Em reviravolta incomum, justiça inglesa aceita que Desastre de Mariana seja julgado no Reino UnidoProjeto Manuelzão

Em reviravolta incomum, justiça inglesa aceita que Desastre de Mariana seja julgado no Reino Unido

08/07/2022

Anglo-australiana BHP, sócia da Vale na Samarco, é alvo da ação que representa mais de 200 mil pessoas, dezenas de prefeituras e o povo indígena Krenak

[Matéria de Maurício Angelo para o Observatório da Mineração publicada nesta sexta-feira, 8 de julho.]

O rompimento da barragem de Mariana está prestes a completar 7 anos, em novembro, sem uma reparação adequada. Hoje, o Tribunal de Apelação em Londres, em uma reviravolta incomum na justiça inglesa, aceitou a jurisdição após uma longa batalha nos tribunais e o mérito da reparação poderá, enfim, ser julgado no Reino Unido.

A mineradora anglo-australiana BHP, sócia da Vale na Samarco, é o alvo da ação que representa mais de 200 mil pessoas, dezenas de prefeituras e o povo indígena Krenak no Brasil.

Esta é uma dura derrota para as mineradoras, que nunca quiseram que o caso fosse julgado no Reino Unido e fizeram de tudo para evitar que a ação prosseguisse. A decisão do Tribunal foi unânime.

A ação foi proposta pelo escritório internacional PGMBM em 2018 e havia sido rejeitada em 2020. Numa mudança pouco usual, em julho de 2021 um painel de juízes reabriu o caso e deu permissão para recorrer da decisão anterior. Agora o caso foi definitivamente aceito na Inglaterra.

A indenização pedida pelos atingidos é de 5 bilhões de libras, cerca de R$ 31 bilhões.

A BHP ainda pode apelar à Suprema Corte do Reino Unido. “No entanto, diferente do que ocorre no Brasil, não é possível recorrer diretamente e é preciso obter permissão da corte para apresentar o recurso, o que é muito difícil de se obter”, acredita o escritório PGMBM.

Procurada, a BHP não respondeu até a publicação desse texto. A Vale disse que não irá comentar.

O Tribunal de Apelação rejeitou em sua totalidade a contestação da BHP quanto à jurisdição para julgar a ação sob diversos fundamentos, incluindo que: nenhum dos Autores ou Réus são parte nas várias Ações Civis Públicas no Brasil; existe grande incerteza quanto à possibilidade de os Autores alcançarem compensação adequada no Brasil em comparação com a Inglaterra; e a provável demora na resolução da principal Ação Civil Pública (ACP) e a provável inaptidão dos autores para se ajuizar uma nova ACP contra a BHP no Brasil e consolidá-la com a ACP.

Casa destruída em Mariana após o rompimento da barragem de Fundão. Foto: reprodução Observatório da Mineração

BHP e Vale tentaram de tudo para evitar o julgamento na Inglaterra

Desde que a ação foi proposta, em novembro de 2018, BHP e Vale acionaram diversos meios para evitar que o caso seguisse adiante na Inglaterra.

Ainda em janeiro de 2019 eu contei como a Samarco, uma joint-venture entre as duas mineradoras, estava liberando verbas emergenciais devidas para prefeitos de cidades atingidas com a condição de que abrissem mão de ações no exterior.

Desesperados, dezenas de prefeitos aceitaram.

A decisão favorável às mineradoras em 2020 parecia incontornável. No mesmo ano, em meio à pandemia, o juiz responsável pelo caso, a partir de demandas da BHP e Vale, surgiu com um novo sistema indenizatório simplificado para a bacia do Rio Doce.

As pessoas atingidas, além de aceitar a quitação total dos seus direitos para entrar nesse sistema simplificado, precisavam ainda justamente desistir de ações no exterior.

Em matérias exclusivas em março de 2021, mostrei que o juiz federal substituto responsável pelo caso orientou advogados antes da criação do sistema e durante a execução do mesmo, o que é vedado pelo Código de Processo Civil.

As matérias que fiz serviram para embasar um pedido de suspeição do juiz Mário de Paula feito por Ministérios Públicos e Defensorias envolvidas no caso. Centenas de juristas e instituições também pediram o afastamento do juiz.

Recentemente, no fim de junho, uma decisão do presidente do TRF1, desembargador federal José Amilcar de Queiroz Machado, suspendeu a obrigatoriedade da assinatura de termo de quitação definitiva para todos os danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, assim como a imposição da obrigação de desistência de ações em países estrangeiros.

Na sequencia, nova derrota para o sistema simplificado. O TRF1 estabeleceu que a Fundação Renova, criada para gerir a reparação, não pode descontar o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) dos valores pagos a quem aderiu ao “Novel”, como é prática recorrente até agora, conforme foi denunciado pelo Observatório da Mineração em agosto de 2021.

Como cerca de 60 mil pessoas recorreram ao “Novel”, a decisão pode beneficiar dezenas de milhares de pessoas, em especial pescadores e agricultores de subsistência, que deverão receber retroativamente os valores que foram indevidamente cortados.

A decisão também reforçou a ilegalidade da “quitação total” exigida pela Renova e mineradoras para aderir ao “Novel”.

As duas decisões recentes representam outras mudanças bruscas no entendimento do TRF1 sobre o Sistema Indenizatório Simplificado, que até então era celebrado pelo TRF1 e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Uma notícia do TRF1 afirmava que o juiz federal resolveu aplicar ao caso Samarco o conceito de “Rough Justice”, importado do direito norte-americano, que está sendo utilizado “de forma inédita no Brasil” através da matriz indenizatória simplificada, que “prioriza a efetividade do sistema de justiça”, que estaria “ultrapassando as fronteiras nacionais”.

A aprovação pelo julgamento do caso na Inglaterra e as reviravoltas em tribunais brasileiros indicam um novo caminho para a reparação de Mariana. Paralelamente, corre no CNJ a tentativa de um acordo para “encerrar o caso” no Brasil com o pagamento pelas mineradoras superior a R$ 117 bilhões.

Escritório espera um andamento rápido a partir de agora

Em coletiva na tarde desta sexta-feira, os advogados do escritório PGMBM disseram que esperam um julgamento rápido a partir de agora, baseado em outros casos semelhantes de grandes empresas na Inglaterra envolvidas em violações socioambientais.

A expectativa é que tudo seja resolvido – a definição da responsabilidade da BHP e a compensação – em meados de 2023.

Os advogados ressaltaram que a maioria das empresas em posição semelhante, uma vez que o caso é aceito, costumam fazer um acordo em vez de deixar o caso se arrastar na justiça. É o que a PGMBM espera que a BHP faça.

A possibilidade da mineradora anglo-australiana recorrer à Suprema Corte inglesa é vista como pouco provável e, de acordo com os advogados, “a BHP deveria aceitar o resultado da decisão diante do tamanho do desastre e o tempo decorrido até hoje. O Tribunal concedeu todos os pontos pedidos por nós. A reversão da decisão contra os atingidos é um caso excepcional”, destacaram.

Sobre a repactuação em andamento no Brasil no Conselho Nacional de Justiça, que pode significar um novo acordo geral, a PGMBM disse que é difícil prever as consequências no momento, mas que irá apoiar uma compensação completa e justa para todos os atingidos.

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