03/04/2025
Sentença foi proferida nesta terça após mineradora soterrar gruta ilegalmente na madrugada do Dia Mundial da Água; moradores denunciaram ação
A Justiça suspendeu, na noite desta terça-feira, 1º de abril, as atividades da “Patrimônio Mineração” na comunidade de Botafogo, em Ouro Preto. A decisão foi proferida pela juíza Ana Paula Lobo Pereira de Freitas, da 2ª Vara de Ouro Preto, atendendo a um pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), após a mineradora soterrar de forma ilegal e deliberada uma gruta omitida no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado durante o processo de licenciamento.
A magistrada fixou multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento da sentença, limitada a R$ 1 milhão. A exploração e o escoamento de minério estão proibidos na área diretamente afetada, sob pena de multa única de R$ 250 mil. Qualquer nova intervenção, incluindo movimentação do solo, também está vetada, salvo para garantir a segurança da região, desde que comunicada previamente aos órgãos competentes e ao juízo. A empresa tem 15 dias úteis para apresentar sua defesa.
A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) concedeu à “Patrimônio Mineração” uma licença válida por dez anos para a exploração de ferro e manganês em uma mina a apenas 90 metros da comunidade. A licença foi publicada em 10 de fevereiro, e a empresa iniciou suas atividades no dia seguinte.
Pouco mais de um mês depois, moradores de Botafogo registraram com um drone retroescavadeiras avançando sobre uma cavidade natural visível e identificável. A cavidade, identificada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), não constava no EIA apresentado pela mineradora durante o licenciamento. No Relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico (Raipa) indicava-se a presença de duas cavernas na área.
Mesmo após uma denúncia à Polícia Militar e a determinação de paralisação das atividades, as máquinas soterraram a gruta na madrugada do dia seguinte, 22 de março, Dia Mundial da Água. A Polícia Ambiental compareceu ao local e registrou um Boletim de Ocorrência. Após moradores de Botafogo divulgarem o caso nas redes sociais, a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) denunciou formalmente o caso, pedindo a abertura de investigação criminal e administrativa, a suspensão das atividades da empresa e a aplicação de sanções ambientais.
A deputada estadual Bella Gonçalves (Psol) e a deputada federal Duda Salabert (PDT) também apresentaram denúncias. Nos dias seguintes, a Feam comprovou o impacto irreversível à cavidade, lavrou um auto de infração e embargou as atividades em um raio de 250 metros da gruta.
Na sentença, Ana Paula Lobo justifica a decisão diante da possibilidade de geração de novos danos e ressalta que “no auto de fiscalização [lavrado pela Feam] há menções a outras irregularidades do empreendimento e a circunstâncias importantes do caso, como a inexistência de comunicação aos órgãos competentes de descoberta, mesmo que fortuita, da cavidade”. Leia a íntegra da decisão.
O MPMG, que moveu a ação civil pública com pedido de tutela inibitória acatada pela juíza, informou que investiga a licença ambiental concedida, para verificar a veracidade e possíveis omissões nas informações apresentadas pela mineradora à Feam.
Conheça o patrimônio histórico-cultural de Botafogo e as riquezas naturais da região.
A Serra de Ouro Preto, conhecida como Serra de Botafogo no trecho em que está a comunidade, é uma área de recarga hídrica fundamental para as bacias dos rios Doce e das Velhas. Estudos indicam que a mineração na região compromete a disponibilidade e a qualidade da água. Além disso, ameaça o patrimônio natural e histórico-cultural da região, que abriga a capela seiscentista de Santo Amaro, edificações remanescentes da antiga Fazenda Irmãs Margaridas, entre outros vestígios arqueológicos.
A Associação de Moradores e Amigos de Botafogos e movimentos parceiros denunciam que a concessão da licença pela Feam à Patrimônio Mineração ocorreu sem a devida transparência e sem a consideração adequada dos impactos ambientais e sociais à povoação tricentenária.
Apesar da decisão judicial favorável, que ainda pode ser revertida e não representa a suspensão da licença, o receio da comunidade persiste. Moradores e movimentos seguem mobilizados para barrar a expansão da mineração na região e enfatizam a importância da pressão social para garantir a preservação ambiental e cultural de Botafogo e de outras serras e águas de Minas.