Entrevista com Bernardo do Espinhaço

06/08/2015

Para o músico, um dos coordenadores do Movimento pela Serra do Gandarela, a mais danosa questão cultural brasileira talvez não seja a da destruição ambiental, mas o desconhecimento e a omissão do fato.

Diante dos desafios atuais, como trabalhar uma nova proposta de preservação ambiental?  

Penso que hoje a mais danosa questão cultural brasileira seja não a da destruição ambiental em si, mas a do desconhecimento e depois a da omissão perante o fato. Atualmente Belo Horizonte, com seus mais de 3 milhões de habitantes, está ameaçada por um projeto de mineração irresponsável (Projeto Apolo) que irá comprometer gravemente seu abastecimento hídrico nos próximos anos. Tudo porque, em outubro do ano passado, foi criado um parque nacional na região da Serra do Gandarela que inexplicavelmente não contemplou locais de imensa importância para a preservação de nascentes responsáveis por 70% do abastecimento da cidade. Este cenário catastrófico iminente não pertence ao diálogo cotidiano da maior parte daqueles que serão diretamente atingidos. Logo, a cultura da destruição ambiental, por parte de segmentos da sociedade, sequer é percebida. Então a função principal do Movimento é a difusão deste conhecimento e suas implicações. Basicamente sensibilizar para mobilizar.

Há atualmente uma cultura da escassez? Por quê?

A gestão dos recursos naturais de forma sustentável exige tempo e esforço de todos os setores, sejam eles públicos ou privados. A urgência dos interesses de grandes corporações num país emergente, claramente vulnerável à imposição do capital, implica no atropelamento dos melhores procedimentos. A esse quadro se soma o tão falado enraizamento da corrupção na sociedade e o resultado é a ruptura do compromisso social a longo prazo. Vivemos, antes de todas essas precariedades, a escassez moral, das empresas e do poder público principalmente. Conceder licenciamentos para determinados empreendimentos pode ser o atestado de óbito de todo um contexto cultural. Estamos assistindo isso acontecer em Conceição do Mato Dentro, por exemplo, onde a implantação de uma mina e mineroduto modificou de maneira brusca a qualidade de vida na cidade. Observe o contraste: a menos de 60 km dali, Itambé do Mato Dentro é a cidade com menor índice de violência no Estado. Já Conceição está regularmente no noticiário do crime, algo inacreditável para uma cidade com menos de 10 mil habitantes na zona urbana que era considerada até há pouco tempo a capital mineira do ecoturismo.

O que estaria levando as pessoas a essa cultura?

Fundamentalmente dois pontos protagonizam na construção desse perfil: primeiro o estímulo ao consumo inconsciente e depois fragilidade do sistema educacional de base. Os dois partidos que dominam a política brasileira permanecem alheios à questão ambiental. Há uma disputa pelos números de crescimento do poder de consumo. Fulano comemora que a classe X já pode comprar TV 40 polegadas, mas se esquece que as questões básicas de cidadania continuam inacessíveis. Não há saúde, segurança e principalmente educação de qualidade. Se houve um reposicionamento de receita para uma parcela da sociedade não existiu uma condução deste processo, orientando este novo fator. Veja, por exemplo, o constante estímulo à indústria automobilística com todo seu lobby criminoso que atingiu estratégias de desenvolvimento brasileiro ao longo das últimas décadas e, paralelamente, políticas de transporte público e/ou alternativo totalmente incipientes. Os governos permanecem de mãos dadas com a indústria automobilística e as mineradoras. Enquanto isso, as cidades têm graves problemas de mobilidade e escassez de água. Isso para não dizer outros resíduos. Ainda não sabemos calcular, por exemplo, o que significa a extinção de um bioma tão raro como o campo rupestre sobre as cangas ferruginosas ou os raros trechos de mata atlântica primaria que restaram em Minas Gerais e estão na Serra do Gandarela. O que está evidente é o impacto que representará a perda de um aquífero fundamental.

O que representa a água para a cultura de uma população?

Desde cedo aprendemos na escola que o Brasil é a maior reserva de água doce do mundo. Esqueceram de falar, no entanto, que a maior parte da população brasileira não tem acesso à abundância desse recurso, que veio sendo mal gerido pelos órgãos competentes. Penso que esse discurso de nossas potencialidades tem certa culpa no comportamento irresponsável com o meio-ambiente que apresentamos. Trazemos ainda a herança do índio e sua relação plena com a natureza. O índio tomava 3 banhos por dia, no rio, e tais reflexos podem ser vistos na sociedade moderna. Mas o índio não destruía seu habitat e nem jogava esgoto em cursos d`água. A maior parte dos brasileiros hoje tem grande zêlo com a higiene pessoal, mas não tem mais contato direto e diário com a água, a não ser a que saí das torneiras. Não tem mais os rios pra se banhar quando quiser. É esse o ponto onde a adaptação ao meio se deu de maneira equivocada e a água deixou de ter o valor que sempre teve em qualquer cultura no mundo.

O movimento acredita na transformação cultural pela mudança da realidade?

Achamos que a transformação a partir da cultura é potencialmente uma ferramenta poderosa, de acesso ao coração e à sensibilidade das pessoas. E, por mais que isso pareça ingênuo, ainda acreditamos que este é o melhor caminho. Não podemos crer que as pessoas só irão se movimentar quando não houver mais uma gota de água na torneira. Até por que as possibilidades reais de mudar a grave situação atual estão no “agora”, porque qualquer minuto adiante já pode ser tarde demais.

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