Mineração aproveita pandemia para tentar licenciar 13 projetos de uma única vez no CopamProjeto Manuelzão

Mineração aproveita pandemia para tentar licenciar 13 projetos de uma única vez no Copam

24/03/2021

Em plena onda roxa em Minas Gerais, número exorbitante de licenciamentos pautados em reunião do Conselho Estadual de Política Ambiental provocou o envio de uma representação ao Ministério Público alertando sobre a postura do órgão ambiental

A 72ª Reunião Ordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), está prevista para a próxima sexta-feira, 26 de março, às 9h. Mas um fato, no mínimo curioso, chama a atenção sobre essa reunião: estão presentes na pauta de discussões nada mais que 13 processos de licenciamento, entre eles, alguns referentes a grandes complexos minerários. A CMI e o Copam são subordinados a Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

Entre os licenciamentos que serão discutidos estão o Complexo Mariana, da Vale, que envolve a Mina de Alegria e Fábrica Nova, em Mariana e Ouro Preto; o projeto de extensão da Mina do Sapo, da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas; e os da Mina Cuiabá e do Córrego do Sítio, da AngloGold Ashanti, em Sabará e Caeté respectivamente. O licenciamento ambiental é o principal instrumento técnico e jurídico utilizado para prevenir danos causadas por empreendimentos de grande impacto, como é o caso da mineração.

Cabe lembrar que os dois últimos projetos mencionados acima, da Anglo American e da AngloGold Ashanti, são objeto de ação civil pública (ACP) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a respeito de licenças concedidas anteriormente às barragens de rejeitos desses complexos.

“É inaceitável uma pauta com dois licenciamentos, quanto mais com 13!”, afirma a advogada e ambientalista Letícia Camarano. “Um processo tão complexo, delicado, altamente técnico, que envolve vidas variadas e meio ambiente, jamais poderia ser analisado dessa forma tão acelerada”.

Atenta às tramitações na CMI, a ambientalista Maria Tereza Corujo enviou uma representação ao MPMG a respeito da reunião da próxima sexta-feira. A representação é o ato de levar ao conhecimento do MP um fato ilícito ou irregularidade que possibilite a adoção de providências.

Para ela, como vem sendo recorrente, mesmo em tempos de pandemia, provavelmente será convocada reunião extraordinária para meados de abril, para decidir sobre os projetos, inviabilizando a devida análise de cada um desses processos de licenciamento pautados, alguns deles com milhares de documentos.

Ex-conselheira da CMI, Maria Tereza tem realizado análises que são inseridas nos pareceres de vista da ONG ProMutuca, que tem representação na CMI e assumiu o compromisso com a sociedade civil de sempre pedir vista (mais tempo para análise) dos processos que entram na pauta, para viabilizar melhor conhecimento dos projetos e manifestações da sociedade a respeito.

“Em plena onda roxa, com a situação de caos na saúde pública e a população amedrontada, como os interessados de todos os municípios desses processos de licenciamento poderão acompanhar, participar e conhecer cada um desses processos de licenciamento pautados, alguns deles com milhares de documentos?”, indaga.

O MPMG já ajuizou uma ação civil pública sobre a CMI e outras câmaras técnicas do Copam. A ação, contudo, parece não ter surtido efeito na postura da Semad na condução acelerada de licenciamentos e os efeitos desastrosos gerados a Minas Gerais.

Jogo de cartas marcadas

“Na representação, afirmo ao MPMG que o que venho testemunhando, a partir das análises dos pareceres únicos, ultrapassou um limite que jamais imaginei seria ultrapassado e sem dúvida seremos todos testemunhas de muito mais tragédias humanas e ambientais (inclusive para além das causadas até hoje pela irresponsabilidade com barragens de rejeitos)”, alerta Maria Tereza.

“A angústia permanente que trago no peito, associada ao conhecimento que tenho, foi a razão de escrever esta representação, porque é urgente encontrar uma forma de parar o que chamamos de ‘cartório de conceder licenças à mineração’”, completa.

Ela faz referência ao fato de que cerca de 90% das decisões das pessoas que ocupam os cargos de conselheiros nas cadeiras destinadas ao Governo do Estado e à iniciativa privada na CMI, são sempre em conjunto e invariavelmente a favor da mineração, independente do impacto causado por seus novos empreendimentos. A informação foi apurada pelo observatório de leis ambientais Lei.A.

Maria Tereza também lembrou no documento que, na gestão anterior do MPMG, na esfera das promotorias de justiça e de defesa do meio ambiente, não houve qualquer atuação no acompanhamento das pautas e deliberações da CMI, exceto quando o órgão era demandado. Ela pediu uma revisão dessa postura institucional do órgão.

A ambientalista também fez um requerimento ao conselheiro Bruno Elias Bernardes, atual representante da ONG ProMutuca na CMI, para que peça vistas dos 10 processos de licenciamento pautados pela primeira vez. Os outros são retorno três, serão discutidos após solicitação de de vistas na reunião anterior.

Para a advogada Letícia Camarano, é imprescindível fortalecer o processo de análise. Para ela, isso não significa tornar os processos burocráticos, mesmo porque a burocracia nunca garantiu necessariamente a qualidade, mas torná-los técnica e moralmente aptos, dentro do estado democrático de direito, que inclusive garante à vida o status de direito-mor da nossa sociedade.

“Percebo e posso afirmar que há vício na genética da maioria dos empreendimentos, desde seu início, com irregularidades não necessariamente pro forma, mas de cunho muito mais amplo, que ferem sem dúvida nossa ideia de direito e dignidade ampla”, reflete Camarano.

O Copam e a CMI

O licenciamento ambiental é o principal instrumento técnico e jurídico utilizado para prevenir desastres e tragédias causadas por grandes empreendimentos, como é o caso da mineração. Em função do enorme impacto da atividade, exige-se uma série de autorizações, laudos técnicos, estudos de impacto ambiental, projetos de monitoramento de áreas que podem sofrer danos imediatos, dentre outros documentos.

Em Minas Gerais, conforme o porte e a localização do empreendimento, este processo é classificado e conduzido pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), que congrega todos os órgãos ligados ao meio ambiente vinculados ao poder executivo. São esses órgãos, entre eles o Conselho de Políticas Ambientais (Copam), que estabelecem critérios e conduzem o licenciamento ambiental no estado.

No Copam, os pedidos de licenciamento são distribuídos por sete câmaras temáticas, as chamadas câmaras técnicas especializadas. Nelas, se discute a implantação dos projetos apresentados e vota-se, contra ou a favor à concessão da licença. Suas reuniões são mensais e abertas ao público.

Uma delas é a Câmara de Atividades Minerárias (CMI), responsável por decidir sobre a viabilidade ambiental dos projetos avaliados causadores de significativo impacto. Nela, os processos de licenciamento ambiental da mineração são discutidos e votados a partir de um parecer único (técnico e jurídico), elaborado pelos técnicos das Superintendências de Meio Ambiente regionais (Suprams) e Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri).

[Com informações da representação enviada ao MPMG e do observatório de leis ambientais Lei.A]

Página Inicial

Voltar