Governo federal estuda pressionar exploração de títulos minerários “parados”Projeto Manuelzão

Governo federal estuda pressionar exploração de títulos minerários “parados”

24/07/2024

Ministério de Minas e Energia fez levantamento sobre lavras ativas e inativas e planeja novas regras para forçar atividade de mineradoras

Mineração em Santa Maria de Itabira, em 2013. Foto: Mídia Ninja

O governo Lula está avaliando a possibilidade de modificar as regulamentações da mineração para compelir mineradoras a explorarem todas as áreas de extração das quais possuem direitos. A Vale, além de outras grandes mineradoras nacionais e estrangeiras, são os alvos dessas medidas.

Um grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia fez um pente-fino nas pesquisas minerais e nas concessões de lavra ativas e inativas para avaliar o quadro. De acordo com apuração da Folha, os estudos para a implementação de um novo arcabouço legal vêm sendo feitos desde o ano passado pelos ministérios de Minas e Energia e Fazenda, comandados por Alexandre Silveira (PSD) e Fernando Haddad (PT), respectivamente. 

Ainda de acordo com a Folha, na visão do governo, as milhares de minas paradas, cerca de 3.500 das 14 mil concessões de lavra, seriam capazes de movimentar “um volume de recursos na economia nacional comparável aos investimentos anuais da Petrobras”. O governo tem se movimentado para aumentar a arrecadação e cumprir a meta de déficit zero do arcabouço fiscal.   

O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Fábio Rodrigues/Agência Brasil.

Em resumo, a implantação de uma mina prescinde de uma autorização de pesquisa da Agência Nacional de Mineração (ANM), com validade de um a três anos, podendo ser prorrogada, e, caso seja viável a exploração, a ANM dá seguimento à concessão da lavra. A empresa parte para o licenciamento do projeto junto ao órgão ambiental estadual, processo no qual também se posicionam prefeituras e outros órgãos competentes das três esferas. A cada seis meses, a mineradora deve demonstrar à ANM que o licenciamento está em curso. 

Entre as primeiras ideias para estimular as mineradoras estão o enrijecimento dos prazos para as empresas solicitarem a prorrogação da fase de pesquisa, etapa que antecede a exploração mineral, e o aumento da taxa anual por hectare (TAH), valor pago pelas empresas para a Agência Nacional de Mineração (ANM), da autorização da pesquisa até a entrega do relatório com a análise da viabilidade da área. Atualmente o valor da taxa é de R$ 4,53 por hectare para a primeira vigência da autorização de pesquisa e de R$ 6,78 por hectare para as próximas, caso haja a renovação.

O que isso significaria?

Para o professor Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mesmo acreditando que TAH tenha um valor muito baixo comparado ao capital das mineradoras, acredita que “essa perspectiva que o governo traz de tentar forçar as mineradoras a minerarem mais e mais é uma medida ainda focada na ideia de fronteira [exploração], que não existe custo nenhum em você extrair minério e que no fim isso só vai gerar receita. É um ponto de vista completamente arcaico que não faz sentido nem do ponto de vista social, nem ambiental, nem econômico.” 

Em artigo publicado no Le Monde Diplomatique, desdobramento de um contato do Projeto Manuelzão, Milanez defende que essa forma de pensamento é obsoleta, não gerando o desenvolvimento esperado e resultando em violência e pobreza. Além disso, exemplifica por  diversas vertentes do pensamento econômico o porque não faz sentido a linha de pensamento do governo federal.

Mesmo em uma perspectiva liberal, na qual as mineradoras são agentes econômicos racionais buscando maximizar lucros, é feita uma gestão de estoque. Elas calculam custos, avaliam oferta, demanda, estoques, preço atual e projeções futuras para decidir quando e quanto extrair. Portanto, obrigar a extração sem essa análise reduziria receita e lucro das mineradoras, e se todas as mineradoras extraírem todo o minério disponível, haverá excesso de oferta, suscitando preços mais baixos e redução da receita das empresas. Minério parado no mercado seria o resultado.

Contudo, em uma realidade onde impactos e crimes ambientais de grande escala estão cada dia mais frequentes é extremamente necessário colocar o custo ambiental na balança. 

A economia ecológica, explica Milanez, avalia a relação entre economia e natureza. Ela considera que bens sociais (casas, móveis) dependem de bens naturais (florestas, rios, minérios). A Terra é vista como um sistema fechado com quantidade finita de recursos.

Transformar bens naturais em sociais tem um custo. A degradação ambiental afeta o bem-estar humano e de outros seres vivos. Então, embora a análise inicial de custo-benefício possa favorecer a extração mineral, essa conclusão não é universal para todos os projetos. À medida que mais minério é extraído, cada unidade adicional gera benefícios decrescentes. Além disso, a escassez crescente de outros recursos naturais aumenta seu valor relativo. O que significa que com o passar do tempo a relação entre degradação ambiental e extração mineral acaba prejudicando a sociedade cada vez mais.

Área afetada pelo rompimento da barragem no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em 2015. Foto: Rogério Alves/ Tv Senado

Mineração é a única solução?

Um dos argumentos defendidos pelo governo para alterar o arcabouço legal da mineração é a receita que essas minas poderiam trazer ao país, contudo existem outros caminhos para aumentar a arrecadação.

Milanez defende que a revogação da Lei Kandir é uma ótima alternativa. A lei promulgada em 1996, isenta o pagamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para produtos destinados à exportação, beneficiando grandes exportadores de matérias prima como soja, carne vermelha e minério de ferro. De acordo com o professor, a lei “está simplesmente subsidiando a atividade industrial em outros países, porque se eu tiro lucro no Brasil, eu vou vender para uma siderúrgica brasileira, o lucro paga ICMS, se eu vendo para uma siderúrgica chinesa, ela não paga o ICMS. Então, eu vendo para a siderúrgica chinesa minério de ferro mais barato do que para a brasileira. Se você revoga a lei e passa a dobrar ICMS teremos um número grande de receita e ainda fará a indústria brasileira mais competitiva.” 

“Em uma leitura de receita”, ele prossegue, “se você só colocar uma tributação equânime a outros produtos no minério de ferro e nos minérios que são exportados em geral, você já aumenta e muito a arrecadação.” 

Para o estudioso essa análise pode ser vista também nos materiais da chamada transição energética “estamos vivendo a corrida para minerar o lítio no Norte de Minas, mas para que? Para exportar o concentrado de lítio que vai virar bateria lá fora para depois nós importarmos a bateria dos chineses. Ou seja, nós precisamos de uma política de industrialização aqui, para atender o mercado nacional e não somente para exportar. Isso geraria imposto e empregos, aumentando a renda e isso evitaria de sair por aí desbravando a Amazônia e destruindo o interior do país com a mineração.”

O professor Tadzio Coelho, coordenador do grupo de pesquisa e extensão Mineração e Alternativas (Minas) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), também aposta em outras formas de conseguir uma boa arrecadação sem fortalecer “esse complexo minerário”. 

“Sempre citamos o estímulo à indústria, o encadeamento produtivo, alternativas econômicas e que também são alternativas societárias ao mesmo tempo, como o caso da agricultura familiar, da agroecologia, ou seja, da agricultura familiar com base agroecológica. Nós temos o turismo comunitário, são diversas possibilidades. Mas o que geralmente acontece nesses países, regiões e municípios é que a instalação de uma rede de relações de poder que favorece o desenvolvimento da própria mineração impede ou sabota alternativas econômicas ou opções de sociedade diferentes dessas ligadas à mineração”. 

O estímulo à mineração dissipa outras formas de renda.

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