27/07/2011
O coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinicius Polignano, em entrevista, fala dos objetivos alcançados pelos trabalhos de mobilização social que busca a preservação de nascentes e a volta dos peixes aos rios, em especial ao Rio das Velhas
JC – Conte um pouco
sobre a criação do Projeto Manuelzão.
O Projeto
Manuelzão foi idealizado por professores do INTERNATO RURAL/ FACULDADE DE
MEDICINA DA UFMG em 1997, tendo como premissas: a saúde não é basicamente um problema
médico mas muito mais decorrência da qualidade de vida e ambiente e que o atual
modelo “assistencial de saúde” tem um compromisso muito maior com a indústria
da doença do que com a promoção de saúde; A proposta de trabalho do Projeto
Manuelzão é de mobilização da população e de lideranças políticas e
empresariais pela revitalização da região da Bacia Hidrográfica do Rio das
Velhas. Esta proposta enquadra-se na concepção mais ampla de saúde
correlacionada com o meio ambiente, a cidadania e o desenvolvimento econômico e
social saudável e sustentável.
A opção por
trabalhar com uma bacia hidrográfica reside no fato de que ela representa uma
unidade de diagnóstico, de planejamento, de organização, de ação e de avaliação
de resultados. A bacia permite integrar natureza e história, ambiente e
relações sociais, delimitando uma área e possibilitando que um complexo sistema
social seja referenciado na biodiversidade dos corpos d’água da bacia.
O eixo
temático: saúde, ambiente e cidadania, abrem espaço para questionar o conceito
hegemônico de considerar saúde como um produto da indústria e dos serviços de
atenção aos doentes. Esta hegemonia ideológica da “indústria da
doença” está perpetuando um modelo social excludente, incompatível com a
saúde coletiva e associada com a alta lucratividade dos setores mais mórbidos
da economia. Saúde está correlacionada com a qualidade de vida, e qualidade de
vida, com o ambiente e o caráter das relações sociais.
JC – Fale sobre o
objetivo dos trabalhos.
O objetivo
pontual comum definido pela estratégia do Projeto Manuelzão é a volta dos
peixes às águas da bacia. Ele correlaciona todo o complexo sistema natural e
social na área de uma bacia hidrográfica. É um elemento fundamental da
estratégia de ação. Ele permite, exige e assegura a possibilidade de êxito de
uma ação transdisciplinar e interinstitucional num espaço definido. Foi
fundamental coroar a escolha do território de uma bacia hidrográfica e do eixo
temático, com a definição clara do objetivo pontual comum.
A clara
definição de que o objetivo do Projeto Manuelzão é a volta dos peixes ou
reconstituição da biodiversidade dos corpos d’água da bacia hidrográfica do Rio
das Velhas, simbolizada nos peixes, foi fundamental. Por ser simples, ser
complexa, ser mobilizadora, ser científica e popular ao mesmo tempo.
A escolha da
Bacia do Rio das Velhas repousa na intenção de atuar concentradamente num
espaço geopolítico coerente, incluindo Belo Horizonte, sede da UFMG e capital
do Estado. Belo Horizonte é a maior cidade da bacia do Rio das Velhas e sua
maior fonte concentrada de poluição.
JC – Fale dos
resultados alcançados com as ações (Meta 2010 que engloba as expedições, os
seminários, os cursos, o Programa Pampulha Viva, FestiVelhas, entre outros).
São inegáveis
os resultados positivos obtidos pela Meta 2010. Talvez o maior, mais visível e simbólico
tenha sido a volta do peixe, algumas espécies já podendo ser capturadas na
região próxima de Lagoa Santa.
A Meta 2010
foi um sucesso, principalmente na região do baixo e do médio Rio das Velhas. Estas
áreas, beneficiadas pelas intervenções na RMBH, apresentaram melhorias
significativas na qualidade das suas águas. Os relatos de pescadores, ribeirinhos
e os dados obtidos pela Expedição Manuelzão 2009 demonstram que o rio está se
revitalizando, e o “milagre da multiplicação dos peixes” é confirmado por
todos.
Podemos
afirmar que numa avaliação qualitativa a Meta atingiu 60% do esperado. Não só deixou
de piorar, como melhorou muito, o que nos permite afirmar que o ganho foi de
mais de 100%. Demonstrou na prática que a sociedade pode reverter o processo de
degradação desde que estabeleça esse objetivo como uma meta política acordada
entre sociedade e Estado. Pela primeira vez, na história de Minas Gerais, as
políticas públicas e práticas empresariais estão sendo avaliadas pela qualidade
das águas de uma bacia hidrográfica.
A Meta 2010,
proposta pelo Projeto Manuelzão e incorporada pelo Estado, é um marco na história
de Minas, do Brasil e da revitalização de rios no mundo. Não podemos ainda
dizer que o processo de revitalização seja irreversível a longo prazo. Há
contradições ainda não resolvidas que poderão vir a ameaçar nossas conquistas,
pois a natureza da gestão tem muitas incoerências metodológicas. No momento,
para garantir a continuidade da recuperação do rio das Velhas, está sendo
lançada a META 2014: CONSOLIDAR A VOLTA DOS PEIXES E NADAR NO RIO DAS VELHAS NA
RMBH EM 2014.
JC – O que ainda
precisa ser feito?
A seqüência do
processo de revitalização vai requer um grande esforço político-institucional para
pactuar algumas questões importantes como a proposta de construção de
barragens, mineração, uso e ocupação do solo, gestão do lixo e tratamento de
esgotos em todos os municípios da Bacia, tratamento terciários nas ETEs de Belo
Horizonte.
Os dados
existentes demonstram ainda a presença de poluição química e microbiológica relacionada
à poluição difusa e industrial, que precisa de melhor avaliação e acompanhamento.
Estas questões deverão ser focos das próximas etapas do processo de revitalização
da Bacia do Rio das Velhas.
É necessário
um novo plano diretor do Velhas e a pactuação de um novo projeto de desenvolvimento
humano e econômico compatível com o Velhas Sustentável. Esse exige respeito
imediato ao enquadramento das águas e a integração entre gestão ambiental e gestão
das águas.
A Meta 2014
propõe três focos geográficos de atuação para conquistarmos nova condição qualitativa
no Velhas: um foco na recuperação da região mais degradada da calha do Velhas que
é a RMBH, incluindo Sete Lagoas e o conjunto da sub-bacia do ribeirão da Mata;
segundo foco na preservação ou conservação da sub-bacia do Cipó/Paraúna, uma
das principais reservas biológicas naturais da bacia do Velhas; terceiro foco
em ações de preservação e recuperação dos afluentes do Velhas, envolvendo todas
as prefeituras e empresas das respectivas sub-bacias hidrográficas.
É fundamental
a integração da gestão das águas com os licenciamentos ambientais, previstos pelas
leis federais 9433/97 e 6938/81. A qualidade das águas das bacias hidrográficas,
previstas nos Enquadramentos, tem que ser respeitada. No caso da Bacia do
Velhas é necessário buscar integrar a gestão da Bacia do Velhas numa única URC
(Unidade Regional Colegiada) VELHAS.
JC – Como a
comunidade pode ajudar?
A Meta 2014 para
a Bacia do Rio das Velhas vai requerer um novo arranjo institucional, não pode
ser mais somente um projeto COPASA, tem que envolver diversos setores do
governo do estado – agricultura, meio ambiente, saúde, educação,
desenvolvimento econômico, planejamento e outros -, prefeituras, comitê e sub-comitês
de bacia, ministério publico, setores empresariais e, sobretudo a participação
da sociedade civil e dos Núcleos Manuelzão.
Fonte: Jornal Caiçaras