26/10/2020
Segundo diretor da ANM, corte de 9% no repasse previsto para 2021, anunciado no último mês, deixará orçamento da agência, que já era deficiente, R$ 93 milhões abaixo do mínimo necessário
O coordenador do Projeto Manuelzão e integrante do Gabinete de Crise da Sociedade Civil, Marcus Vinicius Polignano, em entrevista ao MG2 sobre o assunto
A Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão encarregado de regular o setor minerário e fiscalizar as barragens de todo o país, está sem recursos para executar suas funções mais básicas e corre o risco de ver suas operações completamente inviabilizadas, segundo o diretor-geral do órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME), Victor Hugo Froner Bicca.
Em Minas Gerais, estado com maior atuação mineradora, a ANM tem no momento quatro fiscais para vistoriar cerca de 360 barragens. Quatro dessas estruturas em nível 3 de alerta, risco máximo de rompimento, e sete no nível 2, que requer a evacuação dos moradores vizinhos das estruturas.
No mês passado, Bicca mandou ofício ao Ministério da Economia para alertar sobre a situação insustentável do órgão por causa de sucessivos cortes financeiros. O jornal Estadão teve acesso ao documento, em que o diretor descreve que as restrições orçamentárias colocarão em risco o futuro da agência.
O Ministério da Economia determinou que o orçamento para a ANM em 2021 seja de R$ 61,4 milhões, uma redução de 9% sobre os R$ 67,5 milhões repassados neste ano. Bicca argumentou que o trabalho do órgão de fiscalização já era realizado sob orçamento deficiente e que para executá-lo de forma eficiente no ano que vem, seriam necessários pelo menos R$ 155 milhões.
O pedido, porém, foi ignorado e na atual previsão para 2021, os repasses ficam R$ 93 milhões abaixo do mínimo necessário.
“Temos clareza em afirmar que os referenciais estabelecidos (valor do repasse) e apresentados no referido ofício comprometem fortemente o futuro da ANM”, alertou o diretor-geral ao Ministério da Economia. “Diante dessa redução orçamentária para 2021, essa ANM entende que precisará informar formalmente o Ministério Público e ao juízo da ação sobre a redução orçamentária prevista.”
“É uma tragédia iminente. Os prefeitos estão todos preocupados porque não vai ter como funcionar. A segurança das barragens depende da ação da ANM, caso contrário nos resta acreditar nos relatórios apresentados pelas próprias mineradoras”, disse o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), Waldir Salvador.
Governo descumpre lei
Na prática, o que o governo tem feito, ao cortar o orçamento da agência, é descumprir a lei. Desde 2017 está em vigor a lei 13.540, que trata da distribuição dos royalties de mineração pagos pelas empresas que exploram os recursos naturais no Brasil. Na legislação é exigido que 7% do que for arrecadado com a chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) deve ser repassado integralmente à agência de mineração.
Em seu ofício, Bicca afirmou que, “apesar das restrições orçamentárias com que a ANM vem trabalhando, e da crise pela qual passa o Brasil, não se verifica uma redução brusca das receitas da ANM para 2020”.
O texto faz referência aos R$ 4,4 bilhões previstos para serem arrecadados neste ano em royalties. “Estamos falando de R$ 313 milhões que tinham de ser repassados diretamente aos cofres da ANM, e que estão ficando nos cofres do Tesouro Nacional”, afirmou Waldir Salvador, consultor de relações institucionais da Amig.
Barragens no país estão em estado crítico
No quadro nacional, houve um salto de 68 para 156 no número de barragens em situação crítica. A maioria das barragens nessa categoria, mais exatamente 63%, pertence a empreendedores privados. Barragens públicas das esferas federal representam 10%, estadual 21% e municipal 6%.
Do total de estruturas em risco, o problema mais comum é o estado de má conservação, observado em 73% dos casos. Uma parcela de 24% foi incluída no relatório por apresentar nível de emergência elevado. Além disso, 2% fazem parte da relação por causa da característica do projeto e 1% pelo dano potencial em caso de ruptura.
Alerta em Minas Gerais
Em 20 meses, o número de barragens em Minas Gerais que elevaram seu nível de segurança passou de zero para 45, de acordo com a Defesa Civil. De acordo com a legislação, as mineradoras fazem a própria declaração de estabilidade e acionam as autoridades em caso de alterações nas barragens. Com o rompimento em Brumadinho, o parâmetro de medição da segurança passou a seguir normas internacionais.
Quatro barragens estão em nível 3, risco iminente de rompimento. São elas a B3/B4, no distrito de Macacos, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Forquilhas I e III, em Ouro Preto, e a Sul Superior, em Barão de Cocais, na Região de Central de Minas Gerais.
Outras sete barragens estão em nível 2. Esse estágio requer evacuação dos moradores vizinhos das estruturas, situados na chamada Zona de Autossalvamento, isto é, área num raio de 10 quilômetros no curso da lama e que seria rapidamente inundada. Nos últimos anos, milhares de pessoas foram evacuadas em diversas cidades de Minas.
Por fim, trinta e quatro estruturas estão em nível 1, que não requer a retirada de moradores das áreas de risco e nem o toque de sirenes, mas aponta instabilidade nas estruturas.