado um recorte da região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, epicentro da mineração de ferro no estado.
Acesse o boletim EduMiTe edição especial.
Há hoje 936 barragens de mineração no Brasil, e Minas Gerais concentra mais de um terço delas, 341 ao todo. Entre as empresas, a Vale responde pelo maior número de estruturas, 111.
A situação estrutural dessas barragens faz com que a ANM as classifique como estável ou, caso seja constatada alguma anomalia, em nível de alerta ou de emergência. O nível de emergência é subdividido em três gradações, sendo o nível 3, o mais alto, um cenário de “ruptura inevitável ou ocorrendo”, de acordo com a Resolução ANM n° 95/2022.
No Brasil, 87 estruturas estão em nível de alerta ou emergência. Minas novamente concentra a maior parte delas, 48 no total, com o agravante de que todas as três barragens em nível 3 e as quatro em nível 2 (que significa que a estrutura apresenta uma “anomalia não controlada”) estão aqui. As sete barragens têm alto dano potencial associado, que é estipulado levando em conta fatores como perdas de vidas humanas, impactos sociais, econômicos e ambientais.
A Vale é responsável por 27 estruturas instáveis, com destaque para as quatro em nível 2 de emergência e duas em nível 3: Forquilha III, na divisa entre Ouro Preto e Itabirito, e Sul Superior, em Barão de Cocais. Ambas forçaram a retirada de centenas de famílias de seus entornos.
O complexo Fábrica, da Vale, onde está Forquilha III, ilustra bem a possibilidade de impactos em cadeia no caso de estruturas muito próximas. O conjunto de barragens e diques associados à mina Fábrica, que vertem para a Bacia do Velhas, é quase todo instável: de oito barragens e um dique, seis estão em nível de emergência, uma está em nível de alerta e apenas duas barragens têm estruturas estáveis e ativas.
Além do risco iminente de rompimento de Forquilha III, as barragens Forquilhas I e II e Grupo estão em nível 2 de emergência. São cinco estruturas de método construtivo a montante, o mesmo das barragens que se romperam em Mariana e Rio Doce (da Samarco/Vale/BHP Billiton), em 2015, e em Brumadinho e Rio Paraopeba (da Vale), em 2019. Essas cinco passam pelo delicado processo de descaracterização ou desmonte.
Até março deste ano, apenas 2,45% do total de barragens tiveram sua situação vistoriada por técnicos da ANM.
Isso nos traz à Bacia do Rio das Velhas, que abastece ao longo do seu curso mais de 5 milhões de pessoas. O cenário é crítico. São 79 barragens, 40 delas de alto dano potencial associado e 19 delas em nível de alerta ou emergência. O volume total represado é de mais de 270 milhões de m³ de lama.
Tratando-se da RMBH, a possibilidade de um colapso no abastecimento de água é bastante presente. São 62 barragens acima da captação do Sistema Integrado Rio das Velhas, da Copasa, em Nova Lima, responsável pelo abastecimento de 2,4 milhões de pessoas, 70% da população de BH e 40% da região metropolitana. Em caso de rompimento de uma dessas barragens, a lama correria para o Velhas, contaminando diretamente a captação que é feita a fio d’água, ou seja, sem a ajuda de reservatórios.
Das 62 barragens acima da captação do Velhas, 29 são de alto dano potencial associado, 13 estão em nível de emergência e quatro em nível de alerta e o volume total represado é de mais de 223 milhões de m³. As barragens do complexo Fábrica — Forquilhas I, II e III e Grupo — respondem pelos quatro registros de níveis 2 e 3 de emergência.
O grupo reúne pesquisadores, professores universitários e da educação básica, estudantes e ativistas, orientados pela construção conjunta de saberes sobre impactos da mineração. Funcionando como uma interface entre universidade, escolas, comunidades e movimentos socioambientalistas, atua sob a perspectiva de fortalecimento da ciência cidadã e de empoderamento de comunidades afetadas pela atividade minerária.
Além do Observatório de Barragens de Mineração, o EduMiTe tem trabalhado na construção do Observatório Educação e Mineração (OBeM), que já rendeu uma parceria com a Revista Brasileira de Educação Básica, e do Observatório Mulheres e (R)existências Frente à Mineração (ORuREM), que será lançado futuramente.
O grupo também articulou o “Que Lama é Essa?”, uma rede de monitoramento geoparticipativo que criou um protocolo de coleta para análise da lama de enchentes e solos após as volumosas chuvas de janeiro e fevereiro de 2022, em pontos das bacias do Velhas, do Rio Paraopeba e do Rio Doce, em Minas Gerais. Essas chuvas trouxeram à tona em várias localidades uma lama espessa, gelatinosa e brilhante, característica do rejeito de minério.
As análises coordenadas do EduMiTe e da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário, a Renser (leia nas páginas 4 e 5 da Revista Manuelzão 91), apontaram a presença de contaminantes na água que invadiu a casa da população.