22/12/2020
Projeto de Lei fere a dignidade dos trabalhadores e não representa um avanço real contra a exploração animal
As discussões que têm acontecido em Belo Horizonte sobre a proibição da tração animal em carroças, mas que faz parte de uma discussão mais ampla, cria uma disputa no campo ambiental de setores que poderiam estar juntos.
Os carroceiros exercem um ofício milenar e suas atividades foram essenciais para a construção das cidades brasileiras, inclusive Belo Horizonte, que, no último dia 15 de dezembro, aprovou na câmara de vereadores o Projeto de Lei 142/2017, que prevê que os trabalhadores usem veículo de tração motorizada.
Antes de qualquer ponderação sobre o conteúdo em si, vale destacar que o projeto foi aprovado a portas fechadas, durante uma pandemia, sem a construção de nenhum diálogo com as pessoas afetadas por ele. Quem melhor do que os próprios carroceiros poderia ajudar a construir o melhor caminho para a resolução dessa questão? Só isso já é passível de críticas, pois indica um processo antidemocrático e estrategicamente não participativo.
Para além disso, a luta pelos direitos dos animais é muito importante e justíssima, mas será realmente possível superar o especismo desconsiderando a desigualdade social humana? Um sistema capitalista absolutamente exploratório, que não tem interesse em formas de locomoção limpas, em reciclagem, em diminuir a desigualdade de renda, entre muitas outras coisas, se aproveita desse discurso justo para marginalizar ainda mais as pessoas pobres.
Não vemos o poder econômico se levantando contra grandes instituições que também se utilizam da força animal ou contra grandes corporações que lucram bilhões com a morte de animais – é sintomático perceber que essas lutas ganham força quando vão retirar os direitos das pessoas mais pobres, das pessoas negras, das pessoas de religião de matrizes africanas, etc.
No caso do PL 142/2017, temos visto pessoas que possuem modos de vida absolutamente próprios, que ocupam a cidade de determinada maneira, que compartilham tradições e conhecimentos, que têm afeto pelos animais que são seus companheiros de trabalho e de vida terem suas vidas reviradas sem a possibilidade de participarem da discussão.
A proibição do uso da tração animal em carroças causa o desmonte de atividades essenciais para o meio ambiente, aumenta a poluição pela substituição por veículos automotores, exclui pessoas da atividade – já que será preciso ter habilitação, realizar pagamento de novos impostos –, leva a perda de saberes tradicionais, a formas específicas de sociabilidade, além de ser um golpe nas relações entre os carroceiros e seus animais. Ao mesmo tempo, ela serve ao interesse das indústrias de veículos, das caçambas, de políticos que buscam se capitalizar em cima dessa disputa.
Não existe nada que justifique os maus-tratos aos animais. Essa também é uma luta das próprias associações dos carroceiros, que, em seus “mandamentos”*, incluem o amor pelos animais, o zelo e o trato, preocupações com a ergonomia, entre outros pontos. Uma proibição arbitrária não vai acabar com o uso de animais como tração e, infelizmente, nem com os maus-tratos. Entretanto, o poder público tem o poder para regulamentar a atividade, apoiar os carroceiros, promover ações de sensibilização, fornecer serviços veterinários e realizar fiscalização.
Nosso apoio às carroceiras e carroceiros!