20/05/2025
Embarcação centenária será reinaugurada em 1º de junho e retomará turismo entre Minas e Bahia no segundo semestre do ano
Após 12 anos fora de operação, o centenário vapor Benjamim Guimarães voltará a navegar nas águas do Rio São Francisco a partir de 1º de junho. O retorno da operação faz parte das comemorações do aniversário de Pirapora, cidade-sede da embarcação, em Minas Gerais, celebrado na mesma data. Pirapora fica pouco antes do encontro do Rio das Velhas com o Velho Chico, em Várzea da Palma, e o tradicional trajeto vai de lá até Juazeiro, na Bahia.
Com capacidade para transportar até 140 pessoas, o Benjamim Guimarães tem 43,85 metros de comprimento, 7,96 metros de largura e pesa 243 toneladas. Movido a lenha, é o único vapor do mundo ainda em operação com essas características e pode atingir até 6,5 nós – o equivalente a cerca de 12 quilômetros por hora.
Construído em 1913 pelo estaleiro norte-americano James Rees & Sons, o barco teve suas primeiras navegações no Rio Mississippi. Mais tarde, atuou em rios da Bacia Amazônica. Na segunda metade da década de 1920, foi adquirido pela empresa Júlio Guimarães, desmontado e remontado em Pirapora. Desde então, passou a se chamar Benjamim Guimarães, em homenagem ao patriarca da família.
Inicialmente usado para transporte de cargas e passageiros entre o Norte de Minas e o Nordeste, o vapor passou a operar exclusivamente com fins turísticos a partir dos anos 1980. Antes, durante a Segunda Guerra Mundial, foi usado pelo Exército Brasileiro no transporte de tropas responsáveis pelo patrulhamento da costa nordestina.
Em sua fase mais recente de atividade, antes da atual restauração, a embarcação fazia passeios turísticos e transportava mercadorias pelo Velho Chico. Atualmente, encontra-se atracado no porto de Pirapora, à espera da conclusão da reforma.
O município integra o “Circuito Turístico Guimarães Rosa”, criado oficialmente em 2003 e certificado em 2005 pela Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais. De perfil literário, o circuito reúne cidades do sertão mineiro ligadas à vida e obra de João Guimarães Rosa, autor que retratou em sua ficção as paisagens e personagens da região.
O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) incluiu a embarcação em seu livro do tombo em 1985, em função do valor arqueológico, etnográfico e paisagístico.
O Benjamim Guimarães tem lugar de destaque também na história do ambientalismo mineiro. Em 2009, recebeu o encerramento d8a Expedição “Manuelzão Desce o Rio das Velhas”, a nona realizada pelo Projeto. A expedição fluvial percorreu cerca de 800 quilômetros, da nascente do Rio das Velhas, em Ouro Preto, até sua foz no São Francisco, em Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma.
A travessia aquática envolveu caiaques e canoas canadenses, escoltados por lanchas da Polícia Militar Ambiental. Já o trecho terrestre contou com representantes dos Núcleos Manuelzão e subcomitês da bacia do Velhas. “Tinha 14 ou mais subcomitês do Arrudas representados ali, fora os do Onça”, lembra Mércia Pereira, então coordenadora do Núcleo Navio/Baleia.
Ao chegarem em Pirapora, os grupos se encontraram no vapor. “Nós almoçamos no Benjamim. Daí saímos nele para dar uma volta e batemos num banco de areia. Foi um susto tremendo, o rio estava assoreado”, conta Mércia.
A lembrança é compartilhada por Joana D’Arc Souza, secretária do Projeto Manuelzão e responsável pela logística da expedição. “Fomos em mais de seis ônibus por terra. E saímos de Pirapora para a Barra do Guaicuí no barco. Enfrentamos muita dificuldade por causa do assoreamento e dos bancos de areia”.
Apesar dos percalços, ambas destacam a importância do momento. “Toda aquela empolgação era uma festa de conclusão. Não tínhamos atingido, ainda, a Meta [2010], mas aquele momento em que nos reunimos no barco tinha todo um significado”, assinala Mércia. Para Joana, “foi a festa da coroação da expedição. O Projeto Manuelzão conseguiu sensibilizar as pessoas sobre as questões ambientais, sociais e culturais que envolvem a natureza e os seres humanos. Outro compromisso atingido foi a pesquisa de qualidade da água”.
A restauração do Benjamim Guimarães está sendo conduzida pela Indústria Naval Catarinense (INC), com financiamento federal de R$ 5,8 milhões, repassados pelo Ministério de Minas e Energia (MME) por meio da Eletrobrás. A iniciativa integra o Programa de Revitalização dos Recursos Hídricos das bacias dos rios São Francisco e Parnaíba, custeado por meio de legislação federal. Inicialmente sob a responsabilidade da prefeitura de Pirapora, o projeto foi assumido pelo governo federal após um acordo com o MME.
Segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), a restauração vai além da preservação do patrimônio histórico e trará benefícios operacionais à gestão hídrica do reservatório de Três Marias, em Minas Gerais. A medida deverá conferir mais flexibilidade à liberação das águas e ajudar a reduzir as restrições de vazão nos trechos a jusante das usinas hidrelétricas.
“O Benjamim Guimarães representa não apenas a preservação do patrimônio nacional, mas também um avanço significativo para a operação hídrica da região”, afirmou Fernanda Ayres, diretora do Departamento de Revitalização de Bacias e Planejamento em Segurança Hídrica do MIDR, em nota publicada no portal do ministério.
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) confirmou o aumento da vazão do São Francisco no início de maio para a realização de testes com o vapor. O ajuste foi feito a pedido da Empresa Municipal de Turismo de Pirapora (Emutur) e coordenado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Nos dias 1º e 2 de maio, de acordo com a Cemig, a Usina Hidrelétrica de Três Marias operou com patamar de geração mais elevado, aumentando a vazão liberada para 650 m³/s. “Como toda a vazão será utilizada para a geração de energia, não haverá abertura do vertedouro. A operação poderá ser percebida, sobretudo, pelo aumento gradual do nível do rio”, informou a empresa.
O barco, que estava há cinco anos parado em terra, teve seu retorno às águas do São Francisco no começo deste mês. A expectativa é de que a retomada das atividades também fortaleça o turismo no Norte de Minas, reforçando a identidade cultural e econômica da região, especialmente em Pirapora. A cidade é conhecida pelo artesanato, ecoturismo e gastronomia local, chamada de “culinária barranqueira”, cozinha tradicional de áreas ribeirinhas.
Segundo a Emutur, a volta dos passeios turísticos do Benjamim Guimarães ainda depende de testes, vistorias e reformas, incluindo o desassoreamento do canal de navegação no rio. Apesar da reinauguração no próximo mês, o vapor deve voltar a receber passageiros no segundo semestre do ano.