28/10/2024
Ação movida por mais de 620 mil vítimas, 46 prefeituras e cerca de 1.500 empresas cobra responsabilidade da mineradora em seu país sede
Teve início em Londres, na última segunda, 21, o julgamento que pode responsabilizar a mineradora anglo-australiana BHP Billiton pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, há nove anos. A tragédia-crime, que matou 19 pessoas, destruiu o distrito de Bento Rodrigues e contaminou gravemente a Bacia do Rio Doce por 675 quilômetros, é considerada a maior catástrofe ambiental da história do Brasil.
Considerada a maior ação ambiental coletiva já registrada na Justiça inglesa, o processo envolve 620 mil pessoas, 1.500 empresas e 46 municípios atingidos e reivindica R$ 260 bilhões em indenizações. Entre os requerentes estão o povo indígena Krenak, comunidades quilombolas e instituições religiosas.
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, controlada pela Samarco — consórcio entre a BHP e a mineradora brasileira Vale —, rompeu e liberou uma avalanche de rejeitos tóxicos de mineração. Essa lama destruiu o distrito histórico de Bento Rodrigues, devastou comunidades inteiras ao longo da Bacia do Rio Doce, e exterminou ecossistemas em uma que se estende até o litoral do Espírito Santo.
As populações que até hoje sofrem com os impactos desse crime lutam por reparação plena e pela responsabilização das mineradoras que lucraram à custa de destruição e vidas perdidas. A abertura do processo no Reino Unido foi possível porque é onde ficava a sede da BHP na época do rompimento.
A Fundação Renova, formada em 2016 pelas proprietárias da Samarco, é responsável por gerir as indenizações e reparações relacionadas à tragédia. Segundo atingidos, a fundação é que estabelece os critérios para definir quem foi ou não um atingido pelo crime ambiental. Como consequência, existe uma grande quantidade de famílias atingidas que nem mesmo foram reconhecidas.
Em fevereiro de 2023, escrevemos sobre os impactos ambientais na Bacia do Rio Doce e no mar sete anos após o rompimento. À época, análises de consultoria contratada pelo Ministério Público Federal revelaram que espécimes na foz do Doce, onde a pesca é proibida, apresentaram concentrações aterradoras de contaminantes: mil vezes superior para cádmio (Cd), 5.566 vezes para cromo (Cr), 534 vezes para cobre (Cu), 3.074 vezes para ferro (Fe), 1.102 vezes para manganês (Mn) e 300 vezes para chumbo (Pb). Leia a reportagem “Sete Anos do Crime que Durará um Século” nas páginas 16, 17 e 18 da Revista Manuelzão 92.
Durante o julgamento, que deve se estender até março de 2025, testemunhas e especialistas serão ouvidos para discutir o controle que a mineradora tinha sobre a barragem. Nesta etapa, a Justiça britânica decide se a BHP é responsável pelo rompimento e será preciso um novo julgamento para estipular possíveis valores de indenizações.
A Vale, sócia da BHP, não é ré no processo britânico. No entanto, as empresas acordaram em dividir o valor das indenizações que forem determinadas nos processos que correm contra a Samarco. A mineradora brasileira também enfrenta uma ação coletiva na Holanda, movimentada por cerca de 70 mil pessoas atingidas.
De Londres, representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) acompanham o julgamento, na expectativa de que essa etapa finalmente traga responsabilização para a BHP e uma reparação justa para as pessoas que tiveram suas vidas devastadas. Além de definir o futuro da reparação financeira dos atingidos, o veredito pode estabelecer um precedente importante para a responsabilização de grandes empresas em casos de crimes ambientais.