24/11/2023
Medida é justificada como um necessário desassoreamento; há duas décadas, mineradora se comprometeu a recuperar a área, o que nunca aconteceu
A Agência Nacional de Mineração (ANM) autorizou, em 16 de outubro, a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) a retirar minério previamente lavrado e que está estocado na mina Granja Corumi, na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte. A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) corroborou a decisão da ANM no último dia 10, justificando que a retirada servirá para conter possíveis danos que possam acontecer com a chegada da época de chuva. Há 20 anos, a Empabra assumiu o compromisso de recuperar ambientalmente a área da mina, que funcionou de forma ininterrupta entre 1950 e 1990, o que nunca se concretizou.
Ainda segundo a Feam, a licença não permite a extração de minérios da região, apenas a limpeza e escoamento de material que já teria sido extraído e ficou na região após a paralisação, motivada, entre outras irregularidades, por extração ilegal. Uma fonte interna de um dos órgãos de controle informou ao gabinete da deputada federal Duda Salabert (PDT) que no local há minério suficiente para encher 40 mil caminhões. O gabinete da deputada, tendo como base que cada caminhão comporta 30 toneladas, chegou ao número de 1,2 milhão de toneladas de minério depositadas na área. Considerando a cotação atual do dólar e do minério de ferro e um teor de aproveitamento de 70%, a estimativa é de que o material valha cerca de R$ 500 milhões.
A Empabra poderá comercializar o minério retirado mediante pagamento da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), imposto que incide sobre a operação e é distribuído entre União, estado e municípios impactados. O minério que vem sendo retirado a fio pela Empabra está sendo beneficiado pela Fleurs Global, uma das campeãs em crimes ambientais em Minas Gerais, que funciona sem licenciamento ambiental, amparada por termos de ajustamento de conduta (TAC) firmados com o governo do estado.
O documento emitido pela Feam não determina prazo para a retirada do minério pela Empabra, mas determina que em 60 dias a empresa deve desassorear as bacias responsáveis por conter águas das chuvas, chamadas de ‘sumps’. Ainda, a empresa tem 180 dias para mostrar um plano de fechamento de mina que abranja um novo plano de recuperação da área degradada.
Entretanto, o documento não determina como será a atuação da Empabra na região, isso porque a região da mina Granja Corumi está inteiramente inserida na área tombada da Serra do Curral. Além disso, no documento a que o g1 teve acesso está escrito que “qualquer ato que configure o exercício de atividade produtiva” não está autorizado ao mesmo tempo que permite a retirada e comercialização do minério escoado.
“A Empabra voltar a retirar minério da Serra do Curral é um verdadeiro absurdo. Estão fazendo a população de Belo Horizonte de palhaços”, declarou a deputada Duda Salabert ao Projeto Manuelzão. “Uma mineradora que enganou as autoridades por anos e anos roubando minério enquanto tinha autorização para recuperar a área, receber uma nova autorização das mesmas entidades que ela enganou, para voltar com a retirada de minério da mesma área que ela havia prometido recuperar é algo inimaginável. Parece até piada de mal gosto, mas é verdade”.
O Projeto Manuelzão oficiou o prefeito de BH, Fuad Noman (PSD), solicitando uma reunião para tratar do assunto. A deputada Duda afirmou que seu mandato está atuando para reverter essa situação o mais breve possível.
“Pelos documentos e planos já apresentados pela Empabra aos órgãos ambientais de MG e de BH, bem como ao Ministério Público de Minas Gerais, a área já deveria estar totalmente recuperada, mas o que vemos é uma cratera cada vez mais feia, profunda e irreversível. Autorizar essa empresa a retirar 40.000 caminhões de minério de uma área tombada do município de Belo Horizonte, colocando em risco o Pico BH é algo inaceitável e que tem de ser freado o quanto antes”, completou a deputada.
O início das atividades na Granja Corumi remonta à década de 1950, quando a mina foi aberta no bairro Taquaril, localizado na região Leste de Belo Horizonte, próximo à divisa com os municípios de Nova Lima e Sabará. Naquela época, a atividade ocorria sem controle ambiental e sem uma frente de lavra bem definida, resultando na formação de uma enorme cratera com 70 metros de profundidade em uma área de 66 hectares, além de uma extensa pilha de minério fino, um subproduto sem valor econômico naquela época.
Após o tombamento da Serra do Curral na capital em 1990, a atividade foi interrompida devido à mobilização popular e à intervenção do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A recuperação da área degradada, contudo, não teve um plano definido. Somente em 2003, devido aos riscos decorrentes dos danos causados, a Empabra assumiu o compromisso com o MPMG de realizar a recuperação ambiental mediante a elaboração de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad). Esse plano foi posteriormente aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte.
Conforme o acordo estabelecido, a empresa obteve o direito de remover o chamado “fino do minério” depositado na mina Corumi. Desonrando o compromisso, a empresa solicitou nova concessão de lavra após a assinatura do acordo. Por meio de um TAC, a Empabra obteve autorização para minerar e comercializar aproximadamente 4 milhões de toneladas do minério fino.
Assim, em 2013, a Empabra retomou a atividade de mineração na Serra do Curral. Desde então, incorreu em uma série de irregularidades, incluindo falhas na recuperação ambiental acordada, extração de minério acima dos limites permitidos e exploração em áreas não acordadas com o MPMG.
Em 2015, a Semad constatou que a empresa estava realizando atividades de mineração em uma área não autorizada. Como resultado, a Empabra foi multada e todas as suas atividades foram paralisadas. A partir desse momento, o MPMG recomendou que o governo estadual assumisse o monitoramento da atividade, que até então estava a cargo da Prefeitura de Belo Horizonte.
Diante da situação, a mineradora iniciou o processo de licenciamento ambiental junto à Semad, solicitando a Licença de Operação Corretiva (LOC). Enquanto aguardava a emissão dessa licença, a empresa obteve, por meio da assinatura de um novo TAC, autorização para continuar suas operações de mineração na serra. Pelo TAC, renovado pela Semad em 2016 e 2017, a empresa pôde extrair anualmente 1,5 milhão de toneladas de minério.
O Observatório de Leis Ambientais (Lei.A) produziu uma série de reportagens sobre a Serra do Curral. Uma delas é dedicada à atuação da Empabra.
Em 2018 foi decretada pela Semad a paralisação das atividades devido ao descumprimento parcial de quatro condicionantes estabelecidas em um TAC assinado em 2017 entre a Empabra e o órgão, por meio da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Central Metropolitana.
Além disso, a Semad informou que a Empabra foi penalizada por fornecer ao órgão estadual informações inconsistentes com os compromissos de recuperação acordados previamente com o MPMG e a Prefeitura de BH. A empresa também recebeu uma multa total de R$50.477,98, valor que se soma à obrigação de recuperação — que nunca ocorreu de fato.
Em nota ao g1, o governo de Minas declarou que: “por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) e da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), informa que não concedeu qualquer autorização para o exercício de atividade produtiva na Serra do Curral pela Empabra (Empresa de Mineração Pau Branco Ltda).[…]
Cabe informar ainda que foi realizada fiscalização ambiental no local, pela Semad e Feam, na data de 08 de novembro de 2023. Na ocasião, foi constatado que a empresa estava realizando a limpeza do das estruturas de contenção de sedimento, medida de segurança necessária. Semad e Feam reiteram que qualquer ação emergencial visando prevenir impactos ambientais devem ser adotadas de imediato pelo responsável, sob pena, inclusive, de incidir nas sanções administrativas caso ocorra o evento danoso.
Importante salientar ainda que qualquer ato exercido na localidade deve ser observado nos estritos limites judiciais, inclusive no que se refere à proteção da Serra do Curral. Nesse sentido, considerando que há questões que extrapolam as competências legais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), foi encaminhado um ofício à Advocacia Geral do Estado para as avaliações necessárias.“