Investir em produção de água?

06/12/2016

Um dos temas mais preocupantes dos dias atuais foi discutido na Revista Manuelzão. Para o professor, Oswaldo Valente, o fundamental é investir nas bacias hidrográficas.

A importância da bacia hidrográfica no contexto
brasileiro dos recursos hídricos é fundamental para a produção, qualidade e
quantidade de água nos mananciais. Esse processo é tão significativo que a Lei
9.433, Lei das Águas, de 1997, deu bacia a primazia de unidade básica de
planejamento. “E mesmo que a referida lei não trate especificamente das águas
subterrâneas, os conhecimentos hidrológicos reafirmam a importância da bacia
também neste aspecto. É preciso considerar a pequena bacia como uma fábrica
natural de água e analisar todas as etapas de produção. Considerar como
essencial a realidade de que o oferecimento da matéria-prima (chuva) é sazonal
e, portanto, precisa ser estocada. E o almoxarifado é o aquífero.”, é o que
afirma o engenheiro florestal e professor da Universidade Federal de Viçosa
(UFV), Osvaldo Ferreira Valente. Para ele, os mananciais, para serem fontes
permanentes de água, precisam ser gerenciados adequadamente, respeitando as
condições naturais, econômicas e sociais das bacias que os suportam.

 “Como a bacia hidrográfica é uma área drenada por
um determinado curso d’água, funcionando como unidade de captação e processamento
de água de chuva, ela pode, dependendo de sua composição e estado, levar essa
água rapidamente para o curso d’água (enxurradas), armazená-la em forma de umidade do solo, armazená-la em lençóis
subterrâneos (formando aquíferos) ou, então, devolvê-la à atmosfera por
evapotranspiração
”, declara o professor ao ressaltar que os mananciais de
abastecimento, entendidos em seu sentido mais amplo, devem englobar não só as
fontes de captação de concessionárias ou de departamentos municipais de
abastecimento de núcleos urbanos, mas todos aqueles responsáveis pelo
fornecimento de água para quaisquer outras atividades, incluindo consumos
domiciliares rurais, usos agrícolas e industriais e geração de energia
elétrica.

“Os mananciais podem ser superficiais e
subterrâneos. Os superficiais são inteiramente dependentes, mesmo em curto
prazo, do comportamento das bacias hidrográficas. Já os subterrâneos também o
são, mas com variações de tempo, onde os aquíferos freáticos podem ser
influenciados em curto prazo e os artesianos em prazos às vezes muito longos e
com áreas de recarga em regiões bem específicas”, avalia Valente, também
especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e
Coordenador Científico do Probacias, ao explicar que como os mananciais
brasileiros, em sua grande maioria, estão concentrados em águas superficiais ou
em poços de pequena profundidade, eles dependem essencialmente de manejo das
bacias hidrográficas coletoras e processadoras da água de chuva que chega até
elas.


Experiências

 Para ilustrar essa dependência, o Professor
realizou uma pesquisa, que envolveu o Ribeirão Bartolomeu, um dos principais
mananciais que abastece a cidade de Viçosa, na Zona da Mata mineira. O objetivo
principal foi analisar a bacia e propor a revitalização de bacias de
cabeceiras, usadas como mananciais de abastecimento, para que elas pudessem
produzir maior quantidade de água nos períodos de seca e melhor qualidade ao
longo de todo o ano.

“Devido ao manejo inadequado de sua bacia, esse
manancial vem apresentando quedas contínuas de vazão ao longo dos anos. Nas
décadas de 1960 e 1970 eram registradas produtividades de água de 6,28 L/s km²,
na época de estiagens, correspondendo a vazões de 200 L/s. Em 2000 a
produtividade tinha caído para 3,2 L/s km², correspondendo a vazão de 100 L/s.
Uma queda de 50% da vazão em 40 anos. Esse fato, associado ao crescimento
populacional e ao aumento da demanda per capita gerou problemas contínuos no
abastecimento de água”, disse. (gráfico pág 15)

 Nesse cenário, as propostas da pesquisa focaram o
aumento da rugosidade das superfícies das bacias, principalmente as das
encostas de maior declividade e de importância hidrológica localmente avaliada,
para dilatar o tempo de retenção superficial, diminuir as enxurradas, facilitar
a infiltração de água no solo e criar, assim, condições para maior percolação e
recarga de lençóis freáticos; cuidar para que o uso de técnicas vegetativas
(reflorestamento, por exemplo) não viessem provocar aumento de evapotranspiração;
construir fossas sépticas nas habitações existentes e sistemas de tratamento de
resíduos das atividades agrícolas; avaliar consumo de água por sistemas de
irrigação usados na bacia; instalar estações de monitoramento hidrológico,
constituídos de pluviógrafos, vertedores e linígrafos, para avaliação das
técnicas de manejo desenvolvidas e adotadas; e criar uma “Bacia Escola” para
ministrar cursos de capacitação para 
técnicos e  estudantes de
graduação e pós graduação, de treinamento para produtores rurais e de
conscientização ambiental para 
estudantes do ensino fundamental e médio.

 “Se as ações antrópicas alteraram o comportamento
natural dos ecossistemas e se não há como tirá-las de foco, temos de investir
em arranjos conservacionistas artificias que possam substituir os arranjos
naturais destruídos ou alterados. Os
reflorestamentos, da maneira como normalmente são feitos, acabam sendo
intervenções artificiais pouco ou nada eficientes.
Não vão cumprir o que se
espera deles. Para isso há de se investir em pequenas bacias, que são as
unidades primeiras da produção de água, colocando as tecnologias de conservação
adequadas e corretamente alocadas”, afirma Valente.  

 Metodologia

 “Como os problemas estão concentrados em pastagens
degradadas, ocupando encostas declivosas e exploradas economicamente, o SAAE
decidiu partir, em primeiro lugar, para uma avaliação de tecnologias com
potenciais de conservação e que não alterassem o modo de vida dos
proprietários, evitando, assim, criar atritos que pudessem comprometer ações
futuras”, esclarece o Valente ao ressaltar que: “No período de seca, a
vegetação freatófita foi controlada e os leitos dos cursos d’água foram
drenados, com as vazões posteriores comparadas às anteriores aos tratamentos,
depois de medidas na estação de monitoramento hidrológico. Já no período
chuvoso, foram instaladas práticas mecânicas de conservação de solos,
utilizando mecanização animal e trabalho manual, constituídas de terraços de
base estreita, em nível e em 30% das encostas com pastagens, chamados cordões
em contorno e de caixas de captação de enxurradas em canais de escoamento de
uma região torrencial”.

Para o professor, é necessário conhecer hidrologia
de pequenas bacias, pois nelas tudo começa.

 “Em primeiro lugar, conhecer a distribuição das
intensidades das chuvas que atingem a área e, depois, as velocidades de
infiltração; a relação intensidade de chuva/velocidade de infiltração mostra
como a superfície processa os volumes de água recebidos. Em segundo, acompanhar
os volumes infiltrados no perfil do solo e como eles se comportam para
satisfazer as deficiências naturais de água na camada explorada pelas raízes e
como tais deficiências se distribuem ao longo do tempo. Isso para saber as
quantidades evapotranspiradas e se não existem camadas adensadas a pouca
profundidade e capazes de provocar escoamentos subsuperficiais. Só depois de
fazer estas e outras análises de demandas específicas é que será possível saber
como os aquíferos serão abastecidos quando a bacia for atingida por determinadas
chuvas”, declara ao destacar que o processo pode ser demorado, mas que estamos
fazendo coisas há muito tempo e continuamos sem respostas positivas. “Se
continuarmos tomando decisões aleatórias e baseadas em meras suposições,
continuaremos sem as respostas esperadas”.

 Educação
Ambiental

 A proposta foi um dos destaques e se tornou um
importante segmento da pesquisa e fez uso do conjunto das sub-bacias
experimentais como “Bacia Escola”, locais onde se desenvolveram cursos de Conservação
de Nascentes para o produtor rural, mostrando que eles podem ser também,
produtores de Água. “Os cursos se estenderam para técnicos de nível médio e
superior, estudantes de graduação e pós-graduação e dos ensinos fundamental e
médio. O trabalho educativo variou com o público. O objetivo principal foi a
divulgação de uma tecnologia barata e eficaz no contexto de conservação de
nascentes, melhoria da qualidade da água e conscientização da população da
importância da preservação dos mananciais e do uso sustentável dos recursos
hídricos”, disse.

 Resultados

 Segundo o professor, os resultados hidrológicos
mostraram o potencial de tecnologias apropriadas à revitalização de mananciais,
com as sub-bacias hidrográficas trabalhadas produzindo novos comportamentos
hidrológicos e sinalizando futuros equilíbrios positivos para a produção de
água. Principalmente com o baixo custo de implantação, tornando-se viável a
todas as classes sociais distribuídas dentro das bacias hidrográficas.

“As políticas públicas e as instituições
responsáveis pela execução precisam considerar as bacias como verdadeiras
corporações de produção de água. As pequenas bacias devem funcionar como
fornecedoras dessa grande fábrica (as grandes bacias) atuando de acordo com
suas peculiaridades. As grandes precisam “comprar” os produtos das pequenas
(volumes de água), usando os recursos disponibilizados pelas políticas públicas
e pela venda (na forma de cobrança pelo uso) dos volumes processados. Não dá
mais para as grandes fábricas serem autossuficientes”.

 

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